O mercado de consumo está bastante conturbado, principalmente nos setores de telefonia, planos de saúde e transporte aéreo. Uma das razões tem sido a falta de uma aplicação mais profícua do princípio da ação governamental no mercado de consumo, expressamente elencado na Lei n.o 8.078/90. Existem opiniões contra e a favor das diversas modalidades de intervenção do Estado na economia (incluindo a ação das Agências Reguladoras), mas neste caso, se está a falar de um princípio inserto em norma com origem constitucional, claramente caracterizada por ser ordem pública e interesse social. Quem estuda o funcionamento da economia, percebe que a chamada ?mão invisível? que, segundo Adam Smith, seria o elemento propulsor e equilibrador capaz de justificar a liberdade nesse sistema, de fato não é automaticamente eficiente para garantir um funcionamento absolutamente adequado na seara do mercado de consumo. Há constatação de que o bom funcionamento desse sistema requer a existência de uma legislação adequada, controle atento do Estado (através do exercício das atribuições por parte de seus três Poderes) e fiscalização rigorosa dos agentes do mercado. Por vezes, são imprescindíveis medidas indutoras, ações controladoras e até efetivamente intervencionistas, já que tem sido fácil proliferarem os sistemas desleais de concorrência, propiciando prejuízos a consumidores e bons fornecedores cujo número se reduz no mercado. A atuação do CADE, por exemplo, quando avalia, permite, condiciona ou veda fusões ou aquisições de empresas, naquelas transações de porte vultoso que concentram o controle substancial do mercado em uma empresa ou grupo econômico (pondo em risco direitos dos concorrentes e dos consumidores), tem mostrado quão necessárias são as medidas capazes de, sem vedar a benéfica liberdade empresarial, conseguir que a atuação dos grandes capitais, mantenha-se dentro de princípios honestos e produtivos para a sociedade em geral. Deste modo, não remanesce dúvida que pertine ao Estado, pelo próprio fundamento que justifica sua existência, assumir deveres como promover o desenvolvimento e progresso social (segundo os termos do art. 170, da Constituição Federal), proteger os interesses legítimos dos consumidores e assegurar um meio ambiente sadio. Tais objetivos não podem ser conseguidos sem uma atuação ampla, que gere providências práticas abrangentes e realmente efetivas em áreas como as de produção, comercialização e, principalmente, consumo, que, basicamente, é a razão de existência das demais. Por isso, como medida de interesse social, o Estado tem o dever de tomar providências e criar condições que propiciem a proteção do consumidor, tendo em vista que isso afeta substancialmente a qualidade de vida daqueles com quem ele tem responsabilidade capital. Para cumprir esse desiderato, inclusive, o Estado precisa começar pelo ?dever de casa?, garantindo qualidade nos serviços públicos, bem como, agindo com competência (eficiência e rigor) no que lhe toca quanto ao mercado de fornecimentos que são de interesse coletivo. Tivesse este princípio que é dever, sido realmente cumprido pelo Estado através da ação efetiva de suas autoridades e não teríamos atualmente o caos aéreo que trouxe o elevado número de vítimas que o país tanto lamenta. Do mesmo modo, não teríamos tantas causas na Justiça devido a maus fornecimentos com danos para os consumidores.
A ação governamental precisa acontecer por medidas práticas como a presença de empresas estatais no mercado, a regulamentação adequada, a coibição de ações lesivas por parte de empresas detentoras de elevada parcela do mercado, a implantação de meios eficientes de controle e fiscalização para garantir que os produtos e serviços tenham padrões adequados de segurança, durabilidade, desempenho e demais elementos que compõem a qualidade. Conforme o previsto no art. 4.º, inciso II , letras ?a?, ?b?, ?c? e ?d?, do CDC, além destas iniciativas, inclui-se também neste dever atribuído ao Governo representando o Estado, o apoio à criação e desenvolvimento de associações representativas para proteção dos interesses dos consumidores, a criação e instalação de Procons, Delegacias, Promotorias e Juizados Especiais especializados na solução de questões de consumo, incluindo nesse contexto a assistência jurídica gratuita para os consumidores carentes (art. 5.º, do CDC). Estas são medidas deveras importantes, que se sobrepõem ao relevante debate a respeito dos méritos ou deméritos do Estado mínimo propugnado pela gestão democrático-liberal. E isto acontece, tanto pela relevância do interesse público envolvido, quanto pelo fato de que Estado mínimo não significa um Estado fraco, inoperante, sem controle da ordem vigente nas relações que acontecem no meio social. Note-se que a aplicação deste princípio da ação governamental no mercado de consumo interessa a todas as partes envolvidas. Ao consumidor de forma natural, pois compensa sua vulnerabilidade. E, ao fornecedor, tendo em vista eventuais desvios de conduta perpetrados nas práticas de mercado e que podem prejudicá-lo em seus interesses, como, por exemplo, quando acontece concorrência desleal, utilização indevida de inventos, marcas, signos, nomes comerciais e criações industriais. Em síntese: a aplicação prática do princípio da ação governamental é compromisso do Estado para com a sociedade, pois se trata de instrumento indispensável para assegurar que o mercado de consumo seja composto de práticas fundadas na competência e ética empresarial, sem desvios ou deturpações, de modo a proteger todos os atores destas relações, sejam eles consumidores, fornecedores ou terceiro que integram o contexto social.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.