O final do ano se aproxima e com o caos nos aeroportos, a expectativa para aqueles que desejam viajar em férias, por enquanto não parece das mais estimulantes. Os constantes atrasos e cancelamentos de vôos têm feito os passageiros passarem horas de espera nos aeroportos ou irem buscar outras formas de transporte (quando não desistindo da viagem). Por conta desta conjuntura, paira naqueles que desejam viagens turísticas, um inevitável receio de que este período de lazer, ao invés de proporcionar descanso e satisfação, possa se transformar em uma experiência estressante e desanimadora. Sob o ponto de vista jurídico, então, emerge a preocupação com a qualidade desses serviços e, em caso de lesão a direito do passageiro, o problema da responsabilidade civil da empresa denominada de agência de viagens, envolvida em vender o pacote turístico para o consumidor. Pacote turístico é aquele conjunto de serviços que costuma incluir itens como passagens, hospedagem, translados, ingressos para atrações, passeios, atendimento do receptivo local, etc. Esta gama de serviços combinados é organizada pela empresa que o mercado denomina ?operadora?. De outra parte, na linguagem cotidiana, entende-se como agência de viagens, a empresa que representa a operadora e se encarrega de comercializar estes serviços.

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Pois bem, considerando que as agências de viagens apenas vendem o pacote turístico organizado pela operadora e se limitam a receber a comissão respectiva (que seria de pequeno valor), elas procuram se eximir de indenizar quando os serviços (do pacote turístico) não são bem prestados e ocorre dano ao consumidor. É importante referir que, normalmente, a agência de viagens não possui vínculo societário com a operadora e não tem maior contato com quem presta diretamente o serviço para o consumidor (é a operadora que contrata os prestadores de serviços). Com base nesta justificativa, o intento das agências de viagens de se eximirem de indenizar quando acontece do serviço não ser bem prestado, tem provocado em determinados segmentos, um forte movimento para estabelecer através de uma nova legislação, que a responsabilidade civil destas empresas seja limitada ou inexista nos casos de algum inadimplemento contratual em detrimento do consumidor. A iniciativa busca, não só uma interpretação favorável da legislação já existente, mas uma modificação nas normas, como forma de estampar oficialmente este novo posicionamento que viria eximir estas empresas de ter que responder quando estas relações de consumo acabam mal-sucedidas. A responsabilidade civil, então, recairia apenas contra a operadora, por ser a empresa organizadora do pacote turístico e da cadeia de fornecimento.

Os argumentos apresentados para justificar uma possível exoneração de responsabilidade civil das agências de viagens nestes casos, podem até ser compreensíveis sob o ponto de vista econômico, mas não se sustentam no geral. O consumidor não participa da arquitetura formatada por estas empresas para viabilizar a cadeia de fornecimento, de modo que não pode ser prejudicado pelo contexto destes arranjos dos fornecedores. Observe-se que este tipo de exoneração não encontra respaldo no Código de Proteção do Consumidor que prescreve o princípio da solidariedade entre os fornecedores. O fundamento está em que aquele que aufere o proveito (independente de seu porte), deve suportar o risco. A agência de viagens ganha com a venda dos pacotes turísticos e deve ter de suportar a responsabilidade civil respectiva, podendo, evidentemente, valer-se do direito de regresso contra a operadora, caso seja obrigada a indenizar o consumidor. Não se pode esquecer que a agência de viagens é espécie de ?longa manus? da operadora para alcançar o público consumidor. A agência de viagens representa a operadora como uma espécie de preposto com poderes para contratar, mas ela não atua como representante comercial e sim como integrante da cadeia de fornecedores. O contato direto com o cliente é realizado pela agência de viagens e é nela que este confia ao contratar a aquisição do pacote turístico. No mais das vezes, o consumidor nem sequer conhece efetivamente a operadora e nem sabe onde é a sede dela. É a agência de viagens que apresenta as opções existentes no mercado e transmite ao consumidor as informações relativas aos serviços. A confiança para a aquisição do pacote turístico baseia-se regularmente nas informações da agência de viagens, que, na prática, indica e aconselha desde o tipo de pacote turístico até o padrão dos serviços, bem como a melhor operadora (conhecida muito mais pela agência, do que pelo consumidor).

Deste modo, revela-se inafastável das agências de viagens, a responsabilidade civil por quaisquer descumprimentos contratuais ocorridos em pacote turístico comercializado por elas junto a consumidor. Legislação que disponha de forma diversa no sentido de isentá-las, por evidente, será inconstitucional já que contrariará a norma principiológica e com origem constitucional para nortear a matéria, no caso a Lei n.o 8.078/90 (CDC). O consumidor lesado em pacote turístico pode optar por pleitear e, se for o caso, mover a ação de reparação, contra a operadora e/ou a agência de viagens, isolada ou solidariamente. Assim, diante deste cenário tumultuado em nossos aeroportos, é grande o risco quanto ao bom cumprimento destes tipos de contratos, de modo que se aconselha às agências de viagens assegurarem-se contratualmente junto às operadoras para que todas as obrigações dos pacotes turísticos sejam honradas (ou de pronto indenizadas, mesmo que advenham de problemas de qualquer ordem, inclusive atrasos nos aeroportos), pois desta responsabilidade nenhuma destas empresas componentes da cadeia de fornecimento poderá se eximir, afinal, o consumidor conta com esse direito garantido na legislação e não pode ser prejudicado.

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Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.