Conscientização

Oscar Ivan Prux

Após duas décadas de existência, não há como negar que a Lei n.º 8.078/90 (CDC) mudou a realidade brasileira. O Brasil de antes de 1990 exibia características típicas do que era chamado de 3.º mundo (o 1.º constituído de países desenvolvidos e o 2.º dos países socialistas do leste Europeu). Junto com a abertura da economia brasileira que passou a se inserir no processo de globalização, surgiu no direito a era dos micro-sistemas, dentre eles o de proteção aos direitos e interesses dos consumidores. Da descrença inicial baseada na idéia de que a mencionada lei não entraria em vigor ou, depois se transformaria em uma daquelas leis que “não pegam” (algo típico do subsenvolvimento), chegou-se a um Código moderno (ou como alguns defendem, um arauto da pós-modernidade) e que alcançou a maturidade quando da sua aplicação em nossa sociedade. É um código cujos princípios e preceitos estão incorporados ao contexto da vida nacional e passados 20 anos, não perderam atualidade. Esse fenômeno se deve em muito a técnica de dar origem constitucional para o código e estabelecer que ele é de ordem pública e interesse social (impedindo que práticas ou cláusulas contratuais o contrariem), assinalando-se igualmente, o quanto foi importante inserir nele a responsabilidade objetiva. Países como a Colômbia que possuem códigos até mais antigos, não conseguiram o mesmo padrão de resultados como os obtidos no Brasil, por conta de não terem adotado esse conjunto de fatores. A prova de que o CDC foi e é uma lei da melhor qualidade, pode ser observada no fato dele ter tido apenas 10 alterações nessas duas décadas de vigência, algumas quase tópicas como a correção de um erro gramatical que passou desapercebido no momento da aprovação. Apesar de termos uma sociedade em profunda e veloz transformação e, culturalmente, o brasileiro preferir viver mudando as leis ao invés de cumprir princípios, nada de realmente substancial foi alterado no CDC, o que demonstra quão qualificado e eficiente ele é. Inclusive, entre os estudiosos existe uma notória divergência em saber-se se é melhor apenas prosseguir com o processo de consolidação do código ou se algumas alterações pontuais são recomendáveis (exemplo: coibir abusos do marketing, incluindo os concursos que ridicularizam ou desrespeitam a dignidade das pessoas, tal como comer coisas nojentas ou colocar em risco a saúde exaurindo o físico apenas para ganhar um prêmio).

Independente desse contexto, fazendo uma reflexão crítica, afinal qual terá sido efetivamente a maior contribuição trazida por essa lei que agora aniversaria? A resposta é simples: a conscientização!

Não há dúvida de que o que mais mudou foi a mentalidade vigente, em especial no ambiente de mercado. E foi esse contexto que operou a transformação da sociedade brasileira encaminhando-a para o desenvolvimento. Sem esse processo, não teríamos consolidação do mercado interno e os sucessos econômicos alcançados, e sem eles o Brasil não seria um dos países emergentes mais elogiados pela comunidade internacional. A questão não se resumiu apenas a informação dos consumidores e aos incentivos para eles buscarem seus direitos (com as melhoras no acesso à Justiça) ou ao reconhecimento dos fornecedores quanto aos seus deveres (antes como senhores absolutos do mercado e agora como parceiros junto com consumidores na construção desse contexto). Empresas perceberam que atender melhor as legítimas expectativas dos consumidores são vantajosa forma de captar clientela, lucrar, crescer e manter-se no mercado com vistas ao longo prazo. E para aqueles setores em que a força dos monopólios ou oligopólios (públicos ou privados) criou mentalidades prepotentes nas empresas fornecedoras, a atuação das Associações de defesa dos interesses dos consumidores, o papel desempenhado pelo Ministério Público e pelo Judiciário como um todo, tem reposto as condutas empresariais desvirtuadas, inclusive superando falhas da regulação (há muitas agências reguladoras permeadas de influência dos interesses unicamente da empresas mais relapsas no mercado).

Tão claro é esse cenário que até a ciência se incorporou a esse processo e se fez mais presente com estudos e pesquisas para se aprender mais sobre os efeitos do consumo (ou da ausência) de certos produtos ou serviços. Vamos a um exemplo real: vinte anos, quem atrás imaginaria que em um setor como o de transporte aéreo, no qual duas empresas (Gol e Tam) dominam 90% do mercado, existiria decisão judicial (mesmo que liminar) determinando tamanho compatível para as poltronas e espaço mínimo entre elas, forma não só de proporcionar mais conforto para os passageiros, mas principalmente de proteger a saúde desses consumidores que em vôos mais longos, correm o risco de problemas circulatórios ou de coração. Até 1990 isso era impensável, mas agora existe por força do Código de Defesa do Consumidor. E mais relevante do que o reconhecimento e exercício de direitos tal como nessa Ação Civil Pública que envolve a Tam, tem sido aqueles potenciais conflitos que a conscientização fez desaparecer naturalmente pela melhora na qualidade das relações de consumo e, consequente, aumento na qualidade de vida das pessoas.

Os parabéns devem ser endereçados para todos os partícipes dessa conjuntura, pois essa tomada de consciência e a mudança de mentalidade operada no mercado e na sociedade brasileira como um todo, realmente pode ser considerada a grande vitória para ser festejada na comemoração dos 20 anos de Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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