A notícia de que escolas particulares estão se organizando para manter um cadastro com o nome de pais inadimplentes, veio provocar vasta discussão. Na verdade, faz muito tempo que circulam rumores de existência de códigos combinados entre as escolas, os quais seriam inclusos disfarçadamente na documentação do aluno para indicar à escola onde ele deseja a matrícula, se na anterior houve ou não o pagamento das mensalidades. A justificativa para essa atitude estaria na proteção da viabilidade econômica da escola, pois uma vez o aluno matriculado, independente de pagamento ou não, até o final do contrato, sempre terá direito a cursar a série como um aluno em condição normal. E, nesse contexto, amparados na legislação, existem alunos que fazem seu curso quase sem pagar mensalidades, apenas repetindo a estratégia de mudar de escola até completar o curso. Nessa conjuntura, alegando não suportarem o nível de inadimplência, as escolas resolveram se proteger através desse cadastro que informa da falta do pagamento, permitindo a opção de aceitar ou não a matrícula desse aluno. De outro lado, estão os pais que reclamam o direito ao acesso à educação para seus filhos e alegam que tal cadastro induzirá para uma discriminação, já que problemas inesperados e momentâneos como a perda do emprego ou uma doença, podem afetar o cumprimento do dever de pagar as mensalidades conforme o contratado, sendo que tais circunstâncias seriam sanáveis no médio prazo. Insistem que a escola não pode pensar somente em lucro e que não seria justo “negativar” o nome dos inadimplentes, pois o direito à educação deve prevalecer nestes casos.

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Essa questão envolvendo o direito à educação se insere na mesma condição de outros tantos que apesar de postados na Constituição Federal, na verdade não se encontram amplamente concretizados para todas as pessoas, tais como saúde, habitação, salário mínimo digno, etc. Considerando que o Brasil é um país emergente, mas com condições econômicas ainda muito aquém do pleno desenvolvimento, há um notório descompasso entre os ideais de nossa Lei Maior e a realidade cotidiana. E em circunstâncias assim, são comuns as controvérsias e distorções representadas pelo surgimento de leis intervencionistas (de cunho protecionista/paternalista), práticas de mercado abusivas e padrões de conduta nem sempre compatíveis com a boa-fé. Nesse contexto, portanto, uma solução adequada somente advirá pensando-se em visão mais ampla e construtiva, priorizando os interesses coletivos sobre os individuais e sempre objetivando melhores resultados no longo prazo.

Em primeiro lugar, se deve observar que dar acesso à educação em escola pública, gratuita e de qualidade, é dever do Estado. A iniciativa privada pode atuar na área do ensino, mas em relações de consumo remuneradas conformes com o Código de Defesa do Consumidor. Fica claro, então, que se houvesse acesso à escola pública para todos que necessitam, naturalmente não se teria tantos problemas. É equivocado criar leis ou forçar interpretações que tentem impingir para os particulares, os deveres (e custos) que são do Estado. Ao dar-se espaço para que pessoas possam se aproveitar do sistema vigente e, maliciosamente, através da troca de escola a cada final de período até concluir o curso, furtem-se de pagar as mensalidades devidas, gera-se uma distorção que não conduz para bons resultados.

Pode-se ter a certeza de que nestes casos, o custo adicional provocado pela inadimplência (com índice superior ao previsível), ou será repassado no preço das mensalidades daqueles que pagam regularmente, ou as escolas enfrentarão percalços para ministrar ensino de qualidade. E nenhum dos casos ganha a coletividade de consumidores, principalmente considerando o longo prazo. Por evidente, há pessoas honestas que enfrentam dificuldades passageiras e justificáveis, assim como, existem escolas com margens de rentabilidade que permitem assimilar certas concessões para os inadimplentes, mas isso não pode ser tido como regra a justificar imposição de assistencialismo com dinheiro privado. Note-se que as normas impõem para as escolas particulares que não pratiquem qualquer tipo de restrição ou represália contra o aluno inadimplente até que ele conclua o período (anual ou semestral). É uma espécie de ônus justificado para quem exerce atividade regulada pelo Estado, que a controla em nome do interesse público. E mais, sob o ponto de vista fático, até que o aluno conclua o período, existe tempo apto para que, na maioria dos casos, enseje-se uma negociação entre o inadimplente e a escola. Assim, da mesma forma que o Código de Defesa do Consumidor impõe o dever de fornecer ensino de qualidade (o que deve ser exigido e fiscalizado) e recrimina cobranças indevidas, práticas e cláusulas que sejam abusivas, igualmente prevê a existência de bancos de dados de maus pagadores. Inclusive, determinando queantes da inclusão do nome o devedor precisa ser notificado, quenão sejam inscritas dívidas prescritas, que sejam mantidos dados corretos, que sejam fornecidas informações, e que a inscrição só deve permanecer por, no máximo, cinco anos.

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O Direito do Consumidor não deve ser instrumento para obrigar os particulares a suprir as carências do Estado no cumprimento de suas obrigações de propiciar acesso à educação de qualidade. Exija-se que o Estado faça sua parte, pois neste momento o país tem recursos. Os consumidores não terão vantagens se houver inviabilização financeira de escolas privadas e elas sem alunos não sobreviverão. O CDC prescreve os deveres contratuais de cada parte e indica como melhor caminho, aquele que é pavimentado pela boa-fé, o equilíbrio e harmonia nessas relações de consumo.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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