Oscar Ivan Prux
Como é de conhecimento público, a área da saúde suplementar em que atuam empresas que fornecem planos e seguros de saúde, é permeada de conflitos que geram insatisfações e muitas ações judiciais e reclamações junto aos Procons e Ministério Público.
Pois bem, foi nesta conjuntura tumultuada que a Agência Nacional de Saúde (ANS), autarquia que regula o setor, promoveu a atualização do Rol de Procedimentos para viger em 2008 (Resolução Normativa nº 167), incluindo um elenco de novas coberturas que devem ser prestadas nos contratos firmados pelas operadoras. Assim, foram tornadas obrigatórias coberturas como: consultas de nutrição, tratamentos de terapia ocupacional, psicoterapia, fonoaudiologia, procedimentos de anticoncepção (inserção de DIU, vasectomia e ligadura tubária), procedimentos cirúrgicos e invasivos por videolaparoscopia (apendicectomia, colecistectomia, biópsias, etc.), dermolipectomia, remoção de pigmentos de lente intraocular com Yag Laser, mamotomia, tratamento cirúrgico de epilepsia, pré-natal das hidrocefalias e cistos cerebrais, transplantes autólogos de medula óssea e exames laboratoriais (análise de DNA, fator V Leiden, hepatite B, hepatite C, HIV, dímero D e mamografia digital).
Sem dúvida, foi um aumento substancial do número de coberturas estabelecidas em prol dos consumidores destes contratos. A questão está em que a ANS não permitiu qualquer acréscimo proporcional nos valores das mensalidades, mantendo apenas o aumento anual relativo à inflação para esta área da saúde (5,76%). Assim, de imediato, as entidades que atuam em prol das operadoras foram à Justiça para questionar este acréscimo de coberturas sem a respectiva possibilidade de aumentar o valor das mensalidades para equivaler aos gastos com o cumprimento deste novo rol de procedimentos. As primeiras manifestações advindas da Justiça foram no sentido de negar liminares em favor das operadoras, mas a decisão definitiva ainda demorará.
Nesta conjuntura pautada pela regulação praticada pela ANS, contrapõem-se muitos interesses. Como é lícito, as operadoras almejam se manter no mercado com um ganho compatível com sua atividade, enquanto aos consumidores interessa o máximo de coberturas com o menor custo. Todavia, a nenhum deles interessa contratos desequilibrados ou a quebra/liquidação da fornecedora, pois isto implicará em problemas como a falta de atendimento aos contratantes pelas empresas em dificuldades e aumento de preços dos novos contratos, seja como forma de compensação, seja devido à redução da concorrência entre as poucas fornecedoras que sobrevivam a uma eventual crise. Outro detalhe: o aumento de preços nos novos contratos como forma de compensar os prejuízos dos antigos, traz uma injustiça intrínseca, já que inviabiliza o acesso à contratação destes serviços por parte dos consumidores de menores condições financeiras, bem como, faz com que os novos contratantes tenham de suportar preços mais elevados e, injustamente, acabem arcando custos dos demais contratos desequilibrados que dão prejuízo à operadora.
Parece um imbróglio de difícil solução, mas algumas reflexões podem demonstrar tratar-se de um falso dilema que pode ser bem equacionado. Em primeiro lugar, a maioria das novas coberturas reflete o que muitas decisões judiciais já vinham concedendo, mas isto não significa que estas manifestações dos Tribunais estejam certas, pois a quase totalidade delas é meramente paternalista e não segue critérios técnicos adequados (nunca se vê, por exemplo, uma perícia para apurar custos do contrato). De outra parte, nem a ANS e nem as próprias operadoras possuem cálculos atuariais confiáveis com referência ao aumento de custos decorrentes da sinistralidade relativa às novas coberturas. Embora a contabilidade das empresas que atuam com seguros e planos de saúde seja objeto de controle intenso, elas não possuem banco de dados apto para ensejar a apuração de quanto custará fornecer estas novas coberturas. A ANS não conta com estes dados e, muito menos, os consumidores (e as entidades que os defendem). Ou seja, todos argumentam sem base concreta e seguem num dialogo (não se sabe se de cegos ou de surdos) a defender suas posições para ver o que irá acontecer no momento seguinte. Objetivamente: está faltando colocar ciência nesta questão. A saúde é assunto tão sério que não comporta arriscar medidas sem segurança (na base da tentativa e erro). Acrescer coberturas é ótimo se forem viáveis, mas fazê-lo aumentando as mensalidades ou liquidando as operadoras, não é recomendável. É fundamental, então, abandonar o amadorismo e utilizar conhecimentos técnicos para resolver a questão, e existem muitas Universidades contando com pesquisadores dotados de capacidade técnica para fazer este trabalho. Comece-se pela percepção elementar de que os atendimentos médicos, laboratoriais e hospitalares são todos registrados documentalmente, quer em prontuários, quer em documentos contábeis. Ou seja, há como rastrear a incidência de atendimentos referentes às patologias objeto de novas coberturas e fazer estatísticas que compilem estes dados (incluindo custos), tal como a ANS já faz para cobrar o chamado ressarcimento SUS (quando alguém que tem contrato de plano de saúde é atendido pelo SUS, a ANS detecta e cobra das operadoras o ressarcimento).
Assim, será possível saber, concretamente, se estas novas coberturas são viáveis sem aumento de preços nas mensalidades dos contratos. Com um mínimo de competência, então, a regulação se operaria de forma construtiva, evitando os riscos de estar asfixiando indevidamente as finanças das operadoras ou de deixar de propiciar para os consumidores, todas as coberturas contratualmente justas.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.