Tóxicos. Associação eventual. Aumento de pena. Art. 18, III, da Lei nº 6.368/76. Regime integralmente fechado.

EMENTA

A causa específica de aumento de pena constante do art. 18, III, da Lei n.º 6.368/76, não sendo tipo autônomo de crime, segue o regime de cumprimento da conduta típica básica, tráfico de entorpecentes, sujeitando o apenado ao regime integralmente fechado.

Ordem denegada.

(STJ/DJU de 23/05/05)

Se o infrator é condenado por tráfico de drogas (art. 12 da lei 6.368/76) e por associação para o tráfico (art. 14 da lei n.º 6368/76), tem direito à progressão de regime em relação ao crime de associação, uma vez que a jurisprudência das instâncias extraordinárias considera que a lei 8.072/90 (que define os crimes hediondos e assemelhados) não se aplica ao tipo do art. 14. Porém, se não ocorrer uma vinculação associativa mais forte entre os participantes, aplicável será não o art. 14, mas, sim, o art. 18, inciso III, e não terá lugar a progressão porque não se trata de tipo autônomo de crime.

Como se vê, em relação ao mais (art. 14) cabe a progressão de regime em relação ao menos, art. 18, descabe o benefício.

É o que se extrai do presente acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro José Arnaldo da Fonseca:

O Exmo. Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca (Relator):

A pretensão de ver reconhecido o direito à progressão de regime, no tocante ao quantum do aumento da pena base, não condiz com a sistemática legal. Com efeito, ao admitir a associação eventual como causa específica de aumento de pena, quis o legislador atrelar a sua aplicação a tipos penais autônomos, tornando-a acessória destes.

No caso, a jurisprudência tem professado que o tipo autônomo do crime de associação (art. 14 da Lei de Tóxicos), este sim, não compõe o rol dos chamados crimes hediondos. A propósito, foi o que bem ressaltou a opinião ministerial, verbis (fls. 50/3):

?Não merece prosperar a pretensão exposta no presente remédio heróico.

Baseado na jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que veda a fixação de regime integralmente fechado (art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90) para o crime de associação permanente para o tráfico (art. 14 da Lei n.º 6.368/76), pretende o Impetrante que a mesma inteligência seja aplicada à circunstância de associação eventual para o tráfico (art. 18, III, da Lei n.º 6.368/76), causa de aumento de pena em que incorreu o Paciente quando da prática do crime descrito no art. 12 da mesma Lei.

Noutras palavras, defende a impetração o entendimento no sentido de que, para fins de progressão e de livramento condicional, somente está sujeita a regime integralmente fechado a pena do tipo básico do art. 12 da Lei n.º 6.368/76, enquanto que a pena correspondente ao acréscimo previsto no art. 18, III, do mesmo Diploma Legal, deve ser cumprida no regime apenas inicialmente fechado, pois nesta parte não se trata de crime hediondo.

Discordamos, porém, desse entendimento.

Na hipótese dos autos, observa-se que o Paciente foi condenado como incurso nas sanções do art. 12 c/c o art. 18, inciso III, ambos da Lei n.º 6.368/76, que rezam:

?Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa?.

?Art. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de um terço a dois terços:

………………………………………………………………

III – se qualquer deles decorrer de associação ou visar a menores de 21 (vinte e um) anos ou a quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação;?

Já o art. 14 da Lei n.º 6.368/76 dispõe:

?Art. 14. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 e 13 desta Lei:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.?

Ora, percebe-se claramente que o art. 14 da Lei n.º 6.368/76 não integra o tipo do art. 12, mas sim figura criminal autônoma. Tanto isto é verdade que pode haver uma associação para a prática de crimes de tráfico, sem que haja sido praticado crime de tráfico. As duas situações jurídicas são independentes entre si.

Nesse sentido, a doutrina é uníssona no sentido de que o crime do art. 14 é autônomo e se consuma ?com a efetiva associação de duas ou mais pessoas, para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 ou 13 da Lei n.º 6.368/76. Não é necessário que se verifique a prática de um dos crimes indicados, basta a associação com tal finalidade.? (MARCÃO, Renato Flávio. Tóxicos Leis n.º 6.368/1976 e 10.409/2002, anotadas e interpretadas. São Paulo, Saraiva: 2004, p. 177).

