Seguro. Suicídio não-premeditado. Equiparação ao acidente.

Recurso Especial n.º 304.286-SP

Rel.: Min. Ruy Rosado de Aguiar

EMENTA – Seguro. Suicídio. Acidente.

O suicídio não-premeditado equipara-se ao acidente, tendo a segurada o direito de receber a indenização correspondente à morte acidental. Precedentes.

Recurso conhecido em parte e provido.ª

(STJ/DJU de 6/5/02, pág. 295)

Um advogado de São Paulo, com sérios problemas de saúde (derrame, hipertensão arterial, etc.), tomando muitos remédios, acabou cometendo o auto-extermínio.

As questões postas em discussão nesta decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar, são duas: a) o que deve ser entendido como suicídio premeditado e não premeditado; b) no caso de suicídio não-premeditado pode o fato ser considerado como acidente?

Consta do voto do relator:

O ministro Ruy Rosado de Aguiar:

1. Na hipótese de seguro de vida e suicídio, ou o fato foi premeditado, e o contrato é nulo; ou o fato não foi premeditado, e a indenização deve ser paga. Na hipótese de ser devida a indenização, põe-se uma outra questão: sendo devida a indenização, será cabível o adicional correspondente ao fato morte resultante de acidente, ou essa parcela somente é devida no caso de suicídio não-premeditado, involuntário ou forçado?

Discute-se nos autos se o suicídio, quando não premeditado, pode ser definido como resultante de acidente, e assim originar o direito de a beneficiária receber o valor correspondente ao fato acidentário. Não se cuida, pois, de estabelecer se o suicídio anula o seguro, pois o contrato abrangia o fato morte natural independentemente da causa, e a companhia pagou a respectiva indenização, mas não quer pagar o adicional que corresponde à morte causada por acidente.

2. O r. acórdão recorrido concluiu ser impossível considerar-se o fato como morte acidental, porquanto o segurado assim o quis. Afastou a qualificação de suicídio premeditado, mas não qualificou o ato como sendo um acidente:

“Não vislumbro corretas as assertivas da apelante. Se o suicídio do segurado consistiu em ato voluntário, premeditado ou involuntário, não foi objeto de discussão pela seguradora, que efetuou o pagamento da indenização à beneficiária, como morte natural, independentemente do motivo. Mas, impossível considerar-se o fato como morte acidental, na medida em que o segurado assim o quis. Pode até ter sido um ato inconsciente do falecido e não-premeditado, mas seguramente, não é ato acidental” (fl. 153).

3. Diferentemente disso, a recorrente demonstrou existir dissídio sobre a indenização a ser paga ao beneficiário em caso de suicídio não-premeditado:

“A morte por suicídio involuntário ou não-premeditado corresponde a morte por acidente, devendo a indenização ser paga com base neste, não incidindo, portanto, a regra do parágrafo único do art. 1440 do CC que exonera o segurador na ocorrência voluntária ou premeditado”(1.º Ta Civ. SP – ap. 620.194-5 2.ª Câmara – j. 28/02/1996 – Rel. Juiz Nelson Ferreira) (fl. 175).

