Existe, na jurisprudência, a exigência de que se faça a reiteração/ratificação de Recurso Especial e Recurso Extraordinário após a publicação de acórdão que houver julgado Embargos de Declaração da outra parte. Porém, há casos em que os tribunais abrandam tal formalidade. Veja-se um exemplo:
“PROCESSUAL PENAL. SÚMULA N.º 418 DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INAPLICABILIDADE À HIPÓTESE DOS AUTOS. REITERAÇÃO PERANTE A CORTE A QUO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS OPOSTOS POR CORRÉU. IMPROVIMENTO. AUSÊNCIA DE MODIFICAÇÃO, INTEGRAÇÃO OU SUPRESSÃO DOS JULGADOS ANTERIORES. RATIFICAÇÃO POSTERIOR DAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL PELO EMBARGANTE. DESNECESSIDADE. TEMPESTIVIDADE DO APELO NOBRE. CASO. EMBARGOS ACOLHIDOS.
1. Constatando-se que a situação fática tratada nos presentes autos é distinta daquelas que serviram de substrato à elaboração do Enunciado Sumular n.º 418⁄STJ, torna-se de rigor o afastamento do referido entendimento jurisprudencial à hipótese aqui versada, sob pena de se aplicar o mesmo direito à fatos diversos.
2. Tendo sido opostos, por corréu, segundos embargos de declaração perante o Tribunal local e desacolhida a insurgência ao fundamento de que a matéria nele versada já havia sido devidamente analisada, não havendo, assim, qualquer modificação, integração ou supressão nas decisões anteriormente proferidas, seria desarrazoado exigir ratificação posterior do apelo nobre pelo ora Embargante. Tal formalidade implicaria em malferição dos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas, da conservação dos atos processuais, do contraditório e da ampla defesa, não se compatibilizando a Súmula n.º 418⁄STJ com os princípios que regem hodiernamente o Direito Criminal.
3. Embargos de declaração acolhidos a fim de afastar a aplicabilidade do Enunciado Sumular n.º 418 desta Corte Superior à hipótese dos autos e, desta forma, prover o Agravo de Instrumento para determinar a subida do Recurso Especial para melhor exame da matéria nele versada.”
(STJ – AR no ED no AI 1203775/SP – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe de 29.8.11)
No acórdão, localizam-se os seguintes fundamentos:
“VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator):
(…)
Sobrevindo condenação, com publicação do acórdão no Diário da Justiça em 17⁄1⁄2008 (certidão de fl. 4731 e-STJ), foram opostos embargos de declaração por todos os réus, os quais restaram parcialmente providos em relação a NELSON MANCINI NICOLAU, para declarar seu direito de recorrer em liberdade, assim como juntar a transcrição do julgamento da ação penal na parte correspondente aos votos vencidos e não declarados. O julgamento foi publicado no Diário da Justiça em 24⁄10⁄2008 (certidão de fl. 5019 e-STJ).
Dessa decisão o corréu EDSON WAGNER BONAN NUNES opôs novos embargos de declaração, baseado em omissão referente a preliminar de inépcia da denúncia em relação ao embargante, pois que genérica, já que não houve indicação precisa acerca de quem praticou o crime, os meios empregados, o malefício causado, os motivos, a maneira, o lugar, enfim, de todas as circunstâncias do fato delituoso. Esses segundos embargos tiveram seu provimento negado, com publicação no Diário da Justiça na data de 27⁄11⁄2008 (certidão de fl. 5087 e-STJ).
Ocorre que, em 10⁄11⁄2008 (e-STJ fl. 5360), antes portanto, do julgamento dos segundos embargos de declaração, o ora embargante, NELSON MANCINI NICOLAU, interpôs Recurso Especial contra o acórdão proferido no julgamento da Ação Penal originária, complementado pelo acórdão pronunciado nos primeiros aclaratórios.
Ocorre que o Recurso Especial não foi ratificado depois da publicação do acórdão dos segundos embargos de declaração, fato que resultou em entendimento, tanto pelo Tribunal local, como por este Sodalício, em extemporâneidade recursal, conforme o disposto na Súmula n. 418⁄STJ, in verbis: ‘Súmula n. 418. É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.‘ Há muito venho refletindo sobre a aplicabilidade do Enunciado Sumular n.º 418 desta Corte Superior no âmbito do Direito Criminal.
Primeiramente, devo ressaltar que após longo estudo sobre as decisões que deram origem à Súmula n.º 418⁄STJ, constatei que os casos ali tratados em nada se correlacionam com a situação dos autos. É que naqueles acórdãos duas situações fáticas foram retratadas, sendo perfeitamente, em tais circunstâncias, possível a aplicabilidade do entendimento de que a interposição do recurso especial antes da publicação do acórdão que julgou os embargos de declaração⁄embargos infringentes, sem posterior ratificação, gera sua extemporaneidade pela prematuridade do apelo.
As situações abrangidas pelo Enunciado Sumular supramencionado são:
·Embargos de declaração interpostos pela parte contrária, enquanto a outra interpôs diretamente recurso especial;
·Embargos de declaração interpostos concomitantemente com o recurso especial pela própria parte recorrente.
