A responsabilidade dos canais de televisão

Oscar Ivan Prux

Ao longo do tempo, vários anúncios comerciais vêm alardeando a defesa pela televisão livre e gratuita no Brasil. Essa afirmação parte de uma falsidade: em nosso país, principalmente em se tratando de canais pertencentes a empresas privadas (Rede Globo, SBT, TV Record, Rede TV, TV Bandeirantes, etc.), não existe televisão gratuita.

Na verdade, o que existe é televisão pública que pode ser sustentada com anunciantes ou dinheiro dos contribuintes (não caracterizando relação de consumo) e televisões privadas (por assinatura ou ditas abertas) remuneradas direta ou indiretamente através de relações de consumo. É com o dinheiro que os consumidores gastam diretamente contratando o fornecimento do sinal ou indiretamente comprando produtos e serviços no mercado, que as empresas sustentam os canais de televisão, via veiculação de seus anúncios publicitários ou patrocínio de programas. Inclusive, empresas que fabricam televisores tentaram patentear modelos que impedem que a pessoa troque de canal durante os comerciais, prova rotunda de que é dessa forma indireta que o consumidor paga pela programação. Repita-se então: especialmente quando se fala em tv aberta, através de gastos no mercado de consumo, sempre o consumidor paga a programação. E do ponto de vista jurídico, é indiferente que exista remuneração direta ou indireta para inferir responsabilidade sob égide do Direito do Consumidor. O interesse das empresas em mascarar essa realidade, se relaciona com o objetivo de não serem responsabilizadas pela falta de qualidade da programação, pelos abusos que cometem no mercado da publicidade e desvios quanto à propagação de valores que devem ser respeitados. No Brasil, sempre que se deseja impor limites e/ou responsabilizar os canais de televisão, essas empresas reagem com alegações de que se trata de um atentado contra a liberdade de imprensa e contra a democracia, fórmula falaciosa que usam para tentar justificar a liberdade incondicional que sempre pretendem. Porém, nenhum direito pode existir sem limites.

As nações desenvolvidas têm mudado suas legislações para adequar esse setor ao que seja mais consentâneo com a livre iniciativa, a proteção do consumidor e outros interesses sociais. A diretiva aprovada pela União Européia em dezembro de 2007, já vem sendo internalizada nas legislações dos países do chamado Velho Continente e tanto esses Estados soberanos quanto outras nações desenvolvidas (exemplo: Estados Unidos, Canadá, Austrália, etc.) estão indo além para impor limites a publicidade e a atuação dos canais de televisão. Em todos eles, observam-se ações governamentais, judiciais e também de auto-regulamentação. Nesse sentido, conforme noticia o site Net Consumo mantido pela conceituada Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC), canais de televisão como a RTP, SIC e TVI, junto com a Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social (CPMCS) e o Instituto Civil de Autodisciplina da Publicidade, após 12 (doze) meses de negociações, chegaram a um acordo sobre uma série de princípios comuns quanto ao funcionamento desse segmento em Portugal. O objetivo é regular e estabelecer regras quanto a programas que possuem publicidade chamada de “escondida” ou que apresentam marcas “encapotadas” (product placement), o que no Brasil chamamos de publicidade disfarçada ou merchandising (técnica que consiste em introduzir sutilmente, produtos ou marcas na programação televisiva, sem que o consumidor seja informado e perceba tratar-se de um comercial). É a cena do programa que mostra em destaque uma marca ou produto de algum patrocinador, o ator de novela que mostra o maço de cigarros ou a garrafa de bebida dizendo que é bom, ou o apresentador que afirma usar tal produto ou serviço por ser o melhor, de modo que não pode ficar sem ele. Através desse conjunto de medidas, os canais de televisão signatários do referido acordo passarão a sinalizar logo no início da emissão, se o programa irá ter inserção de mensagens publicitárias. E mais, será proibida a publicidade de bebidas alcoólicas, tabaco e medicamentos de prescrição médica obrigatória.

Há uma diferença essencial entre os países desenvolvidos e o Brasil. Em nações avançadas, com muito menos legislação se consegue mais resultados do que aqui com um Código de Proteção e Defesa do Consumidor que é modelo para o mundo. Exemplos não faltam, tal como a tentativa de não caracterizar a cerveja como bebida alcoólica (forma de tentar permitir que os comerciais dela sejam veiculados em qualquer horário na televisão), a existência de publicidade endereçada à crianças, etc.

Sabe-se do poder das empresas grandes anunciantes publicitários e das redes de televisão junto à classe política brasileira, mas já passou da hora de impor limites nesse setor. Embora possua um Código de Proteção do Consumidor que pode ser considerado evoluído para o Século XXI, o Brasil está se atrasando em relação às nações desenvolvidas quando se trata de fazer com que os canais de televisão também cumpram a lei. Portanto, consumidor, não acredite na mentira de que no Brasil existe televisão aberta que seja gratuita, pois de forma indireta, você sempre paga pela programação que é transmitida. Assim, exija qualidade, boicotando aqueles canais que agem ilegalmente no tocante a publicidade, bem como, os que levam ao ar, “lixo” que desrespeita os valores da sociedade brasileira. Do mesmo modo, exija comprometimento das autoridades para que a legislação seja cumprida (inclusive com aplicação do CDC), e haja a responsabilização dos canais de televisão infratores. Trata-se de concessões e só por que possuem a mídia na mão para influenciar a opinião pública, eles não podem ficar acima da lei.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.