Oscar Ivan Prux

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No processo não se chega a verdade real sem provas, e nem sempre é factível para o consumidor produzí-las. Tratando-se de relação de consumo, tendo em vista sua condição de profissional do que faz, rotineiramente o fornecedor possui melhor condição de provar. De outro lado, o consumidor sofre com as dificuldades resultantes do natural desequilíbrio existente em seu desfavor neste tipo de relação jurídica. Por conta disto, é que o inc. VIII, do art. 6.º, da Lei n.º 8.078/90 (CDC), estabelece expressamente que, no processo cível, o juiz pode inverter o ônus da prova em favor apenas do consumidor. Como requisito basilar, basta que constate, segundo as regras ordinárias de experiência, a hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança das alegações por ele apresentadas.

Devido às conseqüências processuais que a inversão do ônus da prova gera na solução do processo, revela-se fundamental, então, compreender o que são alegações verossímeis.

Comece-se por dizer que elas se aproximam, mas não significam certeza da verdade, já que contém sempre uma forte dose de probabilidade. Nos sentidos de quem analisa, a verossimilhança estreita laços e causa impressão firme de que o alegado seja conforme com a realidade fática, sem que isso represente garantia indesmentível. Nesses casos, não há para o juiz uma segurança absoluta de que o futuro não venha demonstrar que a vida tinha outra realidade.

De Plácido e Silva, inscreveu em seu Vocabulário Jurídico que ?verossimilhança? vem ?de verossímil (plausível), entende-se a plausibilidade, a probabilidade de ser. A verossimilhança resulta da circunstância que apontam certo fato, ou certa coisa, como possível, ou como real, mesmo que não se tenham deles provas diretas. No entanto, conforme assente na jurisprudência, sendo a verossimilhança uma questão de fato, não se podem sobre ela estabelecer regras doutrinárias. Deve, portanto, ser deixada ao prudente arbítrio do juiz, que a resolverá segundo as circunstâncias que cercam cada caso, diante do exame das relações existentes entre as provas feitas e os fatos que se pretendem provar?.

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Em nome da segurança jurídica, o direito almeja a certeza nos processos e, sempre que possível, que sejam evitadas presunções decorrentes de verossimilhança, porém a natural inferioridade do consumidor na relação de consumo impõe providências para alcançar-se nos processos, à igualdade isonômica preconizada pela Constituição Federal. Em artigo publicado na Rivista di Dirito Processuale, Piero Calamandrei, chegou a afirmar que: ?tutte la prove, a bem guardare, non sono che prove di verosimiglianza?.

Ora, se nem mesmo sobre as provas tidas processualmente como ?inquestionáveis? se pode ter a garantia de serem totalmente condizentes com o ocorrido no mundo fático, por evidente, não se deve exigir precisão absoluta na certeza que envolve a verossimilhança das alegações do consumidor.

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Para o Direito do Consumidor, portanto, a verossimilhança é aquela aceitação de foro íntimo, sem hesitação, de que aquilo que o consumidor está a alegar, tem, naquele momento, todas as indicações de ser verdade. É a adesão mental de primeiro momento que, sem hesitações ou restrições, impregna a mente do julgador, fazendo-o acreditar sem qualquer motivo para vacilação, que as alegações do consumidor tudo apresentam para serem tidas correspondentes com a verdade.

Naturalmente, é uma questão subjetiva, cuja solução definitiva só acontece na mente do juiz quando presente o caso concreto. Para o destinatário da alegação, embora haja uma inolvidável sensação mental de que aquilo que a parte afirma deve ser mesmo verdade, não se pode negar a presença de alguma dose de incerteza, que só será afirmada ou modificada no futuro, quando se fizerem presentes todas as provas que se espera elucidem a realidade para o processo. E, nesse sentido, a inversão do ônus da prova é instrumento para colaborar no sentido de que as provas venham aos autos, produzidas por quem tem a melhor condição de realizá-las, no caso o fornecedor. Evidente que é indevido o juiz ter uma adesão total baseada na pura intuição sem substrato e que venha a impor para o fornecedor, o ônus de fazer prova que lhe é inexigível, impossível ou ?diabólica? (provar fato negativo). Todavia, é pela inversão do ônus da prova que o fornecedor precisa ser instado a contribuir para que as provas venham aos autos e aclarem a verdade, o que tende a fazer quando sabe que terá prejuízos se ficar inerte. Mesmo diante de certa imprecisão quanto à verossimilhança da alegação do consumidor, não há porque deixar de inverter o ônus da prova quando esta estiver ao alcance do fornecedor ou resulte de um dever que ele tem de adotar certos procedimentos (exemplo: manter registros como prontuários, guardar documentos ou exemplares de produtos para contraprova, etc.).

Assim, para tomar posição no processo – e optar ou não, em determinar a inversão do ônus da prova é uma escolha das mais importantes – o julgador não pode ficar sem convicção alguma ou ser tímido para utilizar desse recurso tão valioso para a justiça da decisão. O juiz deve acreditar em suas convicções. Fatos seguem lógicas muitas vezes percebíveis com considerável segurança, sendo possível dar crédito e confiar no resultado desse exame que o julgador deve fazer para concluir sobre a verossimilhança das alegações do consumidor. Neste estágio, dificilmente se deixará de estar no campo da ?verdade provável?, contudo, isso não deve significar comedimento que, na prática, possa inviabilizar a utilização do recurso da inversão do ônus da prova, causando notórios prejuízos, primeiramente ao consumidor e depois à Justiça no cumprimento de sua tarefa institucional.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.