Consumidor: a efetivação do acesso aos órgãos judiciários e administrativos

Transcorrido recentemente o dia mundial do consumidor, vale fazer uma reflexão sobre a situação envolvendo a proteção deste agente econômico fundamental para a sociedade moderna.

Diz o inciso VII, do artigo 6.º, da Lei 8.078/90 (CDC) que o consumidor tem como direito básico: ?o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas a prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados?. O referido dispositivo complementa o direito material estabelecido para reparação ampla de todos os danos havidos contra o consumidor em relações de consumo (artigo 6.º, inciso VI).

Pois bem, o que significa o acesso aos órgãos judiciários e administrativos?

Na maioria dos Municípios do país, pode-se afirmar que as portas dos Procons, das Delegacias especializadas e da Justiça permanecem abertas para todos, mas é preciso avaliar se realmente o acesso preconizado na norma, acontece com efetividade ou se obstáculos existem a prejudicar os consumidores eventualmente lesados por maus fornecimentos. Portas abertas nem sempre significa verdadeiro acesso a meios extrajudiciais ou à Justiça se, porventura, faltar alguma condição essencial para que os direitos realmente se efetivem para o consumidor. Para uma ordem jurídica justa, os resultados práticos é que contam e ela depende do asseguramento de uma igualdade que vá além daquilo que é meramente formal, ou em outras palavras, de uma igualdade isonômica, muito mais real e efetiva. Há para o consumidor, questões como: a) a falta de programas de educação e orientação para o consumo. Existe um número elevado de consumidores carentes de condições culturais mínimas, autênticos ?analfabetos funcionais? para reconhecer o próprio direito e conduzir-se nos caminhos para buscar sua efetivação; b) falta de qualificação de muitos dos atendentes dos Procons que, nomeados pela via política e sem aferição de qualificação adequada, nem sempre conhecem aquele mínimo do Direito do Consumidor que é necessário para prestar um bom atendimento; c) o fato do valor da reclamação, quando muito baixo, desanimar o consumidor a postular ou, se for muito alta, lhe impor custas quando a ação não é coletiva. Aliás, nos casos em que o consumidor está inserido dentre aqueles que tiveram ou estão tendo desrespeitado um direito individual homogêneo, coletivo ou difuso (muitas vezes de pequeno porte no ponto de vista individual, mas grande no contexto geral), costuma surgir à contingência tácita de ter de esforçar-se para se aliar com outros lesados como forma de compartilhar a busca de soluções judiciais, sob pena de ter que encarar sozinho, certas dificuldades que ele não costuma ter a possibilidade ou vantagem de enfrentar; d) a demora para solução da controvérsia, seja por conta de que os Procons, quando inexitosa a tentativa de conciliação, carecem de poderes para impor sua decisão, seja devido ao Judiciário ter na morosidade uma de suas características marcantes, impingindo um custo marginal para quem reclama; e) e, principalmente, diante das dificuldades no que tange a fazer a prova, não só nos casos envolvendo profissionais liberais como fornecedores (amparados pela teoria da culpa componente da responsabilidade subjetiva), mas em todos os processos judiciais ou procedimentos extrajudiciais. Veja-se que o pobre sofre para contratar boa assessoria técnica e conseguir amealhar provas essenciais, tais como, certidões, declarações, perícias, laudos e outros documentos (e até levar testemunhas em juízo). Inclusive, nos casos envolvendo a saúde ou segurança do consumidor, os exames periciais com respectivos laudos emitidos pela Vigilância Sanitária ou outros órgãos técnicos, nem sempre são profundos, específicos e detalhados o suficiente para amparar as alegações do consumidor, sendo comum acontecer de, posteriormente, serem desmentidos em Juízo por provas mais contundentes provocadas pelos fornecedores.

Passados 18 anos da entrada em vigor do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ainda é evidente a falta de informação e de educação para os consumidores e isto é capital para poder haver o efetivo acesso a meios judiciais ou extrajudiciais como forma de concretizar-se a reparação dos danos aos consumidores lesados. Também são notórias as carências no que pertine a prevenção como forma de evitar danos. Apenas nos casos mais flagrantes e de grande repercussão na mídia, é que costumam ocorrer ações preventivas capazes de propiciar que o acesso do consumidor venha acompanhado, como diz a lei, de ?proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados?. E entenda-se como a melhor interpretação para a expressão ?necessitados?, aquela que não restringe o termo a figura dos carentes sob o ponto de vista econômico-financeiro, mas também abrangendo aqueles que precisam de amparo para produzir a prova ou vencer no procedimento extrajudicial ou no processo, outras eventuais dificuldades decorrentes de sua vulnerabilidade ou hipossuficiência como consumidores.

Conclua-se que muito progrediu nosso contexto social com a aprovação do CDC e as providências implementadas pelo sistema de proteção ao consumidor. Contudo, esse é um trabalho que nunca terminará enquanto existir um consumidor carente ou sem acesso à uma ordem jurídica justa. Principalmente em um país como o nosso, apenas nos primórdios do pleno desenvolvimento, naturalmente ainda há muito por fazer. Não é tarefa fácil, mas o preceito foi positivado (art. 6.º, VII) para ser cumprido, visto sua inquestionável importância para a sociedade e, em especial, para os consumidores mais necessitados.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.