As viagens aéreas de longa distância e a proteção do consumidor

Como é tradicional mundialmente, a época de férias sempre é período de passeios que impõem deslocamentos para se divertir ou meramente descansar. O local e a distância dependem do gosto e da condição financeira de cada um. O certo é que não são poucas as pessoas que optam por passear ou fazer turismo no exterior, na busca de lazer diferenciado, em outra cultura e com a tranqüilidade proporcionada por ambiente diferente. Todavia, as dificuldades não se restringem ao martírio proporcionado pelo caos que persiste no transporte aéreo nacional, com aeroportos lotados e vôos atrasados ou cancelados. Existe todo um contexto mais amplo de dificuldades para os consumidores de transporte aéreo, e às vezes até de risco mais grave. E é neste ponto que queremos focar nossa abordagem neste artigo.

Nos vôos cuja duração possa superar duas horas, é inevitável a respectiva demora da viagem e um certo cansaço para o passageiro. Entretanto, estas dificuldades inafastáveis devem estar restritas a certos parâmetros que a qualidade do serviço prestado pela companhia aérea precisa restringir ao mínimo, sob pena de infração aos direitos dos usuários. Explico: de tempos em tempos, as companhias aéreas que se dedicam ao transporte de passageiros passam por crises individualizadas ou que atingem todo setor. Quer no segmento nacional, quer na realidade internacional, a história tem se repetido. Com base nesta conjuntura estas empresas procuram formas de cortar custos, para se manterem viáveis e competitivas no mercado, além de conseguirem praticar preços razoáveis para proporcionar a popularização deste tipo de transporte. Por conta disto, já ficou no passado o glamour de viajar de avião, bem como as mordomias que eram proporcionadas para uma elite saudosa de regalias e privilégios. Hoje vemos companhias eliminando ou cobrando a refeição ou lanches que eram servidos a bordo graciosamente (acompanhados de bebidas), outras não deixando sequer passar um quilo a mais na bagagem, tudo além de haver cobrança de multa por desistências e outros favorecimentos que anteriormente eram tolerados para agradar aos consumidores. Entretanto, a questão está em observar limites para estas medidas operacionais das companhias, realidade que está chegando a extremos perigosos. O corte de custos quando acompanhado da redução dos preços sem comprometimento da qualidade essencial do serviço, sempre deve ser considerado bem-vindo em nome de um maior acesso ao consumo, direito inalienável dos consumidores como coletividade, mas o princípio da eficiência deve obedecer a limites. Por exemplo: a decisão adotada por muitas destas empresas de reduzir substancialmente o espaço entre os assentos como forma de transportar maior número de passageiros no mesmo vôo, é de todo reprovável e fere preceitos da legislação consumerista. Para viagens curtas (num limite máximo de duas horas) o desconforto pode até ser suportável para alguém em condição física normal, assim como às dificuldades com falta de espaço para objetos de mão pode ser contornável. Todavia, em viagens mais longas a questão supera o desconforto e pode chegar a prejudicar a saúde do consumidor. Pesquisas médicas comprovam que nas viagens longas em que o passageiro preso a um espaço reduzido é obrigado a manter-se por horas na mesma posição, aumentam os riscos de problemas com a circulação sanguínea e incidência de infarto. Não se trata apenas de uma questão de conforto, mas de um serviço cuja falta no padrão de qualidade pode trazer sérias implicações para a saúde dos passageiros.

Diz o art. 8.º, da Lei 8078/90, que os fornecedores não podem colocar no mercado serviços que coloquem em risco a saúde do consumidor e é exatamente isto que ocorre nestes casos. Não se pode esquecer que na venda de passagens (ou no embarque) ninguém é submetido a exame médico e nem se observa restrição para viagens por parte de pessoas idosas ou portadoras de alguma limitação física. Também não se pode ignorar que, em especial nas viagens internacionais, é comum o consumidor estar submetido às conseqüências das possíveis mudanças de clima, latitude ou altitude, além do chamado jet leg (decorrente da diferença de fuso horário), efeitos que podem debilitar em parte a saúde do passageiro. Cientes desta realidade, algumas empresas tentaram adotar iniciativas inovadoras como organizar um programa de exercícios que os consumidores poderiam realizar durante os vôos como forma de minimizar estes riscos. Entretanto, com a redução do espaço isto ficou impossível, mesmo para alguém com dons de contorcionista. Assim, para vôos com duração superior a duas horas, não se pode aceitar aeronaves com espaço tão reduzido entre os assentos, tal como tem sido praticado pela maioria das companhias aéreas. É dever inafastável das empresas fornecedoras que mesmo para os lugares mais simples e baratos, a qualidade do serviço fornecido não seja desconforme e coloque em risco a saúde do consumidor.

Precisamos de normas que especifiquem o limite mínimo de espaço entre os acentos destinados, tanto para os passageiros fisicamente normais, quanto para os que portam condições especiais. Depois a tarefa será de fiscalizar; e por tratar-se de uma questão de interesse coletivo, o Ministério Público e as associações de proteção dos interesses dos consumidores possuem legitimidade para impetrar as ações pertinentes, no sentido de obter que este standard mínimo de qualidade do serviço salvaguarde a proteção da saúde dos consumidores. Conforme o art. 4.º, do CDC, a viabilidade econômica e a qualidade do serviço devem ser compatibilizadas nos fornecimentos prestados no mercado como única forma de haver equilíbrio e harmonia neste tipo de relação de consumo.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.