RECURSO ESPECIAL N.º 231.137/RS

Rel.: Min. Castro Filho

EMENTA

I – A presunção de culpa da transportadora pode ser ilidida pela prova de ocorrência de fato de terceiro, comprovadas a atenção e cautela a que está obrigada no cumprimento do contrato de transporte a empresa.

II – O arremesso de objeto, de fora para dentro do veículo, não guarda conexidade com a atividade normal do transportador. Sendo ato de terceiro, exclui a responsabilidade do transportador pelo dano causado ao passageiro. Precedentes.

Recurso especial provido.

(DJU de 17/11/03, pág. 317)

Com base em precedentes de sua Segunda Seção, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Castro Filho, que o arremesso de pedra, de fora do veículo transportador, causando lesão em passageiro, constitui ato de terceiro, estranho ao contrato de transporte, pelo qual a empresa transportadora não responde.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Castro Filho (Relator): Sustenta o recorrente, em síntese, que, “o atual entendimento pretoriano pátrio, em consonância aliás com o predominante e moderno ensinamento da doutrina, estabelece, com precisão, divergindo claramente do que foi consagrado pela respeitável decisão atacada, que o fato de terceiro estanho ao transporte, à semelhança do que ocorre com o ‘caso fortuito’ e a ‘força maior’, é causa elididora da responsabilidade civil objetiva do transportador, e que a alusão ao fato de terceiro, mencionado na Súmula 187, do egrégio STF, diz respeito àquele fato referente aos normais riscos da atividade da empresa transportadora”, ao qual o arremesso de pedra por estranho não está equiparado.

Cita jurisprudência em abono de sua tese, inclusive desta Corte, como o REsp. n.º 13.351/RJ, relator Ministro Eduardo Ribeiro (DJ de 24/02/1992), assim ementado:

“RESPONSABILIDADE CIVIL – ESTRADA-DE-FERRO – LESÕES EM PASSAGEIRA, ATINGIDA POR PEDRA ATIRADA DO EXTERIOR DA COMPOSIÇÃO. O FATO DE TERCEIRO QUE NÃO EXONERA DE RESPONSABILIDADE O TRANSPORTADOR E AQUELE QUE COM O TRANSPORTE GUARDA CONEXIDADE, INSERINDO-SE NOS RISCOS PRÓPRIOS DO DESLOCAMENTO. O MESMO NÃO SE VERIFICA QUANDO INTERVENHA FATO INTEIRAMENTE ESTRANHO, DEVENDO-SE O DANO A CAUSA ALHEIA AO TRANSPORTE EM SI. A PREVENÇÃO DE ATOS LESIVOS, DA NATUREZA DO QUE SE COGITA NA HIPÓTESE, CABE A AUTORIDADE PUBLICA, INEXISTINDO FUNDAMENTO JURÍDICO PARA TRANSFERIR A RESPONSABILIDADE A TERCEIROS.”

Com efeito, a Segunda Seção desta Corte assentou entendimento no sentido de que o fato de terceiro que não exonera o transportador de responsabilidade é o que guarda conexidade com a atividade, inserindo-se nos riscos próprios do deslocamento. O arremesso de objeto para o interior do veículo, tomadas as devidas cautelas por parte da empresa transportadora, é ato de terceiro excludente de sua responsabilidade.

Nesse sentido, confiram-se os Recursos Especiais n.ºs 38.816/RJ, relator Ministro Nilson Naves, DJ de 14/11/1994, 108.757/SP, relator Ministro Fontes de Alencar, DJ de 15/05/2000, AG n.º 464.565/RS, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 31/10/2002, e 154.311/SP, relator Ministro Ari Pargendler, este último assim ementado:

“CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. Arremesso de pedra, de fora do trem, causando lesões em passageiro, é ato de terceiro, estranho ao contrato de transporte, pelo qual a companhia transportadora não responde. Recurso especial conhecido e provido.”

In casu, não foi apontada nenhuma negligência da empresa de ônibus com a segurança dos passageiros. Salientou, tão-somente, o acórdão recorrido a demora na comunicação do fato à polícia rodoviária, o que teria dificultado a identificação do autor da agressão, impossibilitando o exercício do direito de regresso.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para julgar improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que arbitro em R$ 3.000,00 (três mil reais).

É como voto.

Processual Penal. Vara de Auditoria Militar estadual. Competência para o processo e julgamento de ações penais genéricas.

HABEAS CORPUS N.º 24.719/RO

Rel.: Min. Felix Fischer

EMENTA – I – O c. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 1218-5, entendeu que o art. 94, IX, da Lei Complementar do Estado de Rondônia n.º 93/94, que atribuiu à Vara de Auditoria Militar a competência para o cumprimento das cartas precatórias criminais e o processamento de feitos criminais genéricos, não conflita com o preceito contido no art. 125, § 4.º, da CF.

II – A competência fixada para a Vara da Auditoria Militar pelo art. 94, IX, no que se refere ao processamento das ações criminais genéricas, deve ser compreendida também para o seu julgamento, uma vez que o processamento do feito pressupõe a competência para o proferimento de decisão, sobretudo quando o juízo da instrução é conhecedor da prova a ser valorada quando da prolação da sentença de mérito.

Ordem denegada.

(STJ/DJU de 1/12/03, pág. 374)

A lei complementar estadual n.º 93/94, do Estado de Rondônia, conferiu à Vara de Auditoria Militar a competência para o cumprimento das cartas precatórias criminais e o processamento de feitos criminais genéricos.

