A estimulação direta ou indireta de comportamentos lesivos aos consumidores

Com muita freqüência nos deparamos com ?reportagens? que, veiculadas em nível nacional, fazem de conta de que estão a noticiar inocentemente certas tendências de comportamento. Quando esse tipo de reportagem se refere à futilidades como os donos levarem seus cachorros e gatos para fazer sessões de ofurô ou acupuntura, não vejo maiores conseqüências. Todavia, quando são seres humanos o alvo destas reportagens, a questão torna-se grave. São exemplos preocupantes desse tipo de matéria, as que, por anos, vem mostrando modelos extremamente magras como sendo um padrão físico a ser copiado ou as que agora se reportam a nova moda de crianças utilizarem telefone celular ou escolherem as marcas famosas que desejam vestir ou até as meninas de menos de 7 (sete) anos aderirem ao hábito de usar maquiagem específica para crianças, roupas de grife e mesmo marcar sessões em salões de beleza. Estas matérias tentam sempre mostrar a característica de novidade no que apresentam e o sentido de que se trata de uma moda que os mais avançados (ricos e famosos), ou no caso, as famílias com hábitos tidos como mais modernos, estão adotando na evolução de seus comportamentos.

Para alguns, sempre se trata de uma simples notícia sem conseqüências, pois existem apenas para ocupar espaços nos cadernos de variedades. Para outros, uma tendência que aqueles que quiserem ser ?modernos? devem imitar para se manterem atualizados. Por falta de informação e conhecimento (de educação para o consumo), poucos são os que enxergam os enormes malefícios desse tipo de ?reportagem? que, candidamente, faz de conta que apenas deseja noticiar um novo tipo de comportamento, uma inofensiva tendência que veio modificar a forma social de viver.

Na verdade, o certo é que estas matérias são uma forma de merchandising ilegal, que produz considerável impulso em favor dos interesses comerciais dos anunciantes.

Essa situação faz lembrar a campanha que, na segunda metade do século passado, acabou por causar a morte de milhares de crianças no continente africano. Explico: de forma maquiavélica, determinadas empresas multinacionais que desejavam vender leite em pó e outros produtos para alimentação infantil, passaram a financiar a veiculação de matérias com mulheres famosas e modelos que alardeavam não amamentar para não estragar o corpo. Tantas foram às matérias ?jornalísticas? que, copiando este tipo de comportamento, jovens mães passaram a evitar dar o seio para alimentar seus bebês e a lhes ministrar ?papinhas? e outros alimentos industrializados. O resultado foi que as referidas empresas obtiveram polpudos lucros através do aumento das vendas de seus produtos, mas, paralelamente, o prejuízo social foi irreparável, pois a mortalidade infantil subiu para níveis catastróficos.

Vender produtos ou serviços até chegar a dominar o mercado em regime de monopólio, é o sonho de qualquer empresa. E isto, por si só, não representa nada de errado, quando tal objetivo acontece com base na competência, na licitude, transparência e na eficiência ética.

No caso destas reportagens que fazem apologia velada de mulheres muito magras ou de crianças com hábitos de consumo totalmente despropositados para sua idade, intencionalmente ou não, temos um grande dano social. O modismo imitado de que a beleza impõe uma mulher magérrima, tem provocado um surto de anorexia em muitas adolescentes, que perdem a saúde desta forma. Já com relação às crianças, elas passam a ser conduzidas para uma formação consumista totalmente imprópria não apenas para sua idade, mas para toda a vida. Inclusive, desta forma, muitas delas apressam a chegada de sua adolescência, perdendo uma fase linda da vida (a infância) e desabrochando cedo demais para a sexualidade, razão pela qual a gravidez na adolescência tem sido um grande problema em nível nacional.

Não se pense que estas ?reportagens? são sempre inocentes e lícitas e que a lei não contém dispositivos para coibi-las. Ao contrário, sendo espécies de publicidades dissimuladas, por evidente, são abusivas em razão de se prevalecerem da deficiência de julgamento e pouca experiência das crianças e por induzirem os consumidores a se comportarem de forma prejudicial a sua saúde (§ 2.º, do art. 37, da Lei 8078/90). Observe-se que a Política Nacional de Relações de Consumo constante do Código de Proteção do Consumidor (art. 4.º), tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores quanto à melhoria de sua qualidade de vida. E, seguindo nesta linha, diz a referida norma que, por princípio, deve-se coibir e reprimir todos os abusos no mercado de consumo (inc. VI). Também faz parte dessa política nacional, o dever de fornecer educação para o consumo, algo que está sendo desrespeitado nestas reportagens. Complemente-se informando que não está havendo a devida ação governamental por iniciativa direta, conforme o estabelecido na letra ?a?, do inc. II, do mencionado dispositivo (art. 4.º, do CDC), até porque, quanto a isto, o Governo não faz estudo constante das modificações e tendências no mercado de consumo (conforme o previsto no inc. VIII, da mesma norma). Então, na prática, o Governo omite-se, por exemplo, desse seu dever de proibir tal, como deveria, que se fabrique e coloque no mercado (inclusive com publicidade), produtos de maquiagem específicos para crianças. Note-se que o preceito constitucional protetor da livre iniciativa que poderia laborar em favor das empresas que fornecem os referidos produtos, não supera a proteção do consumidor, principalmente porque esta está diretamente ligada à qualidade de vida das pessoas e se refere aos direitos mais próximos dos chamados direitos humanos.

Sabe-se que tem sido muito difícil obter consciência das famílias quanto à correta formação dos filhos. Em muitos casos, com o impulso da publicidade e de hábitos irrefletidos, o fetiche do consumo tem feito com que o ?ter? acabe sendo mais valorizado que o ?ser?. Este contexto mostra o quanto carecemos de educação para o consumo. Assim, deve-se identificar esses ardis instalados de forma dissimulada nessas ?reportagens? veiculadas com freqüência em nossos meios de comunicação favorecendo interesses de determinados fornecedores. E, por derradeiro, que o Estado faça cumprir a lei, proibindo que sejam produzidos e colocados no mercado certos produtos que são notoriamente inapropriados para crianças e adolescentes. Lei temos, falta aplicá-la!

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON