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Em decisão liminar, o STF reafirmou a prerrogativa legal, de que usufruem todos os advogados brasileiros, de somente serem recolhidos presos em sala de Estado-Maior. Na decisão abaixo, explicou o Ministro relator, Celso de Mello, que, caso não exista essa infra-estrutura para receber o Advogado, ele terá direito à prisão domiciliar. Confira-se a ementa:

“ADVOGADO. PRISÃO CAUTELAR. RECOLHIMENTO A SALA DE ESTADO-MAIOR. INEXISTÊNCIA DE REFERIDO ESTABELECIMENTO PÚBLICO. CONSEQÜENTE RECONHECIMENTO DO DIREITO À PRISÃO DOMICILIAR. PRERROGATIVA PROFISSIONAL QUE, ASSEGURADA PELO ESTATUTO DA ADVOCACIA, PREVALECE ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DE EVENTUAL SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA (CF, ART. 5º, LVII). SUBSISTÊNCIA DO INCISO V DO ART. 7º DESSE MESMO ESTATUTO (LEI Nº 8.906/94), NÃO DERROGADO, NO PONTO, PELA SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 10.258/2001. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LIMINAR DEFERIDA.”

Os fundamentos da decisão, em sua íntegra, são os seguintes:

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DECISÃO: Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, em que se sustenta que o ato ora questionado – emanado do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (HC 004514-88.2011.4.03.0000/SP ou 2011.03.00.004514-3/SP) – teria desrespeitado a autoridade da decisão que o Supremo Tribunal Federal proferiu no julgamento da ADI 1.127/DF, no qual se reconheceu a plena validade constitucional do art. 7º, inciso V, “in fine“, da Lei nº 8.906/94.

O eminente Juiz Relator do HC 004514-88.2011.4.03.0000/SP, no E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao denegar medida cautelar postulada em favor de Massao Ribeiro Matuda, acentuou que o magistrado de primeiro grau esclareceu o fato, juridicamente relevante, de que o Advogado em questão encontra-se recolhido na Penitenciária Tremembé II, em sala separada dos presos comuns; juntamente, porém com outros detentos que possuem curso superior“.

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Produziu-se, nos autos, documento emanado do Senhor Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que informa que a Polícia Militar paulista “não mais possui Sala de Estado-Maior com condições de segurança apropriadas para o que se requer“, enfatizando, ainda, que, em referido Estado, “nenhuma Unidade da Polícia Militar possui infra-estrutura para tal acolhida“.

Presente esse contexto, entendo que se impõe reafirmar, no caso em exame, a prerrogativa que o ordenamento positivo nacional confere aos Advogados, a quem se reconhece – desde que não haja “sala de Estado-Maior” – o direito à prisão domiciliar, até que sobrevenha o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V, “in fine“).

Essa prerrogativa legalinclusive no que concerne ao recolhimento a prisão domiciliar – tem sido garantida pelo Supremo Tribunal Federal, desde antes do advento da Lei nº 10.258/2001 (RTJ 169/271-274, Rel. Min. CELSO DE MELLO), subsistindo esse entendimento mesmo após a edição de referido diploma legislativo (RTJ 184/640, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA).

Cabe registrar, neste ponto, por extremamente relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o mérito da ADI 1.127/DF, Rel. p/ o acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI (acórdãoparadigma, cuja transgressão está sendo argüida na presente reclamação), entendeu subsistente a norma consubstanciada no inciso  V do art. 7º da Lei nº 8.906/94 (ressalvada, unicamente, por inconstitucional, a expressãoassim reconhecidas pela OABinscrita em tal preceito normativo), enfatizando, então, em referido julgamento plenário, após rejeitar questão prejudicial nele suscitada, que é inaplicável, aos Advogados, em tema de prisão cautelar, a Lei nº 10.258/2001.

