Competência: ações de responsabilização civil do profissional liberal podem ser propostas na Justiça do Trabalho?

Oscar Ivan Prux

No contexto das relações de consumo, a responsabilidade civil do profissional liberal é dos temas que apresenta um rol de questões das mais complexas. Em matéria de responsabilidade civil, além de constituir-se em uma exceção à regra geral do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) também é ponto de controvérsias em diversos outros aspectos. Como se sabe, a regra geral do CDC é de aplicar a responsabilidade objetiva para o fornecedor, excepcionada neste caso pelo parágrafo 4.º, do artigo 14, que prevê ser subjetiva a responsabilidade pessoal do profissional liberal. O que, em verdade, não deve ser tomado como algo absoluto, já que na esfera civil, todo aquele profissional liberal que atuar em atividade não-típica, deve responder objetivamente (independente da demonstração prévia da culpa). Ou seja, quando ele fornece na qualidade de fabricante, comerciante, ou mesmo como técnico (e não dentro de sua área de formação em curso superior), não lhe aproveita essa excepcionalidade, devendo responder tal qual aos demais fornecedores que exercem atividades idênticas (objetivamente).

Desde que foi aprovada a Emenda Constitucional n.º 45, que modificou a redação do artigo 114, de nossa Carta Magna e ampliou a competência da Justiça do Trabalho, inserindo que lhe cabe processar e julgar as ações envolvendo relações de trabalho (e não apenas de emprego), começaram a ser ajuizadas em favor de fornecedores de serviços, algo inusitado até aquele momento. Ou seja, ações com consumidores no pólo passivo e fornecedores no pólo ativo, todas sendo julgadas na Justiça Especializada do Trabalho. A partir de então surgiram julgados com teor idêntico ao que segue:

“EMENTA: HONORÁRIOS DE ADVOGADO – Profissional liberal, pessoa física é trabalhador que merece tutela especializada. A relação de consumo que tenha por objeto a prestação de serviço, nem por isso deixa igualmente de abranger uma relação de trabalho, a atrair a competência material desta Justiça, a exemplo do contrato de empreitada, quando o contratado é operário ou artífice – Art. 114, I e IX CF, art. 2.º, Lei 8078/90 (CDC) e art. 652, III CLT. (RECURSO ORDINÁRIO EM RITO SUMARÍSSIMO – ACÓRDÃO N.º – TRT 7.ª TURMA RELATORA CATIA LUNGOV – PROCESSO N.º: 01242-2008-083-02-00-2 JULGADO EM 11/9/2008 PUBLICADO EM 19/9/2008)”.

Segundo esse posicionamento jurídico, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para processar e julgar ações envolvendo profissionais liberais e seus clientes, motivo pelo qual, principalmente advogados passaram a dela se valer para buscar a tutela jurisdicional no sentido de receber seus honorários.

Mas esse posicionamento não é unânime. Em sentido diametralmente oposto, temos julgados como o que a seguir se transcreve:

“COMPETÊNCIA Material – TRT-PR 7/3/2008 – ADVOGADO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS AUTÔNOMOS PARA PESSOA FÍSICA – RELAÇÃO DE CONSUMO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA COBRANÇA DE HONORÁRIOS – NÃO CARACTERIZADA -ARTIGO 2.º DA LEI 8078/90 (CDC) E 114, I, DA CF/88 – A contratação de advogado, profissional liberal, por pessoa física, em causa particular, não caracteriza “relação trabalhista” derivada da prestação de serviços, mas mero “consumo” pelo cliente, nos moldes do art. 2.º do Código de Defesa do Consumidor, dos serviços desenvolvidos pelo advogado. Assim, a lide relativa à execução de honorários advocatícios decorrentes da atuação do profissional do direito em prol do executado, reclamante em ação trabalhista arquivada, não se insere dentro da hipótese do art. 114, inciso I, da Constituição Federal de 1988. TRT-PR-01700-2007-072-09-00-0-ACO-07022-2008 4.ª TURMA Relatora SUELI GIL EL-RAFIHI – Publicado no DJPR em 7/3/2008″.

Embora o debate sobre essa questão ainda não aponte para uma solução que se mostre consolidada, é de se crer que em breve ela chegará aos Tribunais Superiores e será dirimida (definida) para o cenário jurídico nacional. Entretanto, diante do receio de que interpretações desvirtuadas venham a prejudicar a evolução do Direito do Consumidor, é fundamental que se faça uma distinção basilar. Separe-se lides envolvendo pagamento por trabalho (prestação de serviço), de lides envolvendo responsabilização pessoal do profissional liberal ao teor do artigo 14, parágrafo 4.º do CDC. Pode-se até aceitar que a Justiça do Trabalho seja considerada competente para julgar causas relativas a honorários a serem recebidos pelo profissional liberal, mas não se pode ampliar essa competência para que um consumidor possa ingressar na referida justiça especializada com o objetivo de, por exemplo, pleitear indenização por um erro médico. Ainda mais que o hospital que responde objetivamente, pode estar envolvido e também ser acionado na qualidade de co-responsabilizado (inclusive solidário). Portanto, nesses casos, a melhor leitura que se pode fazer do inciso I, do artigo 114, da Constituição Federal, é que causas envolvendo a qualidade da prestação de serviço em si (e não o seu pagamento), não devem ser objeto de competência da Justiça do Trabalho, por versarem sobre aspectos muito específicos da relação de consumo. Essa é uma distinção capital. Assim, como o CDC (no parágrafo 2.º, do art. 2.º) trouxe explicitamente que nos serviços regidos por ele não se incluem aqueles decorrentes de relações de caráter trabalhista, também não se deve ampliar a competência da Justiça do Trabalho para além das questões que são previstas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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