União estável. Companheiro casado. Comunhão universal de bens. Partilha. Litisconsórcio. Cônjuge. Citação da mulher.

EMENTA

Necessidade de citação da mulher do réu, casado pelo regime de comunhão universal de bens, para a ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato e de partilha de bens. Ressalva do relator quanto à ação de reconhecimento e dissolução da união estável.

Recurso conhecido e provido.

(STJ/DJU de 12/12/05, pág. 386)

D. G. F. ajuizou ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato cumulada com pedido de partilha de bens e de pensão alimentícia contra J. A. V.

Os pedidos foram julgados improcedentes pelo MM. Juiz.

A autora apelou, e a egrégia Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por maioria, negou provimento ao recurso.

Foram rejeitados os embargos declaratórios opostos pela autora.

No julgamento dos embargos infringentes, a egrégia Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por maioria, acolheu os embargos, em acórdão assim ementado:

?Concubinato. Dissolução de sociedade de fato. Partilha de bens. Cooperação não econômica. Possibilidade.

No caso de dissolução de sociedade de fato, decorrente de concubinato, não depende a partilha de bens de uma efetiva participação econômica da convivente na formação do patrimônio, podendo, ao contrário, decorrer da simples colaboração da companheira nas lides domésticas, traduzidas pela administração do lar e pela educação dos filhos?.

Rejeitados os embargos de declaração, J. A. V. interpôs recurso especial, por ofensa aos arts. 47, parágrafo único, 535, I e II, e 608 do CPC; 262 e 266 do CC. Sustenta: a) nulidade do processo por ausência de citação da mulher, litisconsorte necessária em ação na qual a concubina pretende partilhar bens que compõem seu patrimônio, já que adquiridos pelo concubino na constância do casamento; b) omissão no exame de questões de fundamental importância ao desate da controvérsia (impossibilidade jurídica do pedido, por se tratar de sociedade de fato com homem casado, e necessidade de se determinar a liquidação por artigos), apesar dos embargos declaratórios interpostos, o que ofende o preceito que determina seja debatida, em toda a sua amplitude, a questão posta a julgamento; c) extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de sociedade de fato quando o homem é casado e de partilha de bens que integram o patrimônio comum do concubino e sua mulher; d) deve ser a partilha precedida de liquidação por artigos, ?à míngua de precisão acerca da data da separação de fato do recorrente e o início da convivência more uxório?.

Admitido o recurso por força de provimento regimental. O Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, conheceu do recurso e lhe deu provimento nos termos do voto do Relator:

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Relator):

(I) Trouxe para a sessão o seguinte voto escrito:

