Considerações sobre as características e elementos da prestação de serviços em relações de consumo

Perscrutar características, elementos e a classificação dos serviços em suas diversas formas de prestação, realmente não é tarefa fácil para o estudioso do Direito do Consumidor. Em artigo instigante, Roberto Braga de Andrade (Rev. Direito do Consumidor, n.º 16, 1995) buscou encetar uma formatação dogmática, assinalando uma notável dessemelhança entre serviços e produtos, principalmente no que tange a incorporiedade e suas conseqüências. Transmitiu a idéia de que os serviços não podem ser armazenados (são intangíveis), inviabilizando serem objeto de direito real.

De fato, em sua maioria, os produtos são materiais e palpáveis, tendo ciclo econômico pelo qual podem sair diretamente da produção para o consumo, mas na maioria dos casos possuem três fases: produção, circulação e consumo. Diferentemente, os serviços são imateriais e não circulam, são apenas produzidos e consumidos (bifásicos, já que não há como estocá-los em depósitos). No máximo, aparece na relação jurídica, alguém que o comercializa ou alguém que adquire para outro fruir, mas sem que o serviço venha de um produtor e passe fisicamente por um comerciante encarregado da circulação, seguindo depois para o consumidor. Assim, geralmente, o ciclo dos produtos é trifásico e o dos serviços é bifásico, o que segundo alguns doutrinadores, implicaria em que a expressão ?destinatário final? utilizada pelo CDC talvez fosse inapropriada, sem sentido ou despecienda, pois todo e qualquer beneficiário dele seria o último. Na verdade, o mais importante que se extrai destas considerações, é a característica dos serviços serem sempre incorpóreos, só podendo verificar-se palpavelmente os resultados das prestações deles. E mais, enquanto os produtos podem ser classificados entre duráveis e não-duráveis, os serviços, dada a característica incorpórea, dificultam essa identificação. Desta forma, aproximando uma classificação, cabem as seguintes considerações: – ou o serviço se esvai, ou melhor, é ?consumido? e desaparece com a sua prestação e simultânea fruição, como por exemplo, no caso de uma massagem para relaxamento, sendo, portanto, completamente incorpóreo; – ou o seu fornecimento, mesmo com a prestação ainda sendo imaterial, mostra instrumentos utilizados na sua prática, produtos que o integram e, principalmente, fazem por deixar resultados que podem ser verificados e aferidos, como por exemplo, a maquiagem feita na noiva para o casamento (que pode ser vista e registrada em filmes e fotos). Portanto, esses aspectos são relevantes na verificação das características dos serviços, principalmente para considerar se um determinado serviço é durável ou não-durável, fator que determina o prazo para exercício de direito de reclamar vícios (sentido amplo) nele encontrados.

Na literatura jurídica, há notáveis considerações a respeito dos aspectos que envolvem a classificação dos serviços. A jurista belga Françoise Maniet (Rev. Ajuris, v. 2, 1998) formulou detalhada classificação, que pode ser resumida na fórmula embasada em função: – a) da especialidade do prestador do serviço; – b) da qualidade do destinatário do serviço (subdividido em serviços aos particulares e serviços aos empreendedores). A mesma doutrinadora também afirma que eles podem ser divididos em serviços que tem por objeto um bem material, serviços relativos às pessoas e serviços que tem por objeto um bem imaterial. Já o eminente professor argentino Ricardo Lorenzetti (Rev. Direito do Consumidor, n.º 21), classificou os serviços em: – ?servicios de función publica? (serviços telefônicos, eletricidade, transporte público, segurança, educação, justiça); – ?serviços de infra-estrutura empresaria? (assistência e gestão financeira, assessoramento e consultoria, incluindo a jurídica, auditoria, hotelaria, transporte, manutenção de beleza, de lazer, resolução de conflitos, investigação de mercado, marketing, publicidade, segurança, limpeza, transporte, informáticos, tecnológicos, desenvolvimento de tecnologia, gestão de recursos humanos, agenciamento de empregos, etc.); – ?serviços profissionales? (serviços de profissionais liberais, autônomos, artistas, escritores, pintores, construtores, advogados, médicos, etc); – ?servicios a los consumidores? (preparação de comidas, limpeza, lavanderia, manutenção de automóveis, embelezamento, educação e aperfeiçoamento, transporte escolar, seguridade habitacional, cinema, hotelaria, etc.).

Como se observa, não há unanimidade e as classificações apesar de úteis, não visualizaram especificamente os serviços fornecidos em relações de consumo. Assim, deixando um contributo para o estudo do tema, vale sublinhar que, abstraídas as atividades decorrentes de relações trabalhistas e as que provêm o fornecimento para insumos, temos que a prestação de serviços para o Direito do Consumidor engloba: a) as atividades de fazer ou ações pessoais dos prestadores (em si consideradas) quando de relação de consumo, podendo consistir em labor, habilidade humana, esforço, realização de trabalho através de atividade de empresa ou pessoa física, etc.; b) as atividades de dispor para o consumidor, presentemente ou remotamente, de direitos de uso ou desfrute de um bem (utilidade), como alugar uma fita de vídeo para assistir em ambiente doméstico, ou um passeio panorâmico em lugar turístico, ou a utilização de um brinquedo de lazer em parque de diversões, etc.; c) as atividades de asseguramento de um fazer futuro, como a garantia de que vai assumir encargos em caso de acidentes ou doença do consumidor, a exemplo dos seguros e planos privados de assistência à saúde.

Assim classificamos juridicamente os serviços, setor relevante que abrange mais da metade da economia nacional.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.