Como sempre, de imediato surgiram processos contra a medida e foram deferidas decisões liminares (provisórias) suspendendo a aplicação dela em vários pontos do país (algumas até já revogadas). Por evidente, não se pode pensar em eliminar as possibilidades de deferimento de decisões provisórias e, naturalmente, cada julgador tem liberdade de avaliar a causa e proferir a decisão que julga mais justa, porém, impressiona a freqüência (quantidade e facilidade) com que são deferidas e revogadas liminares em temas que estão sempre na mídia para todo e qualquer cidadão informado formar uma opinião desde o primeiro momento. A decisão provisória permite ao magistrado o conforto de permanecer aguardando para ver se acontece uma revogação de Instância Superior, fórmula que, lamentavelmente, tem caracterizado o cenário de insegurança jurídica que campeia em nosso país. Algo como se o Direito não tivesse ?rumo e nem prumo? e cada jurista fosse formado estudando um direito diferente.
A proibição de venda de bebidas alcoólicas nas rodovias é assunto multidisciplinar, que se tornou polêmico por envolver interesses econômicos muito vultosos, seja dos grandes fabricantes, seja do enorme número de comerciantes que alegam prejuízos relativos à perda de clientes e até que terão de reduzir empregos. De sua parte, os consumidores, ou têm apoiado a medida por prezarem a segurança e não se interessarem por bebida alcoólica quando se deslocam por rodovias, ou têm falado contra, atendendo aos seus costumes de liberdade em beber a qualquer hora e em qualquer lugar. Mais que a liberdade individual ou coletiva a questão envolve a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa dos consumidores, todas inscritas no rol que compõe a ordem econômica constitucional (art. 170, da Constituição Federal).
Sob o ponto de vista jurídico, a análise do tema impõe que se considere que os mencionados princípios são considerados por parte da doutrina, como espécie de subprincípios, pois se subordinam a princípios maiores segundo nossa Carta Magna, como a cidadania e a dignidade da pessoa humana (além de necessitar estarem conformes com os objetivos fundamentais da República, incluindo promover o bem estar de todos e construir uma sociedade livre, justa e solidária). Com base nestas premissas, se pode afastar uma suposta colisão de direitos. E mesmo que, por hipótese, se pudesse alegar haver este tipo de conflito, conforme princípios classicamente aceitos como os da razoabilidade e da proporcionalidade, reforçados segundo as teorias modernas que apontam para a ponderação como mecanismo de convivência para a determinação da solução que melhor atende ao ideário constitucional, tem-se a indicação de que a norma proibindo o mencionado comércio de bebidas alcoólicas, refere a interesse maior da sociedade a ser preservado. Com base nos ensinamentos de Luís Roberto Barroso (?A nova interpretação constitucional?, Editora Renovar) pode-se afirmar que se trata de caso para a utilização da chamada técnica da ponderação de valores ou ponderação de interesses, a qual indica que a preservação da dignidade humana é valor maior que não se incentiva com liberdade total no consumo de álcool e tão elevado número de feridos e mortos em acidentes (além dos prejuízos materiais).
Sob a égide do Direito do Consumidor, sempre existe a possibilidade de alguém alegar que está sendo cerceado em sua liberdade e direito ao acesso a consumo de produto (na verdade, salvo em nações muçulmanas, bebidas alcoólicas não são totalmente proibidas, mas seu comércio sofre diversas restrições) Pois bem, é importante visualizar que, de fato, o Direito do Consumidor prevê a proteção destes interesses do consumidor. Entretanto, da mesma forma, apresenta igual núcleo normativo no sentido de que relações de consumo não podem atingir danosamente à coletividade. Ora, o motorista alcoolizado quando causa acidente, não provoca apenas lesões em si ou até sua própria morte, mas é comum que atinja terceiros que são vítimas de sua ação. Deste modo, essas relações de consumo de bebidas alcoólicas não podem continuar a ser causa, mesmo que indireta, de desgraças não apenas aos motoristas usuários de álcool, mas também àqueles que são vítimas inocentes dos acidentes provocados por quem bebeu além da conta. A questão do consumo de bebida alcoólica nem sempre fica na esfera de liberdade e arbítrio da pessoa em ingerir ou não ingerir, pois o álcool é droga que vicia.
Ainda não sabemos se a Medida Provisória n.º 415/08, proibindo a venda de bebidas alcoólicas nas margens das rodovias federais, será daquelas normas que ?pegam?, mas está evidente que cabe ao Estado se preocupar com esta conjuntura e ir além de simplesmente aplicar sanções tais como multas, prisão, suspensão da carteira de dirigir, etc. Se a fabricação e comercialização de bebidas alcoólicas ainda remanescem permitidas pela ordem jurídica, também é oportuno impor tratamento para o motorista alcoólatra, e sempre às expensas da indústria fornecedora. O certo é que, mesmo se a medida não for derrubada nos Tribunais e a fiscalização funcionar a contento sendo rigorosas as punições, mesmo assim, o papel fundamental virá dos consumidores. Independente do dever de denunciar infratores que está afeto a todas as pessoas, só os consumidores, quando devidamente educados para o consumo responsável, serão capazes de, com sua disciplina pessoal em não beber e dirigir (e não andar em companhia de motorista alcoolizado) fazer com que a norma atinja seus reais objetivos.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.