O consumo de água mineral engarrafada costuma ser associado a bons hábitos de saúde, seja por conta de que exerce o papel fundamental de hidratação com líquido tido como sem impurezas ou calorias, seja porque quem a consome passa a imagem de ser alguém que pratica exercícios ou, no mínimo, é ativo em seu cotidiano. O clima mais quente, naturalmente incrementa o consumo de água mineral, principalmente considerando que este deixou de ser um produto típico das classes com maior poder aquisitivo, seja devido a sua redução de preços, seja pela melhora da renda do brasileiro em geral. Aliás, esta queda no preço, muitas vezes tem explicações que não se relacionam a qualquer fartura ou ganho de escala no processo de produção e fornecimento, mas é resultado do fato de que existem empresas que simplesmente engarrafam água da rede pública (quando muito a filtram e a vendem como água ?natural? ou com sais adicionados), enganando os consumidores que acreditam estar comprando e consumindo produto advindo da natureza com características especiais em seus componentes e em seu grau de pureza.
Independente destas práticas delituosas dispostas para enganar o consumidor, o fato é que, nos tempos atuais, não cabe mais apoiar o consumo de água mineral engarrafada. Em nome da racionalidade e priorização do consumo sustentável, esta prática já deveria ter sido abandonada ou severamente diminuída, por uma série de motivos. Em primeiro lugar, pelo tanto de poluição causada pelo processo de coleta do produto na natureza (quando ele não vem diretamente da torneira), seu engarrafamento e distribuição. Os processos de produção de garrafas de vidro e plástico geram poluição e as máquinas de engarrafamento consomem energia originária de usinas cuja estrutura contribui para alterar gravosamente o ambiente natural (as hidroelétricas pelos imensos lagos reservatórios de água e as movidas por óleo ou gás, pela queima de combustível que polui o ar e aumenta o efeito estufa). E mais, depois de engarrafada, a água mineral é distribuída através de veículos cuja utilização também contribui para a poluição ambiental e aumento da temperatura da terra. Em segundo lugar, por conta de que a água mineral chega ao consumidor normalmente em garrafas de vidro ou de plástico, materiais poluentes e de demorada degradação, sendo que os processos de coleta de lixo e reciclagem adotados pela população não são capazes de garantir 100% de reaproveitamento. Tudo sem contar os acidentes com garrafas de vidro que ferem principalmente as crianças e a morte de animais (principalmente peixes) em razão de terem ingerido pedaços de plástico. Em terceiro lugar, devido ao fato de que a feitura de rótulos e publicidades por panfletos ou folders, implica na derrubada de árvores para fabricar papel e utilização de produtos químicos para cola (rótulos plásticos), sendo que o restolho deste material gera degradação ambiental, já que nunca acontece de ser absorvido pela natureza ou reciclado em sua totalidade. Em quarto lugar, considerando o exaurimento de recursos naturais devido á retirada em grande escala de água do subsolo, procedimento que provoca queda no nível ou eliminação de lençóis subterrâneos com conseqüências danosas ao meio-ambiente. E, em quinto lugar, considerando que os processos para manter gelada a água mineral engarrafada, também são causas de energia e poluição.
Independente destas constatações, cabe ressaltar, também, o fato de que o consumo de água mineral provoca o deletério efeito de conferir uma espécie de isenção tácita do dever de qualidade afeto às companhias encarregadas de fornecimento pela rede pública, o que é injustificável. As empresas fornecedoras têm o claro dever de assegurar o fornecimento deste líquido com padrões de qualidade inquestionável, até porque se trata de uma questão de saúde pública. E o que se nota é que, lamentavelmente, sempre que seu poder aquisitivo permite, o brasileiro costuma achar natural não confiar na qualidade da água da rede pública e comprar água mineral engarrafada. Ora, isto já não é aceitável em pleno Século XXI. O fornecimento de água pela rede pública é um serviço essencial pago pelo consumidor, de modo que as companhias não podem se eximir de seus deveres contratuais. Deveria ser um fato natural, fruto do desenvolvimento nacional, da prática da responsabilidade social e do cumprimento dos deveres contratuais para com o consumidor, que em cada torneira ligada à rede pública constasse que a água é potável podendo ser bebida sem qualquer outro tratamento (nem mesmo filtro de uso caseiro). A utilização de água mineral engarrafada deveria ser opção restrita, portanto, ao cumprimento de recomendações médicas em situações específicas ligadas a patologia (doença) do consumidor, a locais em que a rede pública não chega (que precisam ser raríssimos) e aos poucos momentos em que, no local público (em casa se tem geladeira ou freezer para resolver o problema), se necessite de água gelada.
Atualmente, já é indiscutível que a retirada de água das fontes naturais pode se constituir em uma agressão à natureza, bem como, que temos de ter consciência de que ela é recurso finito, que está se tornando mais rara e necessária do que petróleo, hoje origem de tantas guerras.
Sendo o Brasil um país abençoado com 14% de toda água existente no mundo, não convém proibir e tolher a livre-iniciativa do empresário que fornece água mineral engarrafada. Entretanto, quer sob o ponto de vista pessoal, quanto coletivo, deve-se educar o consumidor para que poupe água e, em especial, opte por práticas mais conformes com o consumo sustentável, além de exercer efetivamente seu direito a fornecimento público de água com qualidade.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.