Esta Suprema Corte, ao proceder ao exame comparativo entre a Lei nº 10.258/2001 e a Lei nº 8.906/94 (art. 7º, V), reconheceu, nesse cotejo, a existência de uma típica situação configuradora de antinomia em sentido próprio, eminentemente solúvel, porque superável mediante utilização, na espécie, do critério da especialidade (“lex specialis derogat generali“), cuja incidência, no caso, tem a virtude de viabilizar a preservação da essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ 172/226-227, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

ADVOGADO – CONDENAÇÃO PENAL MERAMENTE RECORRÍVEL – PRISÃO CAUTELARRECOLHIMENTO A ‘SALA DE ESTADO-MAIOR’ ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA – PRERROGATIVA PROFISSIONAL ASSEGURADA PELA LEI Nº 8.906/94 (ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V) – INEXISTÊNCIA, NO LOCAL DO RECOLHIMENTO PRISIONAL, DE DEPENDÊNCIA QUE SE QUALIFIQUE COMO ‘SALA DE ESTADO-MAIOR’ – HIPÓTESE EM QUE SE ASSEGURA, AO ADVOGADO, O RECOLHIMENTO ‘EM PRISÃO DOMICILIAR’ (ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V, ‘IN FINE’) – SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 10.258/2001 – INAPLICABILIDADE DESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO AOS ADVOGADOS – EXISTÊNCIA, NO CASO, DE ANTINOMIA SOLÚVELSUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE CONFLITO MEDIANTE UTILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE – PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA ADVOCACIACONFIRMAÇÃO DAS MEDIDAS LIMINARES ANTERIORMENTE DEFERIDAS – PEDIDO DE ‘HABEAS CORPUS’ DEFERIDO. (…).

(HC 88.702/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma)

 

Ao assim decidir, notadamente no julgamento que constitui o paradigma de confronto (ADI 1.127/DF), cuja invocação legitima a utilização da presente via reclamatória, o Supremo Tribunal Federal teve presentedentre outras lições expendidas por eminentes autores (HUGO DE BRITO MACHADO, “Introdução ao Estudo do Direito“, p. 164/166 e 168, itens ns. 1.2, 1.3 e 1.6, 2ª ed., 2004, Atlas; MARIA HELENA DINIZ, “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada“, p. 67/69, item n. 4, e p. 72/75, item n. 7, 1994, Saraiva; ROBERTO CARLOS BATISTA, “Antinomias Jurídicas e Critérios de Resolução“, “in” Revista de Doutrina e Jurisprudência-TJDF/T, vol. 58/25-38, 32-34, 1998; RAFAEL MARINANGELO, “Critérios para Solução de Antinomias do Ordenamento Jurídico“, “in” Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 15/216-240, 232-233, 2005, RT, v.g) – o magistério, sempre lúcido e autorizado, de NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico“, p. 91/92 e 95/97, item n. 5, trad. Cláudio de Cicco/Maria Celeste C. J. Santos, 1989, Polis/Editora UnB), para quem, na perspectiva sugerida pelo contexto ora em exame, e ocorrendo situação de conflito entre normas (aparentemente) incompatíveis, deve prevalecer, por efeito do critério da especialidade, o diploma estatal (o Estatuto da Advocacia, no caso) “que subtrai, de uma norma, uma parte de sua matéria, para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória) …” (grifei).

Vale relembrar, por oportuno, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Rcl 4.535/ES, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – tendo presente a orientação firmada na mencionada ADI 1.127/DF -, assegurou, a determinado advogado que havia sofrido prisão cautelar, o direito de ser recolhido a prisão domiciliar, em virtude da comprovada ausência, no local, de sala de Estado-Maior, por entender que o ato judicial objeto de tal reclamação transgredia a autoridade do pronunciamento desta Suprema Corte naquele processo de fiscalização normativa abstrata, que declarou subsistente o inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia, em face da superveniente edição da Lei nº 10.258/2001.

