Quando da aprovação da Lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), já se sabia quanta polêmica iria causar o conteúdo do parágrafo 2.º, artigo 3.o, que diz: ?Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de relações de caráter trabalhista?. Sempre houve o interesse dos bancos e das instituições financeiras em arbitrar quanto querem ganhar, sendo que a inexistência de legislação específica colaborava para colocar os contratos bancários com consumidores em uma espécie de enredo ?embaçado? (não é lacuna do Direito, pois lei existe) muito satisfatório para os interesses de ganho destas empresas. Paralelamente, fatores ligados à instável macro-economia sempre induziram para que alguns insistissem em dizer que deveria caber ao Banco Central definir tudo nesta área, incluindo a questão dos juros (logo ele, verdadeira central de defesa da elevada rentabilidade para o sistema bancário!). Incluindo setores muito influentes, o lobby em favor dos bancos sempre foi tão forte que aconteceu até a supressão, por Emenda Constitucional, do dispositivo que limitava os juros ao máximo de 12% ao ano (art. 192, da Constituição Federal), norma nunca regulamentada e pouco utilizada pelo Judiciário. Entretanto, desde o julgamento pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.591, movida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF), que questionava a constitucionalidade do teor do referido parágrafo 2.º, do artigo 3o, pensou-se que a questão já estaria pacificada no Direito brasileiro, com os agentes econômicos aceitando a decisão exarada no Supremo Tribunal Federal que consolidou o CDC como a norma estabelecida para reger a referida área, restando a jurisprudência aplicá-la. Para nossa surpresa, não é o que está acontecendo, como se observa pelo Projeto de Lei n.º 143/2006 apresentado pelo Senador Valdir Raupp para que o CDC deixe de ser o instrumento jurídico estabelecido para regular os contratos dos bancos e instituições financeiras, no que refere ao custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas de intermediação de dinheiro. Ou seja, na prática, o objetivo do projeto é que o CDC deixe de regulamentar a cobrança de taxas, tarifas e juros dos correntistas (o banco não contrata sem que a pessoa tenha conta corrente), prevendo, ainda, que tais circunstâncias devem ser reguladas por nova legislação a ser elaborada e aprovada. Vale lembrar que o referido projeto repete à estratégia acontecida quanto à previsão de regulamentação do tabelamento dos juros pelo art. 192, da Constituição Federal que ficou anos sem acontecer, favorecendo as instituições bancárias e financeiras que cobravam os juros que queriam dos consumidores, tudo referendado pela jurisprudência dominante à época.

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Note-se que é lícito que qualquer segmento ou setor da economia faça esforço para defender seus interesses econômico-financeiros, em especifico no sentido de mudar a lei, e isto mesmo que os fins possam ser de envergonhar os defensores das referidas idéias e intenções (empregando meios lícitos, até os bingos têm o direito de fazê-lo!). Na seara do Direito do Consumidor, mesmo havendo a ordem pública e interesse social envolvidos, tal não é diferente. Faz parte do contexto que a sociedade necessita aceitar como componente do ônus natural por adotar o respeito ao Estado de Direito, no qual o império da lei é sumamente importante para propiciar a boa organização estatal e o bem-estar social. Todavia, isto não significa que a sociedade deva aceitar passivamente as proposições deste ou daquele grupo, por mais poderoso que seja política ou financeiramente. Deve sempre existir uma elevada e permanente atenção e uma exaustiva participação pró-ativa da população, naturalmente através da ação de seus líderes e sob as forma legítimas estabelecidas na legislação, para que as leis aprovadas venham sempre em favor da maioria do povo brasileiro. Funciona desta forma em qualquer país evoluído que adota a democracia como forma de assegurar o melhor para a coletividade.

Com base em todos os fatos relatados e nas premissas antes formuladas urge que, com urgência, se mobilizem as entidades de proteção e defesa dos interesses dos consumidores, no sentido de evitar que as estruturas sociais sofram retrocessos inconcebíveis como este de estabelecer que o CDC deixe de ser a legislação aplicável para estas relações de consumo, em especial no que tange a juros, tarifas, taxas e outros encargos de intermediação do crédito. É importante que a manifestação popular massiva, por e-mail ou qualquer outro meio de comunicação, faça chegar ao Senado o desejo de que este Projeto de Lei (n.º 145/2006) deixe de existir ou, seja definitivamente rejeitado (não-aprovado). Por enquanto, o autor dele apenas refere que teria pedido a retirada de pauta, o que é algo que deve deixar todos em alerta, já que exemplos não faltam de situações em que a distração com o noticiário relativo a visita de autoridades (como o papa) ou discussões envolvendo algum dos inúmeros escândalos que pululam no Congresso Nacional, têm servido de cobertura para a aprovação de medidas que favorecem determinados grupos mesmo quando muito impopulares.

Portanto, é hora da sociedade brasileira se manifestar, pois será novamente extremamente injusto e insuportável um cenário em que os bancos e instituições financeiras possam ficar isentos de ter de cumprir a Lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), em detrimento dos interesses da maioria da sociedade brasileira.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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