As gorjetas em restaurantes e outros estabelecimentos prestadores de serviços

Oscar Ivan Prux

Por uma questão cultural, muitos trabalhadores de determinados países desenvolvidos evitam receber gorjetas. Para eles, a gorjeta se assemelha a esmola e fere a dignidade do ser humano que deve sempre trabalhar correta e zelosamente e auferir remuneração justa. Já em nosso continente, a gorjeta sempre esteve colocada como uma espécie de tradição a demonstrar status superior para quem a dá, bem como, por essa característica cultural, passou a ser item esperado por prestadores de serviços como garçons, atendentes de hotéis, manobristas, guias turísticos, etc. Há casos, inclusive, em que é gerada má vontade e até atritos quando o consumidor deixa de dar gorjeta para prestador de serviços que julga ser essa uma obrigação. Chega-se a ter casos em certos países da América do Sul, nos quais é comum o prestador de serviço chegar a dizer para o turista de seu conhecimento do fato de que no país de origem do visitante, é uma espécie de ofensa dar gorjeta, mas que aqui na América do Sul ele (prestador de serviço) quer mesmo é ser ofendido à vontade com esse tipo de donativo (ou seja, a vista de não receber de seu empregador a remuneração condigna, não se sente atingido em sua dignidade ao receber gorjetas).

Por conta disso, existem muitos empregadores que sequer se dispõem a assalariar o empregado, deixando-lhes como remuneração, apenas as gorjetas doadas pelos clientes. E o fazem sem pudor, pois além do costume social nesse sentido, existem sindicatos que os aconselham e garantem ser legal a imposição de cobrança de gorjeta, sempre com base em disposição prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na Portaria 04/94 da extinta Sunab e, eventualmente, em Convenções, Acordos ou Dissídios Coletivos de Trabalho celebrados por entidades patronais e de empregados.

Pois bem, o argumento dessas entidades sindicais que representam principalmente bares, restaurantes e similares, não possui fundamento jurídico válido. Nada há de errado em alguém sentir-se bem atendido e optar por fazer uma doação como prêmio pelo bom atendimento que o prestador direto do serviço lhe presta. Entretanto, é preciso deixar bem claro que a gorjeta é facultativa para o cliente e não pode ser compulsoriamente imposta a ele. O fornecedor não pode transferir para o consumidor, o dever legal de remunerar seus empregados ou prestadores de serviços. Adimplir esse encargo não é responsabilidade do consumidor, mas tão-somente pagar pelo produto ou serviço fornecido. Observe-se que a CLT (art. 457, caput e parágrafo 3º) significativamente classifica a gorjeta como “importância espontaneamente dada pelo cliente”.

Igualmente, em caso de taxa de serviço cobrada pela empresa, para o consumidor ela perde essa característica e passa a ser parte do preço. Por outro lado, a Sunab, em época alguma, deteve poder para regular a imposição de pagamento de gorjeta ou taxa de serviço, pois o alegado direito à intervenção no domínio econômico que esta possuía sempre se restringiu a questões como dominação de mercados, eliminação da concorrência e aumento arbitrário de lucros, circunstâncias que não se relacionam com a cobrança de gorjetas. Então sobre essa matéria ela nunca teve poderes para legislar. E, por derradeiro, as convenções coletivas ou acordos entre categorias profissionais relacionadas com as atividades de fornecimento de produtos ou serviços, não são aptas a impor o pagamento de gorjetas, pois jamais podem vincular aos consumidores que delas não participam.

Nesse contexto, é fundamental que os empregadores assumam plena e integralmente seu encargo de remunerar aqueles que lhes prestam serviços/trabalhos. Se julgam que os preços que praticam são baixos ou módicos demais, que acrescentem um valor a maior nos mesmos e enfrentem o risco e a concorrência, pois isso é da essência de ser empresário.

A mera tentativa de imposição ao consumidor de que pague gorjeta, a par de ser uma ilegalidade, ainda gera desconforto entre os envolvidos, principalmente quando nos preços expostos no estabelecimento, não existe informação clara de seu valor final com esse acréscimo indevido.

Assim, evite-se a ilegalidade e mude-se essa cultura, que constrange consumidores e empregados. Tal como deve vir na “voz” da jurisprudência dos Tribunais, gorjeta jamais pode configurar-se em quantia obrigatória a ser assumida pelo consumidor, pois se trata de mera liberalidade que ele tem a opção de querer ou não doar.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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