A inconstitucionalidade da Súmula n.º 381 do STJ

Oscar Ivan Prux

A área de proteção do consumidor conta com todo um sistema de normas que em flagrante desrespeito aos seus clientes, às instituições bancárias e financeiras não desistem de tentar que não lhes seja aplicada. Em específico, apesar da legislação ser clara e específica, os bancos lutam para não cumprir. Esse desiderato espúrio ganhou força com a edição da Súmula n.º 381, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que tem o seguinte teor: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.

Fazendo-se uma rápida análise técnica, verifica-se que as súmulas têm o sentido de sinalizar para os Magistrados, qual é a interpretação do direito que o Judiciário, em suas Instâncias Superiores, entende ser a melhor. Portanto, a que preconiza seja observada pelas Instâncias de Primeiro Grau quando no exame de casos idênticos. Certo é que se trata de uma súmula não-vinculante, de modo que, caracterizadamente, não conta com a obrigatoriedade de ser seguida pelo Juiz da causa em concreto. Também não equivale a uma lei e nem a suplanta em hierarquia. Entretanto, ela aponta que se houver recurso, será da referida maneira que o Tribunal Superior irá decidir a causa.

Pois bem, o primeiro detalhe que desperta atenção é a especificidade da súmula. No mínimo, é interessante indagar e prescrutar qual a razão de, existindo inúmeros tipos de contratos de consumo, ela só se referiu aos contratos bancários. Difícil é encontrar uma razão jurídica pela qual se justifique que nos demais contratos de consumo, seja permissível para o Julgador conhecer de oficio a respeito da abusividade de cláusula e apenas nos contratos bancários isso não se afigure juridicamente correto. Na verdade, concretamente não se identifica uma característica específica que ampare essa exceção. Ainda mais, considerando-se que, a súmula foi disposta de forma a tentar restringir poderes dos Juízes, principalmente os de Primeira Instância, origem de onde costumam partir as mais incisivas decisões de aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor aos contratos bancários. Muitos Magistrados têm aplicado a mencionada lei, considerando abusivas determinadas cláusulas dos contratos de adesão estabelecidos pelos Bancos, seja considerando-as nulas ao teor do art. 51, seja optando por sua modificação segundo o art. 6.º, inciso V (do CDC). Note-se que conforme nosso ordenamento jurídico, uma cláusula contratual abusiva é nula de pleno direito e a parte sequer pode supri-la para torná-la válida. Nesse contexto, independente de que tal fato seja argüido por qualquer das partes, a cláusula abusiva não produz efeitos, sendo que o Magistrado deve se pronunciar mesmo ex officio quando observar nulidade em negócio jurídico (art. 168, do Código Civil). No caso da proteção ao consumidor, essa postura se justifica soberbamente por se tratar de contratos de adesão onde são partes fornecedores extremamente poderosos economicamente e, de outro lado, consumidores vulneráveis (e até em grande parte dos casos, hipossuficientes).

O resumo é que uma vez sendo adotada essa concepção inscrita na súmula, inviabilizando o Magistrado afastar de ofício as cláusulas abusivas em contratos bancários, ter-se-á posição que favorece substancialmente aos interesses do setor bancário, exatamente o que mais reluta em cumprir o CDC.

Não existe amparo para tal, pois a referida súmula contraria preceitos estabelecidos em nossa ordem constitucional, que determina a proteção aos interesses dos consumidores. Ainda mais, que a Lei n.º 8.078/90 é norma de ordem pública e interesse social nos termos previstos em nossa Carta Magna (conforme artigos 5.º, inciso XXXII e 17.º, inciso V). E uma súmula não pode simplesmente contrariar e afastar os efeitos dessa ordem pública e do interesse social, dentre eles, como uma das características intrínsecas, facultar que os Juízes atuem de ofício quando constatarem a nulidade de cláusula (abusiva) em contratos de consumo, quer sejam eles do setor bancário, quer sejam de outro tipo. Essa escolha de dois pesos e duas medidas, uma para os contratos bancários e outra para os demais, realmente não se justifica, nem fática, nem tecnicamente. Transparece na súmula, a afronta ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor e, em especial, ao disposto na Constituição Federal, de modo a ficar juridicamente caracterizada sua absoluta inconstitucionalidade. E, sendo dessa forma, ela não deve influenciar decisões dos Juízes quando se defrontarem com cláusulas abusivas em contratos de consumo. Para deixar isso sem qualquer sombra de dúvidas, falta apenas que, mediante provocação pela via processual, venha o Supremo Tribunal Federal declarar essa inconstitucionalidade, algo que se espera não demore, pois a sociedade não mais se conforma com os infundados privilégios conferidos sistematicamente para as instituições bancárias e financeiras. Não é de se tolerar elas serem “espécimes tão especiais”, a ponto de sempre encontrarem subterfúgios para não cumprir o CDC, ganhando lucros astronômicos, em detrimento dos interesses dos clientes/consumidores dos serviços delas. A sociedade precisa do sistema financeiro, mas não de um setor que não respeite limites e não se sujeite a legislação, principalmente contando com o apoio de súmulas equivocadas emitidas pelo STJ.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de direito da Universidade Norte do Paraná Unopar.

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