Oscar Ivan Prux
Quando se trata de contratos de consumo, desde o final do Século XX, doutrinadores mencionam intensamente que as partes devem ser e atuar como parceiros contratuais. Isso significa a prática da boa-fé objetiva buscando propiciar, reciprocamente, que cada um dos contratantes possa retirar do contrato o que ele tem de melhor, no sentido de satisfazer suas legítimas expectativas. Assim deveria ser com os contratos bancários, indiscutivelmente uma relação de consumo (apesar da intensa luta das instituições bancárias na tentativa de se eximirem de cumprir o Código de Proteção e Defesa do Consumidor).
Entretanto, esse ideal previsto inclusive pela legislação, na verdade não tem acontecido na prática. Embora se trate de setor sujeito a regulação, percebe-se que o responsável por ela (Banco Central do Brasil), quando se trata de contratos de consumo, mantém atuação que não propicia os resultados concretos desejáveis e esperados para os usuários desses serviços.
No Brasil, é inquestionável a enorme influência dos fiscalizados junto ao fiscalizador, tendo como característica marcante, a proteção aos interesses corporativistas das instituições financeiras. E isso é fácil de comprovar; bastando observar a facilidade com que os bancos criam tarifas que batizam com os nomes que lhes agradam, e mesmo quando se revelam das mais espúrias, não há manifestação que, de imediato, efetive qualquer controle ou recriminação pelo Banco Central do Brasil. Note-se que por sua influência na dinâmica social vale lembrar a crise recente que começou pelo sistema bancário dos Estados Unidos não há dúvida de que se trata de setor que merece um controle e uma fiscalização mais detalhada e rigorosa. Em especial no caso brasileiro, por ser oligopolizado, o setor bancário caracteriza-se pela existência de poucos fornecedores para milhões de consumidores, fator que enseja aos primeiros, um poder tácito que lamentavelmente utilizam para impor suas práticas àqueles que fazem contratos de consumo com eles.
Veja-se o caso das tarifas que se constituem em flagrantes atentados contra os direitos dos consumidores. Comecemos pelo fato de que os bancos as arbitram ao seu bel prazer, sem seguir nenhum parâmetro que não seja o seu próprio interesse de lucro. E, para efeito de análise, mencione-se entre esse abusos e práticas ilícitas, aquelas (tarifas) que são cobradas quando os clientes fazem saque de dinheiro de suas contas. Aliás, além dos bancos cobrarem tarifas para quaisquer desses saques, o valor delas é em dobro se o cliente deixa de utilizar o caixa eletrônico e opta por se dirigir a um atendente que é funcionário (caixa) do banco. Ora, se a tarifa já é ilegal por si só, que dirá quando cobrada em valor maior como forma de impor uma prática bancária que não foi objeto de consulta e aceitação pelo consumidor no momento da contratação. Veja-se que o contrato de depósito tem regras tradicionais que vigoram, tanto no Direito Civil, como no Direito do Consumidor. Façamos um diálogo das fontes entre a legislação desses dessas duas searas legais. Contrato de depósito é aquele pelo qual o depositário (no caso o banco) recebe um objeto móvel (dinheiro) para guardar até que o depositante (cliente) o reclame (art. 627, do Código Civil).
Nesse contexto, é absurdo o banco cobrar tarifa para entregar aquilo que é propriedade do correntista, inclusive arbitrando o valor e a forma. Salvo havendo direito de retenção que precisa estar bem amparado juridicamente, devolver o bem recebido em depósito é obrigação que não pode ser negada e nem cobrada especificamente. Desnaturaria o contrato de depósito se a devolução não fosse implícita ao instituto. É bem verdade que o depositário (banco) pode ser remunerado pelo depósito (art. 628, do Código Civil). Todavia, esse pagamento diz respeito ao depósito como um todo e não pela devolução, que é obrigatória, sob pena de caracterização de depósito infiel.
E mais, no contrato de conta (corrente ou poupança) pelo qual se opera o depósito, não existe nenhuma cláusula estipulando essa tarifa para saque (independente do valor e da forma), sendo que o consumidor não é obrigado a cumprir cláusula surpresa que, quando da contratação, não teve conhecimento prévio e exato de seu conteúdo (art. 46, da Lei n.º 8.078/90). Nem mesmo as sucessivas decisões contrárias exaradas pelos Tribunais e as iniciativas junto a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), no sentido de que os bancos apliquem o Código de Proteção e Defesa do Consumidor e deixem de ser litigantes habituais, tem se mostrado eficientes. É lamentável que em nome da ganância pelo lucro, essas empresas esqueçam sua função social e optem por descumprir a legislação e prejudicar seus clientes. Mais lamentável ainda, é ver que o Banco Central do Brasil não exerce integralmente suas atribuições e isso tem consequências funestas como o aumento de ações judiciais, pois apenas Justiça – já tão assoberbada de processos – tem conseguido colocar cobro nos abusos nessa área.
Erram as autoridades do Poder Executivo quando tentam tutelar a regulação (ela tem de ser feita com independência), mas realmente, impõe-se que sejam exigidos melhores resultados da atividade das agências e demais órgãos reguladores (quiçá com responsabilização pessoal de diretores, quando for o caso). E nesse contexto, deve se incluir o Banco Central do Brasil para que, nos contratos bancários, possa haver real proteção dos direitos dos consumidores.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.