É pacífico na esfera jurídica, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, circunstância esta que, às vezes é até agravada chegando a caracterizar hipossuficiência. Em busca da superação destas dificuldades que obstam a igualdade isonômica prevista na Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) estabeleceu no inc. VIII, do art. 6.º, que é direito básico do consumidor: ?a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímel a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências?.

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A primeira observação importante é que o citado dispositivo não se restringe a inversão do ônus da prova, alcançando uma série considerável de outras medidas que, direta ou indiretamente, facilitam para o consumidor a defesa de seus direitos. E mais, é fundamental observar que a inversão do ônus da prova é faculdade estabelecida para ser usada a critério do juiz, mas a facilitação para que o consumidor possa defender adequadamente seus direitos não o é, sendo medida obrigatória da qual o julgador não pode se afastar ou omitir de aplicar. Inclusive, esta facilitação que deve acontecer nos procedimentos administrativos e nos processos judiciais, na verdade deve principiar já nas práticas de mercado, com a imposição de certas regras que podem contribuir com esta finalidade. Ou seja, certas ajudas para que o consumidor consiga viabilizar melhor a defesa de diretos, tais como, a obrigatoriedade de que as empresas (principalmente as que atuam em regime de monopólio ou oligopólio fornecendo serviços essenciais) mantenham postos de atendimento pessoal para os consumidores que desejem apresentar queixas quanto ao fornecimento, devam firmar protocolo das reclamações e caso não solucionem o problema reclamado, tenham de apresentar por escrito a sua resposta.

Estas providências, ou provocam a solução do problema que afeta ao consumidor ou, posteriormente, contribuem para que este possa ter provas mais evidentes que o ajudarão a melhor defender seus direitos. E quando o litígio desemboca na esfera judicial, consoante o previsto no sistema jurídico (com destaque para o CDC), existem várias outras formas – nem sempre restritas ao conjunto probatório – que, conforme cada caso, merecem ser criteriosamente utilizadas para alcançar este objetivo, tais como: a) aplicar o art. 83, do CDC, que diz serem admissíveis quaisquer espécies de ações para o consumidor defender seus direitos; b) utilizar o constante do art. 84, do CDC, no qual, em resumo, existe a prescrição de que na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento; c) valer-se do art. 101, do CDC, que permite a ação de reparação ser proposta no domicílio do autor; d) haver o auxílio da representação do consumidor em juízo através de Associações, Entidades, Órgãos Públicos ou Ministério Público, quando for de sua competência (art. 82, do CDC); e) desonerar os consumidores de fazer o depósito antecipado de custas quando se tratar de ação coletiva (art. 87, do CDC); f) aproveitar bem o previsto no art. 98, do CDC, que permite a execução coletiva de condenação genérica; g) beneficiar os consumidores com a mais abrangente aplicação possível do previsto nos arts. 103 e 104, do CDC, que trazem disposições pelas quais ficam afastadas a coisa julgada e a litispendência para que o consumidor possa se valer dos efeitos do processo; h) o juiz utilizar ao máximo possívelo contido no art. 130, do CPC para que as provas venham aos autos aclarar a verdade, o que beneficia o consumidor correto; i) o juiz abrandar para o consumidor a exigência do art. 337, do CPC e valer-se dos meios oficiais para obter a legislação; j) haver a utilização, com mais freqüência, da determinação de perícia (exame, vistoria ou avaliação), assim como, da possibilidade enunciada no art. 342, do CPC (sempre que o consumidor, por lapso, não fizer tal requerimento, mas o esclarecimento da verdade o recomende nestes processos que versam sobre direitos de ordem pública e interesse social); k) o juiz aplicar de forma mais constante a imposição de que o fornecedor ou terceiro, exiba documento ou coisa (com base nos arts. 355, 360 e 382, do CPC); l) praticar, de fato, o raramente utilizado recurso da inspeção judicial (arts. 440, 441 e 442, do CPC) e outros mais que são permitidos pelo sistema jurídico, desde que o julgador, em sua diligente atividade, veja como conveniente para o esclarecimento da verdade.

Acrescente-se, ainda, que o juiz pode determinar que órgãos públicos, em especial os com missão centrada na defesa ou proteção dos direitos dos consumidores, realizem exames técnicos, fiscalizações e vistorias que podem revelar provas importantes para o processo, assim como, contar com as medidas estabelecidas nas sanções administrativas, em específico nos arts. 55, 56 e 58, do CDC, desde que essas providências sejam úteis para a elucidação dos fatos e/ou para contribuir na solução do litígio.

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Conclui-se, portanto, que reside no correto manejo da noção de sistema jurídico, com a utilização adequada da enorme gama de possibilidades apresentada no contexto da legislação (na qual se inclui a inversão do ônus da prova, mas não se restringindo a ela), o melhor instrumento para que se alcance o desiderato previsto no inc. VII, do art. 6.º, do CDC, que é, de forma justa e socialmente contributiva, realmente haver para o consumidor, a facilitação da defesa dos seus direitos.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.