As decisões contra os consumidores

Não são poucos os juristas a afirmar que os consumidores passaram séculos tendo seus direitos sendo desconsiderados, mas desde a última década começaram a receber protecionismos, por vezes despropositados. Há até uma certa irresignação entre os fornecedores que alegam dificuldades para exercer sua atividade devido às incertezas proporcionadas pelas decisões judiciais protecionistas nas lides envolvendo relações de consumo. Pontuando este contexto, o desembargador Cândido Rangel Dinamarco, ao falar em evento sobre planos de saúde realizado em Londrina-PR, reconheceu que quando a questão judicial envolve tema como saúde (elemento fundamental para a vida humana), realmente existe uma torrente de decisões alterando em muito o conteúdo dos contratos para conceder aos usuários, enorme quantidade de direitos não previstos nos instrumentos contratuais, tudo independente do tipo de plano que contrataram e da mensalidade que estejam pagando.

Reconhecendo o fato de haver decisões protecionistas, o ilustre magistrado referiu-se a imagem do ?pêndulo da história? para exemplificar essa situação e afirmou que o tempo se encarregará de fazer com que seja encontrado o verdadeiro equilíbrio ao julgar estas questões, de modo a que possa ser mantida à viabilidade do setor e a proteção dos legítimos interesses dos consumidores. Em meio a esta polêmica, há quem se mantenha intransigente na defesa dos pleitos dos consumidores e os que, indignados com esta situação, até comemorem quando sabem da improcedência de alguma lide movida por consumidor, fato que já não é uma raridade. É o caso das decisões que mantiveram o dever de pagamento da assinatura básica em contratos de telefonia fixa, nasdecisões no sentido de que a necessidade de recall não gera choque emocional passível de reparação por danos morais, na decisão que negou procedência ao pedido de indenização movido por consumidora que encontrou um travesti no vestiário feminino da loja e também do feito em que o consumidor até foi condenado a pagar R$ 660,00 de reparação ao fornecedor por litigância de má-fé, tendo em vista que pleiteou indenização por conta de que ao comprar um celular de R$ 199, nem mesmo sabia de um brinde (nécessaire) que era concedido, mas assim que soube negava-se a recebê-lo (juntamente com outro que a empresa por liberalidade lhe ofertava), como forma de tentar buscar judicialmente uma indenização por dano moral no valor de R$ 1000,00.

Radicalismos à parte, o importante é analisar esse contexto com base em elementos da ciência jurídica pertinentes a matéria.

Sob o ponto de vista fático: fornecedores que atuam com correção e consumidores bem intencionados, sempre estão do mesmo lado na busca de melhores relações na conjuntura vigorante no mercado. Quando um consumidor é lesado não deve ficar sem reparação, pois como disse Pizarro, não-indenizar ou indenizar pela metade, significa condenar a vítima a carregar pelo resto da vida, o todo ou parte do dano perpetrado, quando não, com seqüelas físicas e psicológicas. O oposto também deve ser reconhecido, uma vez que a benesse caracterizada pela decisão judicial que concede ao consumidor um direito que ele não merece, pelo processo econômico da internalização, vai acabar sendo paga pelos demais consumidores (ou seja, vem em detrimento de consumidores que nem sabem porque estão pagando mais pelo produto ou serviço que adquirem).

É importante situar que as indenizações impostas pela via judicial, implicam em aumentos nos preços praticados pelas empresas, fator que vai além de onerar os adquirentes dos produtos ou serviços, chegando até a inviabilizar que consumidores de menor poder aquisitivo tenham acesso ao consumo dos bens que necessitam. O caso do mercado de planos de saúde é exemplar para demonstrar este fato. Desde que no início deste século, uma torrente de decisões judiciais passou a desconsiderar cláusulas contratuais e conceder aos usuários direitos amplos desconformes com o contratado, em especial a contraprestação paga pelo contratante, os preços das mensalidades dos planos de saúde aumentaram 26% acima da inflação, forma de conseguir suportar o custo das decisões judiciais. Este fato fez com que muitos consumidores não tivessem condições financeiras para contratar um plano de saúde e outros que mantinham contrato inadimpliram tendo seu contrato rescindido após 60 dias (deixaram de existir cerca de 5 milhões de contratos na última década). Estes, então, perderam acesso ao consumo e uma vez sem contrato, perderam também a legitimidade ativa para pleitear em Juízo.

Objetivamente: a benesse específica para um, se transforma em um pesadelo (injustiça) para os demais consumidores que necessitam do produto ou serviço e, devido ao aumento dos preços, perdem acesso a ele. Não há como ignorar que cada relação de consumo espraia conseqüências no mercado (princípio da dimensão coletiva). Daí a importância da preservação do sinalágma e do equilíbrio de direitos e deveres entre as partes, incluindo o que toca a equação econômica do contrato.

Mirando neste desiderato (mens legis), foi que o Código de Defesa do Consumidor, acentuou como fundamental a necessidade do equilíbrio e da harmonia nas relações de consumo, pois a ninguém interessa a inviabilização de qualquer setor útil à sociedade.

Portanto, quando alguma decisão judicial repercute por ter sido contra pleito formulado por consumidor, desde que tenha sido aplicada a verdadeira justiça ao caso concreto, o conjunto maior formado por estes vulneráveis agentes de mercado (os consumidores), indiretamente, acabou beneficiado. O problema maior está em que, mais do que conhecimento jurídico, está faltando é coragem de assumir esta realidade na hora de formular doutrina ou proferir a decisão judicial.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.