Mostra-se importante registrar, neste ponto, que essa orientação tem sido observada no âmbito desta Suprema Corte (Rcl 5.240-MC/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO – Rcl 5.488-MC/PR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Rcl 5.712-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Rcl 6.158-MC/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Assinalo, finalmente, que a presente decisão também observa, além dos precedentes referidos, a diretriz firmada no julgamento que esta Corte proferiu na Rcl 4.535/ES, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, consubstanciado em acórdão assim ementado:

I. Reclamação: alegação de afronta à autoridade da decisão plenária da ADIn 1127, 17.05.06, red. p/acórdão Ministro Ricardo Lewandowski: procedência.

1. Reputa-se declaratória de inconstitucionalidade a decisão que – embora sem o explicitarafasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição.

2. A decisão reclamada, fundada na inconstitucionalidade do art. 7, V, do Estatuto dos Advogados, indeferiu a transferência do reclamante – Advogado, preso preventivamente em cela da Polícia Federal, para sala de Estado Maior e, na falta desta, a concessão de prisão domiciliar.

3. No ponto, dissentiu do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 1127 (17.05.06, red. p/acórdão Ricardo Lewandowski), quando se julgou constitucional o art. 7, V, do Estatuto dos Advogados, na parte em que determina o recolhimento dos advogados em sala de Estado Maior e, na sua falta, em prisão domiciliar.

4. Reclamação julgada procedente para que o reclamante seja recolhido em prisão domiciliar – cujo local deverá ser especificado pelo Juízo reclamado -, salvo eventual transferência para sala de Estado Maior.

II.Sala de Estado-Maior‘ (L. 8.906, art. 7º, V): caracterização. Precedente: HC 81.632 (2ª T., 20.08.02, Velloso, RTJ 184/640).

1. Por Estado-Maior se entende o grupo de oficiais que assessoram o Comandante de uma organização militar (Exército, Marinha, Aeronáutica, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar); assim sendo, ‘sala de Estado-Maioré o compartimento de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmente, possa por eles ser utilizado para exercer suas funções.

2. A distinção que se deve fazer é que, enquanto umacela‘ tem como finalidade típica o aprisionamento de alguém – e, por isso, de regra contém grades -, umasalaapenas ocasionalmente é destinada para esse fim.

3. De outro lado, deve o local oferecer ‘instalações e comodidades condignas’, ou seja, condições adequadas de higiene e segurança.” (grifei)

Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida cautelar, em ordem a assegurar, até final julgamento da presente reclamação, e desde que ainda não transitada em julgado eventual condenação penal, o recolhimento, a prisão domiciliar, do Advogado Massao Ribeiro Matuda (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V, “in fine“), considerada a inexistência atestada pelo Senhor Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de São Paulo – de sala de Estado-Maior“, nas unidades da Polícia Militar paulista.

Destaco, por necessário, que caberá, ao Juízo da 5ª Vara Federal Criminal da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo/Capital (Ação Penal nº 0011672-18.2010.4.03.6181), determinar as normas de vigilância e de conduta de Massao Ribeiro Matuda, ficando igualmente autorizado a fazer cessar referido recolhimento domiciliar, se e quando se registrar eventual abuso por parte do Advogado em questão.

Comunique-se, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (HC 004514-88.2011.4.03.0000/SP ou 2011.03.00.004514-3/SP) e ao Juízo da 5ª Vara Federal Criminal da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo/Capital (Ação Penal nº 0011672-18.2010.4.03.6181).

Publique-se.

Brasília, 04 de abril de 2011.

 

Ministro CELSO DE MELLO

Relator”

(STF – Rcl 11515/SP – Rel. Min. Celso de Mello – DJe de 7.4.11. Destaques originais)

 

O STF, nos autos da Rcl 4535 (citados na decisão acima), já a teve oportunidade de esclarecer que sala de Estado-Maior é o ambiente de qualquer estrutura militar que possa ser utilizado por oficiais para o exercício de suas funções e que pode, eventualmente, receber presos. Uma cela, por sua vez, é destinada exclusivamente a receber presos e, por isso, tem grades. É certo que em ambas o poder público deve assegurar condições mínimas de dignidade aos cidadãos que estejam lá recolhidos.

