O grande aumento do fluxo turístico e de negócios resultantes do incremento do processo de globalização, caracterizado pelo maior volume de trânsito de pessoas, incentivou a que várias redes de hotéis de alto padrão se instalassem no Brasil. E com estas redes nacionais e internacionais vieram algumas práticas comerciais que antes não eram rotineiras na atividade hoteleira de nosso país. Independente da hospedagem ser em viagem de negócios, eventos, turismo ou lazer, estas contratações se modificaram bastante nos últimos tempos, a começar pela formacomo elas acontecem. As novas modalidades de comunicação que se popularizaram neste setor, tornando-se comuns às contratações via fax, internet ou telefone. O contato entre hóspede e hotel comumente passou a ser à distância, forma que agilizou/facilitou a contratação deste tipo de prestação de serviços. A par desta facilitação, entretanto, surgiram também alguns problemas quanto à proteção dos direitos legítimos dos consumidores. A maior parte destes problemas situa-se na fase de contratação, começando pelo fato de que este sistema de reservas via eletrônica, normalmente não proporciona documentos hábeis para que, em caso de eventual conflito que chegue à esfera judicial, as partes possam demonstrar os reais detalhes da contratação.
Nesta forma de contratar, no máximo, a parte fica com uma gravação ou uma comunicação eletrônica que pode imprimir, mas nesta última hipótese, normalmente nem sequer possui assinatura eletrônica para poder demonstrar sua autenticidade. Comprovar o que foi combinado na contratação, sempre é um problema quando não foi feito contrato escrito, principalmente nos casos em que uma das partes pretende receber multa da outra por descumprimento do contrato, por exemplo, quando o hotel não reservou o aposento ou o consumidor não compareceu para a hospedagem e nem entrou em acordo com a empresa para liberar a reserva. O mesmo acontece nas vezes em que o consumidor pretende reaver o que pagou antecipadamente quando do ato da reserva, sendo que desistiu posteriormente de se hospedar e a multa (que é, no mínimo, de uma diária) é inferior ao depósito que foi realizado. E, nesta circunstância, mesmo reconhecendo que os hotéis também são afetados por este problema de falta de documentação escrita e assinada, é muito útil e talvez única forma de aclarar e sanar a questão, que nos processo judiciais, o Juiz determine a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, inclusive com a inversão do ônus da prova, consoante o previsto no inc. VIII, do art. 6.º, da Lei 8.078/90. E esta providência se justifica por conta de que o fornecedor, no caso a empresa hoteleira, é que, como profissional do negócio, tem o domínio maior dos elementos da relação de consumo consistente no fornecimento do serviço. A ela cabe instaurar procedimentos para contratar de forma clara e segura.
Sem dúvida alguma, a qualidade dos serviços de hotelaria melhorou muito nos últimos anos, mas inúmeras questões ainda persistem, sejam as ligadas diretamente a falta de adequada informação quando da contratação, sejam as práticas como a que vamos a seguir analisar.
Grandes redes internacionais de hotéis passaram a adotar em suas unidades, a exigência de que o hóspede quando do check-in para a entrada, deixe um depósito em dinheiro ou forneça seu cartão de crédito para ser bloqueada uma quantia que servirá como garantia do pagamento de despesas que o consumidor possa vir a realizar durante a hospedagem. Explicando: os hotéis de categoria superior, principalmente os de nível internacional, costumam oferecer serviços como uso de internet, produtos que se encontram no frigobar, compra de direito a assistir filmes pagos em televisão por assinatura, alimentação extra, bebidas, souvenirs em loja situada no hotel, etc. Naturalmente, as empresas hoteleiras argumentam que este depósito existe para facilitar a estada do consumidor, pois caso ele deseje adquirir algo ou utilizar algum serviço não incluso na diária, não precisará estar portando dinheiro ou cartão de crédito no momento, pois o hotel já tendo o número dele e a reserva de um valor, terá facilitado o processo para cobrança, inclusive tornando mais simples e rápido o acerto de contas na saída. Segundo esta lógica, o referido depósito ou bloqueio de um valor no cartão de crédito, representaria uma comodidade para o consumidor, sendo que o valor não utilizado é devolvido ou liberado de imediato quando do check-out. Normalmente, estes depósitos solicitados giram em torno de R$ 100,00 (cem reais) ou US$ 50 (cinqüenta dólares) e não têm sido dispensados dele nem mesmo os hóspedes que tenham pago antecipadamente todas as diárias e aleguem nada desejarem consumir de extra.
A questão reside na legalidade desta prática que, normalmente, o consumidor só fica sabendo existir quando chega para se hospedar. Em verdade, independente de ser ou não cobrado o que o consumidor não consumiu, tem-se, juridicamente que se trata de prática abusiva. Tanto o consumidor não é obrigado a ter cartão de crédito, como igualmente, quem já pagou a hospedagem e não deseja adquirir nada do que seja adicionalmente ofertado pelo hotel, não tem o dever de trazer consigo qualquer importância em dinheiro para fornecer como garantia para o fornecedor. Outro aspecto substancial a considerar é que ninguém, de forma pressuposta e antecipada, pode ser considerado como sendo desonesto para ter de fazer um depósito prévio para garantir o que ainda não foi adquirido e talvez não o seja.
Portanto, a exigência de depósito prévio é prática comercial abusiva que deve ser coibida para que se respeite neste ponto os direitos do hóspede consumidor.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.