Por sua vez, a qualificadora do art. 18, III, da Lei n.º 6.368/76 vem agregada ao tipo fundamental do art. 12, e não existe como figura típica autônoma. Depende do tipo fundamental. Integra este, apenas para majorar a pena. Não existe sem ele.

Enfim, o art. 18 desta lei não cria figura típica própria, ou seja, não se trata de delito autônomo, como o tipo do art. 14, que serve para fixar a pena-base na primeira fase da aplicação da pena, mas sim de causa de aumento de pena (majorante), sendo aplicada pelo Juiz na terceira fase do cálculo da pena.

Noutras palavras, a circunstância descrita no art. 18, III, da Lei de Tóxicos, que incide na hipótese de mero concurso eventual, nada mais é do que um complemento à pena do art. 12 da Lei n.º 6.368/76, de modo que não pode ser confundida, como quer o Impetrante, com a hipótese prevista no art. 14 da mesma lei, que trata do delito autônomo de associação, não havendo se falar, assim, em ilegalidade na fixação da pena imposta na sentença.

Não há que se fazer distinção entre o regime de cumprimento da pena cominada pela prática do crime previsto no artigo 12 da Lei n.º 6.368/76 e a pena correspondente à majorante do artigo 18, inciso III, da mesma Lei, pois a majorante não pode ser entendida como se fosse crime autônomo.

Sendo assim, não poderia de outra forma ser determinado o regime de cumprimento da pena como requer o Impetrante, de uma forma no início e o final do cumprimento da pena em outro regime, pois a pena cominada foi única, e, sendo única, apenas um regime deve ser estabelecido.

Outra também não é a orientação desta Corte de Justiça, consoante se percebe dos seguintes precedentes:

?HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO CRIMINAL. CRIME HEDIONDO. ART. 12, C.C. O ART. 18, INC. III, DA LEI DE TÓXICOS. REGIME INTEGRALMENTE FECHADO. PRECEDENTES.

1. Condenado o paciente às penas do art. 12, c.c. o art. 18, inc. III, da Lei n.º 6.368/1976, não pelo delito de associação ao tráfico, não há que se falar na possibilidade de progressão de regime carcerário. Precedentes do STJ.

2. Ordem denegada?. (HC 31454/SP, 5.ª Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz, publicado no DJ de 22.3.2004).

?CRIMINAL. HC. EXECUÇÃO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. REGIME INTEGRALMENTE FECHADO DE CUMPRIMENTO DE PENA. LEI N.º 8.072/90. VEDAÇÃO LEGAL À PROGRESSÃO. CONSTITUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. ORDEM DENEGADA.

I. Hipótese em que o impetrante pretende se valer do entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, no sentido da inaplicabilidade da regra proibitiva de progressão ao condenado nas sanções do art. 14 da Lei 6.368/76.

II. Não se pode aplicar tal orientação, se evidenciado que o paciente foi condenado nas penas dos arts. 12, c/c o art. 18, inc. III, ambos da Lei de Tóxicos e, não, pelo delito de associação.

III. As condenações por tráfico ilícito de entorpecentes, delito elencado como hediondo pela Lei n.º 8.072/90, devem ser cumpridas em regime integralmente fechado, vedada a progressão.

IV. Constitucionalidade do art. 2.º, § 1.º, da Lei dos Crimes Hediondos já afirmada pelo e. STF.

V. A vedação é aplicada ainda que não se tenha explicitado o termo ?integralmente? fechado na decisão condenatória, eis que decorrente de expressa disposição legal. Precedentes.

VI. Ordem denegada?. (HC 26793/RJ, 5.ª Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, publicado no DJ de 19.5.2003).

Concluindo, temos que a condenação por crime elencado ou equiparado a hediondo, pela Lei n.º 8.072/90, deve ser cumprida em regime integralmente fechado, ex vi do § 1.º do art. 2.º da referida Lei que não admite a indigitada progressão postulada pelo Impetrante.?

Ante o exposto, denego a ordem.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Félix Fischer, Gilson Dipp, Luarita Vaz e Arnaldo Esteves Lima.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.