Oscar Ivan Prux

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Surgiu e ganhou força nas hostes do Governo Federal, uma idéia do Ministério das Comunicações, de fornecer um aparelho celular e créditos para uso por pessoas das classes mais pobres (“D” e “E”), que compõem a base da pirâmide social brasileira (ou seja, 36% da população). O programa é previsto para ser tacitamente acoplado aos mesmos critérios de renda utilizados para a Bolsa Família, que atualmente atende a 11 milhões de pessoas, mas com possibilidade de ser expandido para números muito maiores. Não é algo já aprovado, mas não têm faltado indícios de que, se não houver repercussão negativa e alguma pressão popular, esse programa acabará mesmo sendo implantado. A perspectiva é de que, por essa forma, inicialmente deverão ser entregues aproximadamente 11 milhões de aparelhos celulares, com as operadoras de telefonia assumindo o compromisso de fornecer mensalmente R$7,00 de créditos para uso de cada beneficiário. E existe previsão de que na utilização de seu aparelho, cada um desses usuários deverá gastar por conta própria, mais um valor aproximado a esse que será para ele disponibilizado pelas operadoras.

Não é intento deste artigo, debater os aspectos políticos dessa iniciativa, incluindo os interesses partidários e as circunstâncias ligadas à eleição presidencial que se realizará em 2.010. De forma completamente independente desse viés político, o objetivo se centra em analisar a questão sob a ótica do Direito do Consumidor. Ver quais os aspectos substanciais envolvidos nesse programa e a repercussão que causará em milhões de relações de consumo. Explicando: mesmo que o Governo doe os aparelhos pagando-os com recursos públicos e as operadoras concedam créditos teoricamente gratuitos, o que aparentemente excluiria a possibilidade de classificar essas relações como de consumo, na realidade, tais circunstâncias não impedirão que muitos consumidores sejam afetados. O fato é que no mercado de consumo, ao qual se dedicam as operadoras de telefonia, nada é de graça. Ou seja, como popularmente se diz, não existe “almoço grátis”. Quando uma empresa fornece algum produto ou serviço dizendo ser gratuito, certo é que pratica a técnica econômica denominada de internalização, incluindo esse dispêndio no preço de seus demais fornecimentos a consumidores. Ou seja, se as operadoras de telefonia concederem “gratuitamente”, um valor de R$ 7,00 em créditos, se pode ter a certeza de que esse gasto será incluído nas tarifas dos demais consumidores que mantiverem contratos com a operadora.

Objetivamente, então, esse teórico benefício às pessoas incluídas no programa será pago pelos demais consumidores que utilizarem os serviços de telefonia da operadora, o que não é justo. Outro detalhe: ao definir tacitamente o que é fundamental para uma pessoa viver atendendo suas necessidades básicas vitais, o artigo 7.º, inc. IV, da Constituição Federal arrolou os itens moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Portanto, além do telefone celular não ser artigo de primeira necessidade, deve-se levar em conta que se estará fornecendo muitos desses aparelhos para pessoas que já o têm. E mais, aqueles que receberem o benefício dessa absurda Bolsa Celular, certamente não resistirão a gastar mais do que lhes será concedido teoricamente de forma “gratuita”, comprometendo recursos fundamentais para atender outras necessidades mais importantes. Haverá um incentivo para um mau hábito de consumo dentre as pessoas das classes mais pobres da população, que muitas vezes, incentivadas pelo marketing agressivo das operadoras de telefonia, deixam de comprar bens vitais e indispensáveis para adquirir um telefone celular supérfluo. Fator para o qual colaborará em muito a notória falta de educação e conscientização para o consumo desse serviço por aqueles que ainda julgam ser o celular, uma forma de ostentar status superior. Até sob o ponto de vista de consumo sustentável, o celular é reprovado pela poluição que é capaz de causar quando é descartado, e isso acontece em tempo muito exíguo, pois os modelos mudam todos os dias.

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Concluindo: tem-se a certeza, portanto, que independente do que possa representar na discussão política e mesmo se isto está sendo maliciosamente arquitetado para alavancar ganhos das operadoras de telefonia, sob os aspectos de Direito do Consumidor, não há dúvida que essa fatídica idéia de conceder uma Bolsa Celular, realmente é péssima por atingir gravosamente os interesses de tantos consumidores. Em especial, ela é economicamente injusta, pois a conta dessa pretensa benesse será transferida para ser paga pelos demais consumidores que tenham contratos com as operadoras. Não se justifica esse incentivo a atividade empresarial das operadoras às custas do aumento no preço das tarifas dos demais usuários. E acrescente-se, dar aparelho celular (que normalmente não funciona em localidades distantes das cidades) não é política social, principalmente quando o Governo se omite de exigir o cumprimento dos contratos de concessão, nos quais as operadoras de telefonia (fixa) assumiram o compromisso de instalar um telefone público (esse sim, útil para os pobres), a cada 300 metros nas cidades de maior porte, mas até hoje não cumpriram. Enfim, que se arquive essa idéia nefasta. Nessa questão, apolítica que o Governo deve buscar fazer com maior afinco, é a de proteção dos interesses dos consumidores, conforme previsto nos artigos 5.º e 170.º da Constituição Federal e no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, nunca ao contrário.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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