4. Nesse mesmo sentido são os precedentes das duas Turmas da Seção de Direito Privado:

(I) – “O aresto recorrido embora tenha concluído pela ocorrência do suicídio involuntário, afastou o direito à indenização, sob o fundamento de que esta hipótese não se constitui em acidente pessoal. Dele destaco os seguintes fundamentos: “Tudo leva a crer que ocorreu o suicídio involuntário, inconsciente, provocado pelo estado de embriaguez do segurado, acoplado a desgostos familiares resultantes talvez de procedimento incorreto da mãe do segurado. Esses elementos afastam a morte acidental resultante de mau manuseio de arma em conserto ou em limpeza. Todos os depoimentos se referem a suicídio e não a acidente. O suicídio era a referência corrente quando os familiares à época do evento. Por acidentes pessoais estava segurado o marido da autora. Pedro Alvim em “O Contrato de Seguro” diz (fl.. 249): `O suicídio involuntário encontra sua etiologia numa anormalidade psíquica do segurado, como ficou esclarecido antes. Provém de uma causa interna, isto é, de uma predisposição hereditária, de uma doença ou de uma perturbação, ainda que momentânea. `A exclusão da cobertura do seguro de acidentes pessoais é uma decorrência lógica da própria concepção do plano técnico. Se não cobre as doenças e moléstias, não poderia abranger o suicídio involuntário, que é necessariamente causado por moléstia psíquica do segurado. `Como se vê, o suicídio involuntário ou inconsciente não configura o acidente, pois é uma moléstia que só o seguro genérico de vida cobre. E estando o segurado coberto somente pelo seguro-acidente, não houve cobertura.'(fls.. 79/80). Assiste razão a recorrente, porquanto a matéria já se acha pacificada nesta Corte, através de ambas as Turmas, no sentido da cobertura do seguro de acidente pessoal, em caso de suicídio involuntário. Assim se expressou em seu primoroso voto o eminente ministro Barros Monteiro, ao relator o Resp n.º 194: `Ao considerar que a morte por suicídio, voluntário ou involuntário, não caracteriza acidente pessoal, o `decisum’, recorrido apartou-se da Súmula 105 do STF, que assim se exprime: `Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurado do pagamento do seguro’. Além disso, contratou com diversos outros julgados, que perfilham a tese consolidada pela referida súmula, quais sejam: RTJ 37/628; RTJ 75/297; RTJ 104/1.114, Ver. dos Tribunais 575/150; Rev. dos Tribunais 562/128 e Rev. dos Tribunais 520/253). `Eis a ementa do respectivo acórdão: `Direito civil. Seguro. Suicídio involuntário. É inoperante a cláusula que, nos seguros de acidentes pessoais, exclui a responsabilidade de seguradora em casos de suicídio involuntário. À seguradora, ainda, compete a prova de que o segurado se suicidou premeditadamente, com a consciência de seu ato. Recurso conhecido e provido.’ De igual modo, o REsp 6.729, relatado pelo preclaro ministro Eduardo Ribeiro, de acórdão assim sumariado: `Seguro – Acidentes pessoais. O suicídio não-premeditado é de considerar-se abrangido pelo conceito de acidente para fins de seguro. Invalidade da cláusula excludente desse risco. `Por oportuno trago também à colocação o RE 81.160, relatado em 1975 pelo saudoso ministro Cunha Peixoto: `Seguro de vida. Suicídio não-premeditado. A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal predomina no sentido de invalidade de cláusula que exclui indenização em seguro de vida inclusive de acidentes pessoais, se ocorrer suicídio não predeterminado e produzido pela perturbação mental do segurado'(RTJ 75/297). Isto posto, conheço do recurso por ambos os fundamentos e lhe dou provimento, para reformando o aresto recorrido, restabelecer a decisão de primeiro grau” (REsp n.º 16560/SC, 4.ª Turma, relator o eminente. ministro Fontes de Alencar, DJ 22.06/92).

(II) – “Seguro – Acidentes pessoais.

O suicídio não-premeditado é de considerar-se abrangido pelo conceito de acidente para fins de seguro. Invalidade da cláusula excludente desse risco” (REsp n.º 6729/MS, 3.ª Turma, relator o eminente ministro Eduardo Ribeiro, DJ 03.06.91).

(III) – “Direito civil. Seguro. Suicídio involuntário. É inoperante a cláusula que, nos seguros de acidentes pessoais, exclui a responsabilidade de seguradora em casos de suicídio involuntário.

À seguradoras, ainda, compete a prova de que o segurado se suicidou premeditadamente, com a consciência de seu ato. Recurso conhecido e provido”(REsp n.º 194//PR, 4.ª Turma, relator o eminente ministro Barros Monteiro, DJ 02.10.89).

3. Em resumo, todo suicídio é voluntário, diz Pontes de Miranda. A morte involuntária não é suicídio. O suicídio premeditado exclui a indenização (Tratado, 46/18). O suicídio que não é premeditado, mas é voluntário, dá direito à indenizaç ão. Nesse caso, equipara-se ao fato acidentário, porque “é causado normalmente por uma soma de fatores, não apenas internos mas também externos, assimiláveis a acidente. E, em contrato de adesão, não se há de admitir a exclusão de risco que é da essência do contrato de seguro” (do voto do ministro Eduardo Ribeiro no REsp 67029/MS).

4. O tema da prescrição deve ser julgado em desfavor da companhia seguradora. É que tem sido pacificamente admitido que o prazo prescricional para o beneficiário promover a ação de indenização é de vinte anos, nos termos do art. 177 do CC (REsp’s n.ºs 247347/MG, 4.ª Turma, relator o eminente ministro Barros Monteiro, DJ 24.09.2001; 151766/MG, 4.ª Turma, relator o eminente ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 16.03.1998; 193322/SP. 4.ª Turma, de minha relatoria).

5. A questão relacionada com o ônus da prova não foi posta pelo r. acórdão, que teve o fato como bem caracterizado. Admitiu que não se tratava de fato premeditado, e o teve como sendo ato voluntário, determinado talvez por problemas de saúde.

6. Em resumo, conheço em parte do recurso, pela alínea c, quanto ao tema do fato acidentário, e lhe dou provimento, para julgar improcedentes os embargos, com inversão dos ônus da sucumbência.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Aldir Passarinho Júnior, Barros Monteiro e César Asfor Rocha.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.