A polêmica sobre o pedágio começou na Europa da Idade Média, quando os Senhores Feudais passaram a cobrar para que os comerciantes (feirantes) usassem as pontes por eles construídas. Mais recentemente, o processo de substituição do Estado pela iniciativa privada em algumas atividades, ou seja, de privatização, está espalhado pelo mundo. O intento sempre foi diminuir o tamanho do Estado (burocrático, lento, pouco eficiente e custoso), reservando-lhe primordialmente as tarefas essenciais de cuidar da Justiça, segurança, saúde pública e administração dos bens públicos, enquanto são concedidas, permitidas ou autorizadas para a iniciativa privada, as tarefas que ela tem capacidade de executar melhor do que a estrutura da chamada ?máquina? pública. E, neste ponto, devido a sua relevância para a viabilização dos custos de transportes e circulação das pessoas e bens, a conservação das estradas tornou-se objeto de privatização como forma de melhorar o estado caótico de muitas rodovias e afastar as queixas de falta de recursos para aplicação nesta área, somadas às denúncias de corrupção. Houve, então, um ritmo intenso de privatizações, concedendo-se a exploração de rodovias por empresas privadas, com o direito delas cobrarem pedágio dos usuários, desde que assumindo, em contrapartida, obrigações contratuais de conservação das vias e realização de melhorias conforme o cronograma previsto no contrato. Desde então, foram muitos os contratos de concessão, mesmo diante de manifestações contrárias, a maioria delas criticando pelos seguintes motivos: a) viés ideológico daqueles que, por princípio, são contra o neoliberalismo, em todas as suas formas de manifestação, incluindo a privatização; b) vertentes ou correntes político-partidárias que disputam o poder usando o debate sobre as políticas e formas de gestão como instrumento para conquistar espaço no Governo (pelas urnas ou por composições partidárias); c) interesses individuais de políticos oportunistas interessados em mera promoção pessoal e eleitoral, os quais prometem acabar com o pedágio mesmo sabendo que não podem cumprir (não tem poder para tanto); d) manifestações daqueles que combatem a privatização, em razão de desejarem a estatização do maior número possível de atividades econômicas, como forma de manter cargos públicos para nomear seus parentes (nepotismo) ou apadrinhados políticos.
Muitas têm sido as manifestações, os bloqueios de praças de pedágio, a aprovação de normas (como a Lei n.º 291/07, que isenta de pagamento, os veículos com placas da cidade onde está instalada a praça de cobrança), bem como, às ações judiciais para acabar com as concessões ou tentar baixar o valor das tarifas. Entretanto, embora o sistema de pedágio faça parte de autêntica relação de consumo entre a concessionária e o usuário da rodovia, os consumidores não têm sido efetivamente representados e ouvidos como um segmento de pessoas com direito a influir neste processo. E isto, mesmo sendo princípio do Código de Defesa do Consumidor, a ?harmonia dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores? (art. 4.º, inc. III). Ora, como harmonizar sem sequer ouvir as entidades e associações que defendem os interesses dos consumidores, principalmente considerando que desde o início do processo de privatização, os Conselhos de Clientes não cumprem adequadamente este papel?
Se ouvidas estas entidades, ver-se-ia que, na verdade, as pesquisas indicam que a maioria dos usuários aceita o sistema de pedágio, pois não quer ver de volta estradas esburacadas como tantas que haviam quando o Estado as geria sob a ótica pessoal dos detentores do poder. Contudo, os consumidores têm noção exata de haver exagero nas tarifas que estão sendo cobradas. Assumir o risco, obter lucro e ter cumprida a convenção (contrato), são direitos constitucionalmente assegurados para as concessionárias, mas isto não significa que se possa ferir o equilíbrio contratual (no serviço que a concessionária fornece ao consumidor), já que neste caso transparece que a equação econômica do contrato foi mal formulada/entabulada. Inclusive, com base no CDC, já no momento da contratação deveria ter havido a intervenção dos consumidores, provocando a análise das cláusulas econômicas do contrato para que os futuros usuários não ficassem a mercê de tarifas exorbitantes (hoje só se pode pensar em aplicar a modificação do contrato, com base no art. 6.º, inc. V, devido à desproporcionalidade da prestação). Deste modo, não interessam estas iniciativas inócuas consistentes no Estado propor medidas administrativas ou judiciais, aprovar-se leis de isenção, ou grupos ocuparem e depredarem praças de pedágio, pois elas têm produzido mais danos do que vantagens para os consumidores. Não se pode esquecer que quando as decisões judiciais beneficiam as concessionárias, os prejuízos destas medidas elevam o valor das tarifas de pedágio. Tudo além de que, em muitos casos, o custo das despesas de sucumbência nos processos judiciais acaba sendo sustentado com dinheiro público (e não com o dinheiro pessoal do mentor da ação) prejudicando a população.
Assim, como única forma de evoluir este processo em benefício da coletividade, cabe propiciar-se a verdadeira participação ativa (administrativa e judicial) daqueles que utilizam estes serviços, com as entidades, associações e órgãos de proteção aos interesses dos consumidores/usuários vindo assumir este papel.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.