?1. A primeira questão diz com a necessidade de citação da mulher do réu, casado em regime de comunhão de bens, na ação de dissolução de sociedade de fato e partilha dos bens adquiridos durante a convivência, sem que tivesse havido separação judicial do casal. A ação de reconhecimento de união estável e sua dissolução é de caráter pessoal e pode ser intentada apenas contra o companheiro, sem necessidade de citação da mulher, dos filhos havidos no casamento ou de outro parente. Trata-se de situação personalíssima, que envolve apenas o interesse dos conviventes, assim como a ação de nulidade do casamento ou de divórcio. No caso dos autos, a autora promoveu ação de dissolução de sociedade de fato, que tinha por pressuposto a existência da própria união. Esse pedido foi julgado procedente pelo egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que afirmou no julgamento dos embargos infringentes: ?Assim, se a prova carreada aos autos demonstra existência de uma relação afetiva estável entre as partes, durante longo período, em que ambos viviam em uma mesma casa, relacionando-se, socialmente, como um casal, e tendo em vista, ainda, que desta união resultou o nascimento de um filho, afigura-se adequado concluir que a embargante, por significativo espaço de tempo, viveu como se esposa fosse do embargado, donde razoável sua pretensão de ver partilhado o patrimônio amealhado, no caso, não apenas pelo embargado, mas pelo casal? (fls. 314/315). Para esse julgamento, não era necessário ouvir a esposa do réu, pelo que inexistia litisconsórcio passivo dela quanto ao pedido de reconhecimento da união estável e sua dissolução. No que diz com o pedido de partilha de bens, porém, é possível, dependendo das circunstâncias da causa, que se faça indispensável a citação da mulher. Tenho-a por prescindível quando caracterizada nitidamente a separação de direito ou de fato do casal, com a formação de novo patrimônio, de modo que nenhum interesse da esposa possa ser entrevisto sobre tais bens. É uma realidade que atua também sobre o regime de bens, conforme já foi reconhecido neste Tribunal: ?A separação de fato, quando se prolonga no tempo, produz efeitos também sobre o regime de bens? (REsp n.º 127.077/ES, 4.ª Turma). Porém, no caso, (a) o réu é casado pelo regime da comunhão universal, (b) adquiriu os bens imóveis com expressa indicação de ser casado com Dalva Machado de Carvalho, (c) não há precisão quanto à data da separação, pois enquanto se diz que a união teve início em 1970, com nascimento da filha Viviene em 1974 (inicial, fl. 3), em 16 de março de 1975 nascia Flávio, filho do réu Jerônimo e de sua esposa Dalva (fl. 122); (IV) em 1994, o réu instituía hipoteca com a intervenção da esposa (fl. 94). Nesse contexto, é de se concluir que a esposa tem fundada pretensão em relação aos bens adquiridos pelo marido, que declinava sua condição de casado e a indicava como comunheira (fl. 63). Entregar a meação desses bens à companheira é também atingir o interesse da consorte, que para esse fim deveria ter sido chamada aos autos. Permanece, pois, a idéia de interesse da esposa, e para que se negue judicialmente o seu direito – nas condições do processo – é preciso que tenha ela figurado na relação processual. Talvez fosse desnecessária essa participação da esposa se a pretensão da autora fosse a de receber a metade da meação do réu, pois com isso estaria apenas atuando contra o marido. Mas não é assim, o seu pedido é de 50% do patrimônio constituído durante a união estável, o que lhe foi deferido. De qualquer forma, haveria ainda aí a investida contra o patrimônio imóvel comum do casal, a exigir a citação da mulher. 2. De outra parte, é de se afastar a alegação de ser impossível o reconhecimento de união estável de homem casado, conforme já foi acentuado na decisão proferida no agravo de instrumento: ?No tocante à impossibilidade jurídica do pedido, consta do acórdão proferido nos embargos de declaração: ?É certo que é admissível a pretensão de se dissolver a sociedade de fato embora um dos concubinos seja casado, desde que o casamento seja mantido apenas em sua formalidade, ou seja, desde que haja uma separação de fato? (fls. 142/143). E tal entendimento encontra eco em precedentes desta Corte: ?Segundo a jurisprudência do STJ, é admissível a pretensão de dissolver a sociedade de fato, ainda que um dos concubinos seja casado? (REsp 195157-ES, 4.ª Turma, rel. em. Min. Barros Monteiro, DJ 29.05.2000); ?III- É admissível a pretensão de dissolver a sociedade de fato, embora um dos concubinos seja casado. Tal situação não impede a aplicação do princípio inscrito na Súmula 380/STF? (REsp 117377/ES, 3.ª Turma, rel. em. Min. Waldemar Zveiter, DJ 05.04.99). (fls. 241/242). Na espécie, o companheiro estava separado de fato da esposa. Se fosse o caso, também não encontraria óbice para tal reconhecimento, mantendo o marido simultâneamente o lar conjugal e a união com outra mulher. Essa especial situação pode influir na apreciação do patrimônio comum, mas não impede que se reconheça a presença de todos os elementos exigidos para a união estável, especialmente quando as pessoas vivem em círculos sociais ou lugares diversos. 3. Portanto, deve ser mantido o julgado na parte em que reconheceu a existência de união estável entre autora e réu, com procedência do pedido de reconhecimento e dissolução dessa sociedade de fato, assim como ficou bem exposto no voto vencido do eminente Des. Monteiro de Barros, acolhido depois nos infringentes: ?Trata-se de ação ordinária de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, ajuizada por Daura Gonçalves Faria, em face de Jerônimo Alves Vasconcelos, objetivando a meação de bens adquiridos em decorrência do esforço comum e, ainda, a concessão de verba alimentícia. A prova carreada aos autos demonstra a existência de relação afetiva estável entre a apelante e o apelado, durante longo período. Vê-se que os mesmos coabitaram em uma morada e mantinham relações sociais com pessoas vinculadas à família. É de se acrescentar que desse relacionamento resultou, também, o nascimento de um filho? (fl. 254). 4. Não é aproveitável, porém, no que diz com a pretensão à partilha de bens, porquanto faltou a citação da esposa do réu, para o que deve ser instaurado novo processo, – considerando que este é válido e eficaz para o reconhecimento da união estável, – quando então será cumprida a exigência de citação também da mulher, litisconsorte necessária, dadas as particularidades assinaladas acima. 5. Posto isso, conheço em parte do recurso, por ofensa ao art. 47 do CPC, e lhe dou provimento, para acolher apenas em parte o pedido inicial e julgar procedente a ação de reconhecimento e de dissolução de união estável, remetendo as partes para as vias próprias a fim de ali ser decidido sobre a partilha dos bens comuns e o atendimento ao pleito alimentar, que não chegou a ser examinado nesta ação?.

(II) Porém, no debate mantido durante o julgamento, especialmente diante das manifestações do eminente Min. Cesar Asfor Rocha, todos os demais Ministros entenderam indispensável a citação da esposa também para a ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, uma vez que dessa sentença decorreria necessariamente efeito sobre o patrimônio comum, a atingir a posição jurídica da esposa. Daí a conclusão de que o processo deve ser anulado a partir do saneador, a fim de que se oportunize a integração da lide.

(III) Com ressalva da opinião expressa no n.º (I), acima, acompanho a douta maioria a fim de conhecer e dar provimento ao recurso, por ofensa ao art. 47 do CPC, para acolher a preliminar de nulidade do processo a partir da fl. 118 e assim permitir que a autora providencie a citação da esposa do réu.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e César Asfor Rocha.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.