Apesar da clássica (e superada) concepção de que o contrato faz lei entre as partes, é preciso exorcizar a idéia de que o contrato de adesão e as condições gerais de contratação sejam intrinsecamente ruins. É verdade que nas relações de fornecimento de massa, os contratos de adesão, têm sido o terreno fértil onde costumam vicejar cláusulas abusivas estabelecidas por empresas inescrupulosas, em detrimento de consumidores vulneráveis ou hipossuficientes. Entretanto, importante reconhecer que esses contratos também denominados de standard, contribuem decisivamente para bem incrementar as contratações à distância (realidade pós-moderna inevitável) e para proporcionar agilidade nos negócios, facilitando as técnicas de fornecimento em grande escala, principalmente quando a simplificação, a presteza e a rapidez são indispensáveis, em razão do grande número de usuários a serem atendidos (fator que impossibilita milhares de negociações paritárias). Outro detalhe: o fato de apenas um contratante redigir o contrato, embora tal represente notória interferência na manifestação da vontade das partes, por si só isto não representa certeza de que o contrato seja desequilibrado em desfavor do aderente. Basta que o predisponente mantenha-se dentro dos limites da licitude e redija o contrato para os dois, ou seja, como verdadeiro parceiro contratual que respeita e protege a confiança do aderente, independente de que este último aceite tal circunstância ou simplesmente conforme-se por estar sendo tacitamente coagido a aderir à contratação. Por conta disso, a Lei 8078/90 (CDC) trouxe, por exemplo, a determinação de que as cláusulas contratuais que impliquem em limitação de direito do consumidor devem ser redigidas com destaque, permitindo imediata e fácil compreensão (art. 54, § 4.º). Igualmente a doutrina, repetidamente mostrou preocupação com o conteúdo impositivo e a sobreposição do contratante mais forte (predisponente) sobre o outro mais fragilizado (aderente), o que é implicitamente percebível até na clássica conceituação de Orlando Gomes que afirmou ser o contrato de adesão ?o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas?.

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Neste contexto, constata-se que as principais características do contrato de adesão residem na pré-disposição: a) rígida, em abstrato, por apenas uma das partes; b) feita em tese, para grande número de fornecimentos ou de aderentes (para uma coletividade); c) para adesão em bloco e com uniformidade; d) com ausência de negociação, ou seja, sem efetiva discussão do conteúdo das disposições que compõem a contratação.

Deste modo, sobressai a possibilidade do predisponente, aproveitando-se de sua condição de amplo domínio da contratação, buscar impor sua vontade em detrimento de direitos legítimos do outro contratante, em especial quando o fornecimento acontecer em regime de monopólio ou oligopólio, ou mesmo tratar-se de contrato cativo de longa duração ou de fornecimento de produto ou serviço essencial. Neste caso, valioso é perceber que a forma da manifestação da vontade comporta importante distinção entre consentimento e assentimento. Assentimento é a expressão da submissão daquele que, sem alternativa viável, acaba sendo compelido a aceitar e aderir ao contrato. De outro modo, o consentimento é muito mais ?rico?, sendo válido por originar-se de vontade livre e bem informada, totalmente isenta de condicionamentos espúrios. Voltando à atenção em específico para a análise das condições gerais de contratação, observe-se o quanto é fundamental contar com a contribuição dos recursos de interpretação, como forma de redirecionar positivamente o contrato. Neste sentido, aproveitando as contribuições de Renata Mandelbaum, importante atentar para as seguintes regras de interpretação destinadas aos contratos de adesão caracterizados como relações de consumo. São elas: a) em caso de contradição entre cláusulas pré-estabelecidas e cláusulas individuais não pré-redigidas, aplicam-se preferencialmente estas quando o aderente for um consumidor; b) em caso de contradição ou divergência entre condições gerais de contratação predisposta e não-predisposta, deverá prevalecer a que for mais benéfica ao consumidor aderente; c) em havendo contradição entre condições gerais de contratação, aplica-se a que for mais próxima ao escopo do contrato, conforme a natureza deste; d) quando a cláusula for obscura, de conteúdo indeterminado, de redação duvidosa, a interpretação se opera contra o predisponente; e) e, por derradeiro, mesmo sem olvidar a observação de autores consagrados como João Batista Lopes, segundo a qual quando a clareza é solar deve cessar a interpretação, importante referir o previsto no art. 47, do CDC, que diz: ?as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor?. O certo é que aquele que redige o contrato pelo outro contratante, pressupõe-se que, naturalmente, agasalhou seus interesses e não precisa de maior proteção nesse sentido. A par desta conjuntura e contribuindo positivamente com ela, temos que o predisponente pode contemplar seus interesses, mas possui o dever de escrever certo, ou seja, de forma adequada que também proteja a confiança do outro contratante e propicie que a contratação respeite e reflita objetivamente o equilíbrio e justiça contratual, requisitos indispensáveis para a validade do contrato. Assim, quando constatada a existência de cláusula contratual abusiva, cabe valer-se dos seguintes instrumentos legais previstos no CDC: a) a modificação da cláusula contratual (art. 6.º, inc. V); b) a declaração de nulidade (art. 51).

Portanto, o contrato de adesão não representa uma anomalia jurídica legitimada ou tolerada pelo direito, mas uma forma de contratação imposta inevitavelmente pela realidade dos tempos pós-modernos. O importante é que este tipo de contrato seja colocado a serviço da sociedade através de condutas éticas nas práticas e na consecução das contratações, fórmula essencial para que o contrato de consumo possa realmente cumprir sua função social.

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Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.