Contudo, a situação dos autos cinge-se em reiteração de embargos de declaração interpostos por corréu, tendo sido negado provimento a este sob o fundamento de que a matéria – inépcia da denúncia pelo não preenchimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal – já havia sido devidamente analisada nos aclaratórios anteriormente interpostos, bem como no julgamento da ação penal originária.
Assim, penso eu melhor refletindo, que a parte ora embargante, não pode ser prejudicada pela reiteração na interposição dos aclaratórios por um dos co-acusados, principalmente se houver indícios de que os mesmos foram interpostos com finalidade protelatória, isto porque, não se pode prejudicar aquele que, de forma diligente e, visando a celeridade processual, após a publicação do acórdão que julgou anterior embargos de declaração interpostos por ele e demais corréus, interpôs, diretamente e dentro do prazo legal, o recurso especial a fim de que suas teses defensivas fossem devidamente analisadas por este Tribunal Superior.
Isto porque na esfera do procedimento penal, o que está em discussão não é apenas relações jurídicas privadas e sim a própria liberdade de locomoção do acusado, bem como o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa.
Exigir-se tal ratificação, após julgamento de embargos de declaração rejeitados pela Corte local, em que não houve modificação de absolutamente nada na situação jurídica dos sentenciados, afigura-se um excesso de formalismo, à luz dos princípios da celeridade processual e instrumentalidade das formas, principalmente no âmbito do Direito Processual Penal, onde se busca a maior aproximação possível com a verdade dos fatos (verdade real) e o máximo de efetivação da Justiça social.
Aliás, não é razoável exigir-se da parte que espere indefinidamente a posição dos demais corréus em não interporem inúmeros aclaratórios, ao final rejeitados ou improvidos, retardando, assim, desmotivadamente, o curso normal do processo.
Deve-se ressaltar que hodiernamente a doutrina e jurisprudência vem se posicionando no sentido de que não se deve exigir “a forma pela forma” pura e simplesmente, o que faz com que, várias nulidades relativas estejam sendo convalidadas já que, apesar de não realizadas de acordo com o texto expresso da lei, atingiram o fim para o qual foram criadas.
Tal raciocínio também deve ser aplicado no caso dos autos, uma vez que a exigência de ratificação das razões recursais do especial após publicação do acórdão dos embargos de declaração⁄embargos infringentes, se dá porque diante daquele novo julgamento poderia ser acrescido, modificado ou suprimido alguma questão de direito ou fática capaz de influenciar no apelo especial anteriormente interposto pelo Recorrente. Contudo, sendo os mesmos rejeitados, verifica-se a absoluta ausência de tais situações, não se podendo exigir o preenchimento de uma formalidade sem qualquer fim específico.
Portanto, improvido os segundos embargos por ter sido a matéria devidamente analisada e, não tendo sido os aclaratórios interpostos pela parte que subscreveu o recurso especial, não há razoabilidade em se exigir a ratificação posterior de sua razões recursais, uma vez que não houve qualquer modificação do julgamento dos embargos de declaração interpostos inicialmente e do acórdão que julgou a ação penal originária. Aliás, este é o único entendimento capaz de conciliar o Enunciado Sumular n.º 418 deste Sodalício Superior com os princípios que regem hodiernamente o Direito Criminal.
Não se trata aqui de negar aplicabilidade da mencionada Súmula ao Direito Processual Penal e, sim de se aplicar com ressalvas, a fim de conciliá-la com os princípios da instrumentalidade das formas, da celeridade processual, da conservação dos atos processuais, do contraditório e da ampla defesa, bem como de distinguir as situações por ela abrangidas, que como ressalvado acima, não se coaduna com a hipótese dos autos.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração para afastar a aplicabilidade da Súmula n.º 418 desta Corte Superior à hipótese dos autos e, desta forma, prover o Agravo de Instrumento para determinar a subida do recurso especial para melhor exame da matéria lá ventilada.
É o voto.” (destacamos)
N o t a s
Na legislação processual não há a exigência de que se reitere o Recurso Especial; essa obrigação também não consta no Regimento Interno dos tribunais superiores – e nem poderia, pois o regimento somente pode dispor acerca dos procedimentos dos recursos, e tal exigência configuraria verdadeira instituição de condição de admissibilidade, o que só poderia ser feito pela União mediante lei federal (CF, art. 22, I). O princípio da estrita legalidade em matéria penal (CF, art. 5º, II) não é apenas um paradigma de Direito Penal, mas, também, uma conquista irrevogável do Direito Processual Penal, que por vezes se revela sob o nome de devido processo legal (CF, art. 5º, inc. LIV). Consoante lição de Figueiredo Dias, “a consagração do princípio da legalidade é, em princípio e face ao que fica dito, de aplaudir; ela preserva um dos fundamentos essenciais do Estado-de-direito, enquanto põe a justiça penal coberto de suspeitas e tentações de parcialidade e arbítrio. Se fosse possível aos órgãos públicos encarregados do procedimento penal apreciar da ‘conveniência’ de seu exercício e omiti-lo por ‘inoportuno’, avolumar-se-ia o perigo do aparecimento de influências externas, da ordem mais diversa, na administração da justiça penal e, ao mesmo tempo, o perigo de diminuir (ou desaparecer) a confiança da comunidade na incondicional objectividade daquela administração” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Reimpressão. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 128. Destacamos).