A preservação da orientação do STF está de acordo com a importância assegurada ao Advogado pela própria Constituição Federal, em seu art. 133 (“o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei“). A Advocacia – função essencial à Justiça – é, antes de tudo, uma missão. Tal qual o Magistrado, o membro do Ministério Público ou outro operador do Direito, o sacerdócio do Advogado deve aliar técnica, ética, liberdade de consciência e, sobretudo, o sentimento de justiça.

Nesse ofício, o Advogado está impedido, por razões éticas, de sustentar absolvições ilegais ou de criar embaraços ao bom andamento dos processos. Deve requerer, tão somente, a aplicação de justa medida. Em célebre passagem, couture escreve:

“Muitos advogados, por confundirem os meios com o fim, mesmo de boa-fé, crêem aplicável ao litígio fadado ao insucesso a máxima médica que aconselha prolongar a todo o custo a vida do enfermo, à espera de que se produza um milagre. Os incidentes protelatórios, assim como os recursos infundados, constituem uma subversão de valores. Poderão todos esses ardis forenses ser eficazes em alguma oportunidade; entretanto, muito raramente serão justos. Em algum caso, poderão significar uma vitória ocasional; mas na luta o que importa é ganhar a guerra e não simples batalhas. E se, em determinado caso, algum advogado haja vencido a guerra mediante ardil, que não esqueça que, na vida de um advogado, a guerra é sua própria vida, e não efêmeras batalhas.”

(COUTURE, Eduardo. Os mandamentos do Advogado. 3a ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1987, p. 41.)

 

Portanto, o sentimento de justiça e a independência funcional (Lei 8.906/94, art. 31, §1o, “o advogado, no exercício de sua profissão, deve manter independência em qualquer circunstância“), embora relativos, não permitem a finta da lei para a perseguição de uma decisão favorável à parte. Entretanto, possibilitam ao Advogado desafiar o arbítrio e o abuso, mesmo que representados pela autoridade pública, desde que no fiel atendimento de seu mandato. O STF já decidiu, por exemplo, em um caso no qual um Advogado criticou um Magistrado, que o procurador exerceu seu direito de crítica e, assim, desempenhou conduta penalmente irrelevante. Veja-se:

“Crime contra a honra – prática atribuída a advogado – protesto por ele manifestado, em termos objetivos e serenos, contra magistrado – intangibilidade profissional do advogado – caráter relativo – liquidez dos fatos – ‘animus narrandi’ – exercício legítimo, na espécie, do direito de crítica, que assiste aos advogados em geral – descaracterização do tipo penal – ausência de justa causa para a ação penal – extinção do processo penal – recurso ordinário provido. inviolabilidade do advogado. (…) A jurisprudência dos Tribunais tem ressaltado que a necessidade de narrar ou de criticar atua como fator de descaracterização do tipo subjetivo peculiar aos crimes contra a honra, especialmente quando a manifestação considerada ofensiva decorre do regular exercício, pelo agente, de um direito que lhe assiste e de cuja prática não transparece o ‘pravus animus’, que constitui elemento essencial à configuração dos delitos de calúnia, difamação e/ou injúria.” (STF – RHC 81750 – Rel. Min. celso de mello – 2ª T. – DJ: 10.08.07.  Destacamos)

Como é consabido, os Magistrados e os membros do Ministério Público gozam do mesmo direito:

“A crítica judiciária, ainda que exteriorizada em termos ásperos e candentes, não se reveste de expressão penal, em temas de crimes contra a honra, quando, manifestada por qualquer Magistrado, no regular desempenho de sua atividade jurisdicional, vem a ser exercida com a justa finalidade de apontar equívocos ou de censurar condutas processuais reputadas inadmissíveis. Situação registrada na espécie dos autos, em que o Magistrado, sem qualquer intuito ofensivo, agiu no estrito cumprimento do seu dever de ofício (QC n. 501-DF, relator Ministro Celso de Mello). Queixa crime rejeitada.” (STJ – APN 256 – Rel. Min. barros monteiro – CE – DJ: 1º.08.06. Destacamos)