Oscar Ivan Prux
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) se refere várias vezes àqueles que, direta ou indiretamente, podem ser considerados terceiros. Como exemplos de referências diretas temos: a) no artigo 12, parágrafo 3.º, inciso III, a prescrição de que o fornecedor não será responsabilizado quando a culpa for exclusiva do consumidor ou de terceiro; b) no artigo 20, parágrafo 1.º, a menção de que quando o serviço tenha sido mal feito poderá ser re-executado por terceiro (por conta e risco do fornecedor primitivo); c) no artigo 40, parágrafo 3.º, a isenção do consumidor de ter de arcar com quaisquer ônus ou acréscimos decorrentes da contratação de serviços de terceiros, quando tal não esteja previsto no orçamento prévio. Já no que refere as menções que se pode dizer sejam indiretas temos: a) a proteção das vítimas de qualquer acidente de consumo; b) as pessoas que estejam expostas às práticas comerciais que caracteristicamente integram a relação de consumo em seu sentido amplo.
Com referência a essas últimas, para os leigos pode parecer estranho alguém que não adquiriu e nem utiliza o produto ou serviço como destinatário final, poder se valer do CDC para buscar seus direitos na Justiça. Pois isso é possível, exatamente por previsão do próprio Código. Uma pessoa (determinável ou não) que simplesmente está exposta a prática comercial relacionada a consumo e vedada pelo CDC, desde que não se identifique como fornecedor, pode adquirir a condição de consumidor equiparado e assim, se valer dessa norma para defender seus direitos. Situação assemelhada ocorre com relação aquele que se torna vítima (bystander) do evento, em razão de um acidente de consumo. Certo é que os produtos e serviços não deveriam conter quaisquer vícios ou defeitos, mas na realidade brasileira e até mundial, ainda estamos muito longe desse ideal. Perfeição em todos os casos tem sido ideal difícilmente factível, e não raro observam-se situações que atingem danosamente a pessoas que nem sequer são partícipes diretos do negócio jurídico caracterizado como relação de consumo (não compraram e não venderam nada). Por isso, assim prescreveu o texto legal: “Art. 17 Para os fins desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. E “desta Seção” significa o contexto das situações regradas pelo CDC nos artigos 12 a 14 que tratam da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, no caso, quando é atingida a incolumidade física ou psíquica do consumidor.
Desta forma, havendo relação de consumo mal-sucedida, que venha a atingir aquele que nada praticou na condição de consumidor nato (adquirente ou utente para destino final) mas acabou sofrendo um dano em razão do produto ou serviço, este possui absoluta condição de buscar seus direitos e litigar com base no CDC, por lhe ser concedida a condição de consumidor equiparado. A guisa de esclarecimento, cite-se três exemplos: a) o caso do empregado que, ao carregar para entrega, se intoxicou com o produto comprado pelo consumidor; b) ou o caso do garçom que sofreu grande dano ao ter sua vista atingida por estouro de garrafa que servia para o cliente (consumidor) no estabelecimento comercial em que trabalhava; c) ou ainda, o caso da instalação de ar condicionado em apartamento situado no quarto andar de um edifício, sendo que do referido aparelho se desprendeu peça mal colocada (mal instalada) e que veio a atingir um transeunte, provocando-lhe ferimentos.
Essas pessoas, então, mesmo não sendo destinatárias finais do serviço (adquirentes ou utentes), tendo sua esfera jurídica afetada pelo acidente de consumo, assumem a condição de consumidor equiparado e podem se valer da proteção do CDC. E isso em posição idêntica a que é dispensada ao consumidor standard. Portanto, não se questiona a qualificação do atingido, mas sim a existência do fato que lhe causou prejuízo injusto. E não haveria lógica em que, diante de prejuízos causados pelo mesmo fato danoso, ao consumidor standard se proporcionasse a utilização da proteção estabelecida por normas específicas, adequadas e modernas como as do CDC, enquanto que a vítima do mesmo acidente de consumo, tivesse de se valer unicamente das normas não específicas (gerais para o direito privado como nosso Código Civil). Pode-se até aceitar um diálogo das fontes entre o CDC e o Código Civil, tal como prega Cláudia Lima Marques, mas não excluir da proteção da lei consumerista, aquele que mesmo não tendo fornecido ou adquirido produto ou serviço acabou atingido gravosamente pela relação de consumo mal realizada. Essa circunstância não se resumiria apenas em uma injustiça, mas até mesmo numa grande fonte de problemas no aspecto processual, se em ações buscando reparação de prejuízos, diante de vítimas do mesmo fato danoso, tivesse o juiz que aplicar fórmulas jurídicas diferentes para tratar cada uma delas, principalmente na questão da prova, elemento fundamental no cumprimento do devido processo legal.
Desta forma, responde-se a questão central destes comentários, no sentido de que a opção adotada pelo CDC, foi de desconsiderar a necessidade de ser consumidor nato (adquirente ou utente) do produto ou serviço, importando isso sim e tão-somente, que a pessoa tenha sido atingida em sua incolumidade física/psíquica pelos efeitos do acidente de consumo ou que esteja sendo exposta a uma prática comercial coibida. Preenchido esse pressuposto básico, aquele que antes era um mero terceiro, abandona essa posição e passa a ser considerado como consumidor equiparado a destinatário final, com todo o direito de pleitear a reparação utilizando um instrumento legal moderno e adequado como é o CDC.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.