Oscar Ivan Prux
Com a crise econômico-financeira que principiou no mercado norte-americano e se propagou para o restante do mundo, atualmente não faltam defensores de uma maior intervenção do Estado na economia. Em primeiro lugar, entretanto, convém relembrar que estatizar atividades econômicas é procedimento que precisa seguir os parâmetros estabelecidos no artigo 173, da Constituição Federal, que diz: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Ou seja, o Estado somente deve exercer atividades fundamentais para a coletividade e que a iniciativa privada não tenha interesse ou não desenvolva com competência e respeito à legislação. Esse o parâmetro legal a ser obedecido, sob pena de descambar-se para alguma espécie de desvirtuamento do regime democrático, ao estilo do chamado “socialismo bolivariano” implantado na Venezuela. E pensar em mais participação do Estado, mesmo quando seja legal, naturalmente nos remete a questão da qualidade dos serviços públicos no Brasil, algo preocupante desde o descobrimento de nosso território.
Em diversos de seus dispositivos, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) trata do exercício de serviços públicos, inclusive deixando expressa a possibilidade do Estado se valer de concessões, permissões ou outras formas de exploração com participação da iniciativa privada (exemplo: parcerias público-privadas). Vale lembrar que o CDC se aplica somente aos serviços públicos classificados como uti singuli, pois não constituem-se em relações de consumo os denominados uti universi (não remunerados de forma específica e individualizada, considerando a quantidade de utilização).
A respeito de serviços públicos, o artigo 6.º, inciso X, do CDC prescreve que o consumidor tem como direito básico “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”. No que é corroborado de maneira mais abrangente pelo estabelecido no artigo 22, do mesmo Código, que diz: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.
Como no Brasil o sistema positivista prepondera e para o cumprimento da lei, é traço cultural haver um apego até exagerado a literalidade das palavras, convém examinar o sentido do estampado nas expressões contidas na norma, definindo a forma exata como devem ser prestados os serviços públicos em relações de consumo. Nesse contexto, então, vale consignar na análise dos dispositivos já referidos, o quão importante é observar-se não apenas alguma das palavras, mas a soma delas e o que concomitantemente significam como requisitos a serem cumpridos na prestação dos serviços públicos, seja pelo Estado diretamente (por suas empresas), seja por empresa privada que o exerça mediante uma das formas previstas na lei (mas com o ente público detendo o controle). É fundamental que exista a adoção e exigência desse caráter complementar quanto aos atributos que devem ser característica do serviço público (que conforme o CDC são: eficácia, eficiência, adequação, segurança e continuidade). Então cabe analisar a acepção exata de cada uma das referidas expressões, a fim de dimensionar o correto conteúdo delas e o que representam para a realidade prática do consumidor. Principiemos pela expressão “eficaz”, uma das palavras chaves constantes para determinar a qualidade do serviço prestado. Por serviço eficaz, acompanhando o que afirmam dicionaristas como Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, deve-se entender: “o que produz efeito desejado; que dá resultado. Que age com eficiência”. O serviço público eficiente, portanto, é aquele que atende integralmente a necessidade do consumidor. É o caso, por exemplo, do fornecimento de água, contando com suas características essenciais como a potabilidade, a quantidade de cloro, a quantidade de flúor, etc.
Desrespeitada qualquer dessas condições, o serviço perde sua eficácia, pois a água, muito mais do que matar a sede e servir para limpeza, deve ser fonte de saúde para a população. No caso da luz, o serviço deve suprir a necessidade de energia buscada pelo consumidor, de forma que esse possa iluminar os locais que deseja e fazer funcionar seus aparelhos eletrodomésticos. Ter energia apenas na hora errada ou em voltagem insuficiente, torna o serviço ineficaz. Objetivamente: independente da burocracia estabelecida unilateralmente pela empresa prestadora (que precisa estar conforme com a lei e cujo ônus não é de responsabilidade do consumidor), existe o dever de que o serviço público, no tempo certo, sirva realmente ao fim a que se destina em benefício dos adquirentes ou usuários.
Em uma visão simplista, pode parecer que com o dever de eficácia, o CDC tenha estabelecido o suficiente para relações de consumo bem constituídas, representando exagero o fato de ter incluído outras condições. Todavia, é pertinente observar que um serviço capaz de produzir o efeito desejado (ou seja, caracterizadamente eficaz), nem sempre respeita a natureza, bem como, pode ser exercido afetando os direitos dos demais consumidores (ex.: por preço injustificadamente diferenciado).
A conclusão a que se chega, portanto, é que serviço eficaz estampa-se naquele que satisfaz integralmente a legítima expectativa do consumidor, sem que venham a ser descumpridos quaisquer dos demais requisitos previstos na legislação, tais como adequação, eficiência, segurança e continuidade, todos muito importantes para a qualidade do serviço.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.