A quem interessa que a defesa dos direitos do consumidor seja facilitada?

Engana-se quem pensa que a facilitação para o consumidor provar seus direitos, somente a este interessa. Naturalmente, o consumidor que ingressa em Juízo é o grande beneficiado pela previsão estabelecida no inc. VIII, do art. 6.º, da Lei n.º 8.078/90 (CDC). Todavia, não é o único, conforme suscintamente se demonstrará.

Proposta ação judicial decorrente de relação de consumo mal-sucedida que afetou direito do consumidor, emerge a importância das provas como forma de se chegar à verdade e possibilitar uma decisão justa. Ou seja, sem a presença de prova(s) é difícil, senão impossível, o processo cumprir sua verdadeira finalidade.

No sentido tornado clássico para o Direito, ?prova? é a demonstração da verdade dos fatos alegados em juízo. E como afirmou Rui Manuel de Freitas Rangel: ?A prova representa a ?seiva? criadora do processo? (?O ônus da prova no processo cível?, ed. Almedina, Portugal).

Pois bem, mesmo diante da regra geral que prevê responsabilidade objetiva para o fornecedor consoante o previsto no CDC, não basta ao consumidor apenas alegar. A legislação prevê fórmulas destinadas a facilitar que o consumidor consiga provar seus direitos, todavia, a rigor, isto não representa dispensa de haver no processo, a demonstração de requisitos basilares para qualquer reparação, no caso, do ato danoso (representado por ação ou omissão do fornecedor), do dano (efetivamente especificado) e do nexo causal (o liame a comprovar que a origem do dano é o ato omissivo ou comissivo praticado no fornecimento). E, excepcionalmente, ainda prevê o Código de Defesa do Consumidor, também a prova da culpa, quando se trata de relação de consumo envolvendo profissional liberal como fornecedor (art. 14, § 4.º) ou sociedade coligada que, devido à desconsideração da personalidade jurídica da fornecedora originária, tenha sido chamada a responder pelo dano causado para o consumidor (art. 28, § 4.º).

Neste contexto, quando há um dano decorrente de relação de consumo, não costuma ser problema intransponível para o consumidor, demonstrar a origem do fornecimento e o prejuízo em si, mas a mesma facilidade não acontece em relação ao nexo causal, circunstância que se agrava ainda mais, nas já mencionadas situações em que a culpa do fornecedor necessita ser provada. Quando acontece um acidente ou incidente de consumo, muitas das vezes, as provas acabam destruídas, ficando difícil ou impossível para o consumidor mostrar com segurança o que realmente causou o dano. Por exemplo: não costuma ser fácil o consumidor provar que o alimento consumido em determinado estabelecimento comercial, realmente foi a causa do mal estar físico posterior, afinal, este não tem mais o produto, normalmente não restam outros exemplares para serem examinados, nem sempre o laudo médico aponta com segurança a causa da intoxicação e nem mesmo o consumidor consegue provar que se tratou da sua única refeição. De outro modo, esta notória dificuldade em provar, já afeta menos ao fornecedor, que como profissional do que faz, é muito mais preparado e aparelhado para ter as melhores condições de demonstrar a inexistência de defeito ou vício em seu fornecimento.

Dentro deste contexto que justifica haver para o consumidor, a facilitação da defesa de seus direitos, convém retornar a questão central: A quem interessa a prova em processo versando sobre relação de consumo? Será apenas para o consumidor que é autor da ação?

A resposta principia por atentar-se para a finalidade da prova (e mesmo do processo em si). Ao aclarar a verdade, a prova é o instrumento apto a, no processo, possibilitar fazer coincidir a verdade real (que condiz exatamente com o acontecido) com a verdade formal que se estampará na sentença e tem a função de propiciar justiça ao caso concreto. Assim, tanto ou mais do que para o consumidor que litiga em busca de seu direito, a prova que vem aos autos interessa, substancialmente, à Justiça, no cumprimento de sua função institucional. Ou seja, é relevante para a sociedade que contribui no sentido de sustentar todo o aparato estatal destinado a resolver os conflitos e promover a paz social, bem como, é importante como espécie de garantia a proteger todo cidadão que almeja contar com a segurança de que nos processos judiciais, existam plenas condições de haver justiça nas decisões. E mais, acrescente-se que toda relação de consumo contém uma dimensão coletiva, vez que espraia conseqüências em muitas outras de mesma natureza. Assim, qualquer injustiça que possibilite deixar algum consumidor sem a devida reparação, induz para muitas outras, já que o fornecedor visa o ganho e não se sente instado a assegurar qualidade nos fornecimentos quando eventual descumprimento de seus deveres não lhe redunda em decisão judicial com conseqüências desfavoráveis. Deste modo, deve haver um esforço magistral, principalmente por parte do julgador que dirige o processo, no sentido de que, atendendo esse dever amplo de veracidade, sejam tomadas as iniciativas pertinentes para que realmente as provas ingressem nos autos e sejam instrumento para a decisão justa. Portanto, o previsto no inc. VIII, do art. 6.º, do CDC, estabelecendo esta facilitação da defesa de direitos, por evidente, interessa e beneficia ao consumidor que move a ação judicial, mas ao propiciar-lhe esta condição, em especial no tocante a questão das provas, atende igualmente a relevante interesse da sociedade. Desvincular e desconsiderar esse interesse público superior ao das partes no tocante ao esclarecimento da verdade, seria desmerecer todo o contexto de interesse social envolvido, gerando insegurança quanto a credibilidade da Justiça e ensejando o desperdício de recursos públicos.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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