A polêmica em torno das câmaras de bronzeamento

Oscar Ivan Prux

Por um aspecto cultural, a aparência tem sido valorizada em demasia. Seguindo os padrões influenciados pela mídia, existe uma sensível pressão até psicológica para que as pessoas busquem para si, modelos estéticos segundo os padrões em voga. Por conta desse fator, a denominada indústria da beleza (estética) ou, para muitos, a indústria da futilidade, teve um crescimento enorme nos últimos anos. Se entre os modismos atuais, há pessoas dispostas a despender quantias significativas para “embelezar” seus cachorros nos chamados pet shops, naturalmente quando tratam da sua aparência pessoal, não vacilam em gastar mais ainda. Dos salões de beleza, às salas de cirurgia, muitas não hesitam em se submeter à determinados tratamentos estéticos sem ao menos se informar e questionar quanto a sua segurança ou até, a adotar o comportamento patológico de buscar procedimentos que contrariam orientações científicas transpostas para normas legais. E onde existe demanda, lamentavelmente, sempre surgem “profissionais” dispostos a atender essas pessoas, alguns corretos, outros gananciosos e nada éticos. Trata-se de um fenômeno mundial, no qual países como a Venezuela e o Brasil se destacam.

Pois bem, tendo como base principalmente um estudo da Agência Internacional para pesquisa do Câncer (Internacional Agency for Research on Câncer IARC) associada à Organização Mundial de Saúde (OMS), a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) editou ao final de 2009, a Resolução n.º 56/09 que proibiu o uso e a venda de equipamentos de finalidade estética que emitem radiação ultravioleta. Ou seja, a norma veio atingir em especial as atividades das clínicas e mesmo o próprio mercado das câmaras de bronzeamento artificial. A justificativa da agência para a proibição dessas atividades resumiu-se na proteção à saúde dos consumidores usuários desses serviços, pois os mencionados estudos apontam tratar-se de práticas e produtos que induzem ao câncer em humanos.

Bastou a referida resolução ser divulgada e, imediatamente, começaram os processos judiciais para contestar a constitucionalidade e outros detalhes relativos à validade dessa legislação. Diante dos pedidos, houve Juiz de Primeira Instância que não concedeu a liminar para utilização das câmaras de bronzeamento artificial e houve os que, atendendo aos pedidos de clínicas (ou associações que as representavam) entenderam que a Anvisa não poderia ter cerceado essa atividade econômica e concederam o direito a prosseguirem as atividades relacionas a esse tipo de serviço. Tudo, naturalmente, com a já tradicional e polêmica oscilação de posições judiciais baseadas nessas decisões provisórias; típico do figurino de insegurança jurídica peculiar ao sistema adotado pelo Judiciário brasileiro (que, inclusive, incentiva a litigiosidade). Independente da cassação ou não dessas liminares, o fato é que em Direito do Consumidor a precaução com a saúde dos usuários desses serviços deve ser priorizada. E, em especial, há que se rememorar que nesse tipo de situação, trata-se de discussão versando sobre defeito do serviço, conjuntura para a qual é prevista responsabilidade objetiva do fornecedor que responde independentemente de culpa segundo o prescrito no artigo 12, da Lei n.º 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor). E mais, os artigos 8 e 10 do mesmo Código, estabelecem expressamente que o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo, produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

Portanto, além do princípio da máxima precaução quando se trata da proteção à saúde dos consumidores (e estética não é indispensável), há que se relembrar que a garantia da qualidade dos produtos ou serviços consiste em espécie de garantia implícita (implied warranty) que integra os deveres inerentes às atividades dos f,ornecedores. Objetivamente, tanto o fornecedor não pode colocar no mercado produto ou serviço que represente risco (basta o risco, não se exigindo comprovação de dano) à saúde dos consumidores, quanto cabe a ele (fornecedor) o dever de provar que seu produto ou serviço, quando usado corretamente, não tem potencial de causar danos. Neste caso, diante das pesquisas científicas que embasaram a resolução, não se precisa nem mesmo recorrer à inversão do ônus da prova prevista no inciso XIII, do artigo 6.º, do CDC, mas somente instar que o fornecedor demonstre que cumpriu o previsto nos referidos dispositivos (artigos 8 e 10). Considerando a relevância da proteção à saúde do consumidor, tem-se que sem esse tipo de prova, melhor seria evitar qualquer decisão de imediato. Todavia, havendo necessidade de dar resposta a um pedido de liminar, recomendável é a cautela de não decidir apenas com base em argumentos que não englobam o conhecimento das pesquisas científicas e desconsideram os fundamentos da técnica específica do Direito do Consumidor.

A conclusão a que se chega, é que nesse tipo de caso, as provas são técnicas e se resumem ao constante das comprovações científicas sobre a segurança das câmaras de bronzeamento artificial, cabendo aos fabricantes desses produtos e aos fornecedores desses serviços, o dever de provar que eles não prejudicam a saúde dos usuários (consumidores). A saúde é um bem que nem mesmo a vaidade humana e os interesses econômicos podem suplantar.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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