Oscar Ivan Prux
No passado, na maioria dos casos o médico era muito mais do que um amigo – pessoa quase da família – que conhecia em profundidade o paciente com quem dialogava e dedicava atenção. De outra parte, o juramento de Hipócrates era quase sagrado para estes profissionais que prezavam posturas éticas destacadas dentre todas as profissões. O tempo passou, incrementou-se o fornecimento de massa dos serviços, os médicos em sua maioria passaram a ser mal pagos (e necessitando assumir vários empregos), sendo que o pouco conhecimento com o paciente passou a implicar em atendimento rápido e superficial, quando muito, basicamente amparado em exames.
E para complementar este contexto, o ambiente vivenciado pelos médicos, impregnou-se de determinadas mentalidades e posturas inadequadas, mais típicas da área empresarial, de concorrência acirrada, de marketing agressivo na captação da clientela e de envolvimento discutível de muitos desses profissionais com empresas portadoras de interesses na área da saúde, tais como a indústria farmacêutica, empresas que fabricam próteses e órteses, óticas, farmácias de manipulação, etc. E por mais absurdo que possa parecer, atualmente, tem sido frequente ver-se empresas anunciando consórcios ou parcelamentos dos honorários médicos relativos a tratamentos complexos como cirurgias (normalmente de caráter eletivo, basicamente estéticas). Chegou-se ao cúmulo de, em stands situados nos shoppings centers, haver oferta e negociação de tratamentos médicos dos mais variados. Como denunciou o Conselho Regional de Medicina do Paraná (publicação: Arquivos, vol. 25, n.º 98, págs. 61/63, 2008), há empresas que através de panfletos, outdoors, jornais e mídia eletrônica, ofertam inúmeros planos de financiamento para cirurgias plásticas. São anúncios do tipo: “Promoção: abdomem em 24 vezes de R$ 184,33”. E o que é pior, são planos fechados, planejados sem sequer ter havido o exame do paciente e que prometem “maravilhas” nem sempre exeqüíveis, sendo que para convencer os interessados há farto número de fotos e depoimentos fantasiosos de pessoas que supostamente estariam muito satisfeitas por terem se submetido ao tratamento. Há clínicas e profissionais que compram horários em canais de televisão para, simulando reportagens, fazerem merchandising (que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor proibe) dos tratamentos que prometem estes “milagres” para os pacientes. No mesmo sentido, há empresas que se intitulam de assessoramento nesta área, tal como a TWN Assessoria e Assistência em Saúde, que, nestes termos, foi objeto de questionamento pelo Procon de São Paulo junto a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica: “Os consumidores são abordados em shopping centers (sic) e após informarem seus dados um “consultor’ comparece em suas residências, faz a indicação da cirurgia a ser realizada e no mesmo momento apresenta proposta para os serviços da cirurgia plástica recomendados. Ressalte-se que a avaliação médica é feita somente após a adesão ao contrato para realização de cirurgia plástica. Não há indicação prévia por profissional médico e quando há impedimento médico os consumidores enfrentam dificuldades em reaver os valores pagos”.
Nestes casos se observa nitidamente que a ética foi abandonada (jogada no lixo) e emergiu um panorama típico de deplorável mercantilização da medicina. Leigos fazem indicações de cirurgias e logo em seguida a contratação, o que configura audácia inacreditável. Porém, observe-se, nada acontece sem que pelo menos um médico esteja envolvido em conduta perniciosa e reprovável. Em específico, atuando diretamente ou contribuindo em flagrante infração ao que prescreve o artigo 9.º, do Código de Ética Médica, que determina expressamente que a medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio. Igualmente, afrontando o contido no Parecer n.º 34/01, do Conselho Federal de Medicina que diz: “estão pass&,iacute;veis de procedimentos apuratórios os médicos que beneficiam-se de encaminhamento de pacientes por empresas que praticam financiamento e parcelamentos de honorários”. E, em especial, descumprindo a recente Resolução n.º 1.835/08, editada pelo Conselho Federal de Medicina, que estabelece ser vedado ao médico ter vínculo de qualquer natureza com empresa que anuncie e/ou comercialize plano de financiamento ou consórcio para procedimento médico, sendo que o exame, diagnóstico, indicação de tratamentos e execução de técnica são de responsabilidade única e intransferível do profissional médico, o qual deve estabelecer os honorários observando o contido no Código de Ética Médica.
A medicina existe para cura das enfermidades e para o bem-estar do paciente nas situações em que são aplicados procedimentos/tratamentos eletivos, principalmente estéticos. No exercício dessa nobre profissão estão envolvidos valores dos mais importantes (exemplo: a vida), a ponto de não ser admissível sequer um nível mínimo de tolerância. Naturalmente não se exima por completo o consumidor que procura estes tratamentos e em nome da vaidade se oferece para ser presa dócil para estes mercadores da saúde alheia. Ao paciente convém informar-se sobre o procedimento e sobre todos os detalhes da contratação, afastando-se de crediários ou consórcios e não dispensando uma segunda opinião de profissional reconhecidamente ético. Fazendo assim, por certo ele se livrará dos maus profissionais. Mas em nome da proteção dos consumidores desses serviços (e até da saúde pública), cabe aos órgãos de classe, despojando-se de qualquer coorporativismo, fiscalizar e punir rigorosamente os médicos envolvidos nessas condutas irregulares, inclusive, com a cassação de seu direito de exercer a medicina.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.