As formalidades legais visam garantir estabilidade e segurança jurídica e devem sempre ser obedecidas. Entretanto, elas são apenas instrumentos para a realização do direito material e não um fim em si mesmas. Alcançada a finalidade sem a obediência à forma, não existe nulidade, como determina o art. 154 do CPC: “os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente o exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial“.
A condição da ratificação do recurso fere, ainda, o dispositivo constitucional que permite o livre acesso ao judiciário (CF, art. 5º, XXXV). A imposição de requisito não previsto em lei para que a pretensão recursal do jurisdicionado seja conhecida não pode ser interpretada de outra forma. Sabe-se que as cortes brasileiras estão sobrecarregadas de processos que aguardam julgamento e que, não preenchendo os requisitos (legais), os recursos não podem ser conhecidos ou providos. Entretanto, há meios legítimos de se fazê-lo, especialmente mediante a rígida e criteriosa análise dos pressupostos recursais (legais). Mas não se pode negar acesso aos tribunais superiores com base em requisitos que, por não serem previstos em lei, não são de conhecimento obrigatório da parte. Relembra-se que ninguém se exime de cumprir a lei – e não a jurisprudência – alegando o seu desconhecimento (LICC, art. 3º). Ou seja, “verbetes ou enunciados de Tribunais não equivalem a dispositivo de lei federal” (STJ – AI em REsp 595627/RS – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJ 19.4.04. Itálicos nossos).
Obviamente, os cidadãos devem, tanto quanto possível, informar-se do entendimento dos tribunais acerca da melhor interpretação da lei federal e da Constituição. No entanto, requisitos não exigidos pela lei e criados pela jurisprudência (sem que estejam sumulados) não podem ser compulsórios, ainda mais quando servem como forma técnica de negação de seguimento aos recursos. Na verdade, tal exigência somente obstaculiza a prestação jurisdicional, aumentando ainda mais o volume dos processos e recursos, pois uma negativa de conhecimento com base nessa ausência de ratificação certamente motiva cabimento de um Recurso Extraordinário, haja vista os vários dispositivos constitucionais violados.
Vale noticiar entendimentos minoritários firmando a desnecessidade de “ratificação” de Recurso Especial após acórdão que julgou Embargos de outra parte. Foram valiosas as considerações do Min. Luiz Fux, no julgamento do voto proferido no REsp 776265/SC, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, DJe de 6.8.07: “na essência, uma parte vai ser prejudicada porque a outra precisou de esclarecimento e ela se deu por esclarecida. Então, ela ofereceu o seu recurso especial. E a outra, que precisava ainda se esclarecer, ofereceu embargos de declaração. Então, se entendemos que o recurso especial de quem interpôs em primeiro lugar, e tem necessidade de um esclarecimento, fica considerado intempestivo porque os embargos de declaração da outra parte ainda não foram julgados, isso é o mesmo que imputar a uma parte o prejuízo causado pela outra. Então, cada parte cuida do seu recurso; se não há necessidade de a outra parte aguardar o esclarecimento de que a outra pleiteou tanto que ela se encontra plenamente esclarecida, por isso que recorreu, não se pode considerar o seu recurso intempestivo” (destacamos). Confira-se este julgado: “o recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos infringentes não necessita de reiteração, porquanto ataca tão-somente a parte unânime do acórdão, a qual se manteve incólume após a apreciação dos referidos embargos.” (STJ – AgRg no Ag 814.182/RJ – Rel. Min. Denise Arruda – 1ª T. – DJe de 3.5.07. Destacamos).
Ainda: “questão tida como superada no julgamento do recurso especial, ante a posição de que a ratificação só seria necessária se os aclaratórios fossem opostos pela mesma parte ou se, opostos pela parte contrária, dessem ensejo à alteração do julgado.” (STJ – EDcl no REsp 837411/MG – 2ª T. – Rel. Min. Eliana Calmon – DJe de 29.6.07. Itálicos nossos); “desnecessária a ratificação do especial, quando os embargos de declaração tiverem sido opostos pela parte contrária, por se afigurar excesso de formalismo, à luz dos princípios da celeridade processual e instrumentalidade das formas.” (STJ – AgRg nos EDcl no REsp 844271/MG – 2ª T. – Rel. Min. Castro Meira – DJe de 14.12.06. Itálicos nossos).
Sendo assim, vê-se que existe a orientação jurisprudencial pela desnecessidade de “ratificação” do Recurso Especial, a depender das particularidades da causa. A decisão ora comentada é escorreita, não apenas por fazer a devida diferenciação de procedimentos de natureza cível e criminal (o que, por si só, já é digno de mérito para questões processuais), como também por ressaltar a prevalência de valores constitucionais sobre exigências meramente formais.