A ilicitude da ação dos cambistas

Oscar Ivan Prux

No futebol, a final da Copa Sul-Americana e a última rodada do Campeonato Brasileiro deste ano (a que irá definir o campeão e os clubes rebaixados para a 2.ª divisão) despertam o interesse daqueles que vão aos estádios porque gostam e acompanham este esporte. Paralelamente, faz chamar a atenção para os inúmeros problemas que enfrentam os consumidores deste tipo de lazer. O primeiro deles, é que nestas ocasiões tem sido comum uma absurda elevação nos preços dos ingressos. Esse tipo de aumento injustificado contraria o previsto no Código de Defesa do Consumidor e têm demandado demoradas negociações decorrentes da intervenção de autoridades, de Procons, etc. O Estatuto do Torcedor (Lei n.º 10.671/2003) é um primor de imprecisão. Por exemplo, diz que o torcedor tem direito ao acesso, a segurança, a transporte seguro e organizado e a várias outras prerrogativas, todas justificáveis e corretas, mas não diz quem deve cumpri-las, para que se puna o infrator. Essa característica de ser imprecisa e nada incisiva se repete no que tange ao preço dos ingressos, inclusive devido a deixar essa prerrogativa por conta do clube mandante.

Essa é uma grave inadequação, visto que o espetáculo sempre atrai espectadores de várias cidades, os quais se deslocam para o estádio normalmente sem saber quanto irão pagar para assistir ao jogo, o que fere o direito a informação prévia e clara, conforme o previsto no CDC. Certo é que independente dessa circunstância, é possível deduzir que os preços dos ingressos devem ser estipulados antecipadamente, seguindo uma rotina para todos os jogos do campeonato, de modo que, havendo qualquer aumento injustificado, tal procedimento merece ser considerado como infração à lei. Ou seja, prática abusiva de elevar sem justa causa o preço do serviço, bem como, exigir vantagem manifestamente excessiva em detrimento do consumidor, ilícitos previstos nos incisos V e X, do art. 39, do CDC. Por evidente, será útil a aprovação de legislação mais específica, destinada a deixar mais explícito que essa é uma prática irregular, ressalvados os casos em que os preços sejam publicados até a data do início da competição.

Pois bem, tendo o torcedor vencido o trânsito complicado e pago estacionamento caro ou se livrado do “flanelinha” que se apropria da rua para tomar dinheiro de quem nela estaciona seu veículo, começa a procura por comprar o ingresso e neste ponto acontece a maior irregularidade. Trata-se da ação dos cambistas que adquirem antecipadamente uma enorme quantidade de ingressos, exatamente para esgotar a oferta regular nas bilheterias. Dessa forma, maliciosamente eles se instituem como espécie de “atravessadores” que passam a ter monopólio forçado para revendê-los por preços exorbitantes, eventualmente até duas ou três vezes acima do valor regular. Eles aparecem nas portas ou proximidades dos locais de quaisquer espetáculos (teatro, shows, competições esportivas, etc.) que atraiam um maior interesse do público e com a falsa alegação de facilitar a entrada, cobram uma espécie de ágio que o consumidor não pagaria comprando na bilheteria oficial. Ora, facilitar o acesso, incluindo os trâmites de aquisição dos ingressos, é dever de quem promove o espetáculo, não devendo ser admissível sequer a permissão de que alguém assuma esse dever, ainda mais para haver vantagem indevida e ilícita. Portanto, os cambistas são espécie de “parasitas”, que nada produzem para a sociedade e apenas se aproveitam de uma oportunidade para ganhar dinheiro ilegitimamente, à custa daqueles que não conseguem comprar o ingresso antecipadamente e diretamente de quem promove o espetáculo. Diz o inc. II, art. 6º, do CDC, que o consumidor tem direito a igualdade nas contratações e quem é tacitamente compelido a ter de comprar de cambistas para não se privar do lazer que lhe agrada, paga muito acima do preço normal do ingresso. Nesse sentido, inclusive, não é respeitado o artigo 24, do Estatuto do Torcedor, que prescreve expressamente: “É direito do torcedor partícipe que conste no ingresso o preço pago por ele. Parágrafo 1º – Os valores estampados nos ingressos, destinados a um mesmo setor do estádio não poderão ser diferentes entre si, nem daqueles divulgados antes da partida pela entidade detentora do mando de jogo”. E não é o que acontece quando existe a ação de cambistas.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) classifica a ação dos cambistas como crime a ser enquadrado na Lei de Crimes Contra a Economia Popular. Independente, de todo esse arcabouço legal já explicitado, merece apoio o Projeto de Lei 3755/08, que foi proposto pelo Partido Liberal (através do Deputado Deley) que, além de tipificar como crime a ação dos cambistas de venderem ingressos por valor acima do fixado pelas entidades promotoras dos eventos esportivos e culturais, traz penas mais rigorosas que podem chegar até a reclusão de 1 a 4 anos. Será um avanço se o referido projeto for aprovado. De qualquer forma, enquanto isso não acontece, o importante é não haver imobilismo e passividade. Já existem instrumentos legais para coibir essas condutas ilícitas. Na verdade, estão faltando providências de parte das entidades promotoras, incluindo não vender ingressos para quem não seja consumidor, o que pode ser feito identificando e mantendo em sistema informático, os nomes dos adquirentes, naturalmente vendendo, no máximo, dois ingressos para cada um. E, no que é mais importante e eficaz, haver uma mais ampla e rigorosa fiscalização por parte das autoridades, instituições e órgãos competentes. De sua parte, o consumidor deve cobrar essas providências e, embora seja um solução nem tanto agradável, boicotar e não adquirir ingressos de cambistas, mesmo tendo de privar-se de assistir ao espetáculo.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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