Art. 94 – Na Comarca de Porto Velho a prestação jurisdicional será realizada através dos seguintes juízes:

IX – 1 (uma) Vara de Auditoria Militar, com competência também para o cumprimento das cartas precatórias criminais e processamento de feitos criminais genéricos;

Considerou o Supremo Tribunal Federal, apreciando Ação Direta de Inconstitucionalidade (n.º 1.218/5), a constitucionalidade dessas disposições, entendendo que não conflitam com os arts. 124 e 125, § 4.º da Constituição Federal:

Art. 124 – À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Art. 125 – Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 4.º – Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, Relator o Ministro Félix Fischer, denegou “habeas corpus” impetrado pelo Ministério Público, postulando a anulação de processo por crime comum em tramitação na Vara da Auditoria Militar de Rondônia.

Consta do voto do Relator.

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: Busca-se no presente mandamus a anulação de ato que, com base nas disposições contidas no art. 94, IX, da Lei Complementar do Estado de Rondônia, determinou que fosse processado e julgado perante a Vara de Auditoria Militar feito criminal genérico, na espécie, a ação penal pelo suposto cometimento do delito previsto no art. 121, caput, c/c o art. 14, II, todos do CP.

No caso em comento, a liminar pleiteada foi concedida. Entendi, na ocasião, que o requisito do fumus boni iuris estava atendido na medida em que o paciente estava sendo processado por juiz incompetente, haja vista o disposto nos arts. 124 (“À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”) e 125, § 4.º (“Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao Tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.”), da CF.

Entretanto, a decisão concessiva da liminar deve ser cassada. Sucede, segundo bem destacado pelas informações prestadas pela e. Corte a quo, que o c. Supremo Tribunal Federal, apreciando a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1218/5, decidiu pela constitucionalidade dos arts. 94, IX, e 106 da Lei Complementar de Rondônia n.º 93/94. O art. 94, IX, da legislação estadual assim dispõe:

“Art. 94. Na Comarca de Porto Velho a prestação jurisdicional será realizada através dos seguintes juízes:

IX – 1 (uma) Vara de Auditoria Militar, com competência também para o cumprimento das cartas precatórias criminais e processamento de feitos criminais genéricos;”

No voto condutor da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade entendeu o em. Relator que a Lei de Organização Judiciária local, mais especificamente os seus arts. 94, IX, e 106, não se encontram em confronto com o art. 125, § 4.º, da CF. Com efeito, dúvida mais não há acerca da constitucionalidade da disposição contida no art. 94, IX. Apropriado, pois, o processamento de feitos criminais genéricos, especificamente, a teor do referido voto, o cumprimento de cartas precatórias, pelo DD. Juízo da Vara da Auditoria Militar. Fica, pois, afastado os fundamentos que embasaram o decisório concessivo da pretensão liminar. Afasto, da mesma forma e pelas mesmas razões, a pretensão do impetrante de verem anulados os atos decisórios praticados pelo DD. Juízo da Vara da Auditoria Militar.

Resta saber, agora, do alcance do disposto no art. 94, IX. Dispõe este artigo, em uma interpretação literal, que a competência da Vara da Auditoria Militar restringe-se ao processamento dos feitos criminais genéricos. Ou seja, nada diz acerca do julgamento desse feito, o que, a princípio, justifica a remessa da ação penal para o Juízo Comum para que aí seja sentenciado o feito.

Todavia, a e. Corte a quo, interpretando tal dispositivo, entendeu que ao DD. Juízo da Vara da Auditoria Militar compete não apenas o processamento do feito, mas também o respectivo julgamento. Transcrevo, oportunamente, as razões utilizadas para motivar a sua conclusão:

“Não obstante a impropriedade do texto, que se refere apenas a processamento dos feitos, não há como negar que o melhor Juiz para proferir decisão é aquele que recebeu a denúncia, fez a colheita de provas, decidiu acerca dos incidentes processuais, também já de pose das alegações finais, etc.

Com efeito, deve-se levar em conta que o Juiz não atua, data venia, como um mero robô na aplicação da lei, que sopesa as provas e determina qual possui maior valoração, mecanicamente. Ao contrário, ele deve ter contato com as partes, motivar suas decisões, especialmente no crime, no qual tem o dever de valer-se dos critérios constantes do art. 59 do Código Penal para a fixação da pena-base.

Desta forma, ninguém melhor que o próprio Juiz que instruiu todo o processo para decidi-lo, por ter melhores condições para analisar o caso em sua plenitude, o que só vem atender o princípio constitucional do Juiz natural, Juiz certo, bem como o princípio da identidade física do Juiz, consagrado na jurisdição civil, não tendo como ignorá-lo na esfera penal.

Como bem salientou a Procuradoria de Justiça, por meio do Dr. Julio Cesar do Amaral Thomé, “a lei não possui expressões dúbidas, e o processamento do feito pressupõe a competência para o seu julgamento (…) Raciocinar que o Juiz tem competência para processar o feito mas não possui competência para julgá-lo, é uma raptio diminutio”.

Em face do exposto, diante dos argumentos acima expedidos, declaro competente o Juízo da Auditoria Militar para o qual determino a remessa dos autos para processamento e julgamento do feito.

É o meu voto.” (Fl. 142).

É certo que no processo criminal não vige o princípio da identidade física do juiz. Todavia, não vejo plausibilidade na interpretação do contido no art. 94, IX, de que a competência da Vara da Auditoria Militar restringe-se ao processamento dos feitos criminais genéricos. Ora, se este órgão jurisdicional processou o feito, colhendo provas, decidindo incidentes processuais, recebendo as alegações finais, não há razão para que se remeta os autos a outro juízo, para que este, tão-somente, julgue a ação penal. Até porque o primeiro juízo, por haver instruído o feito, tem, a princípio, melhores condições para dirimir o litígio. Entendo, por isso, que não obstante o referido dispositivo conter, apenas e tão-somente, a expressão “processamento”, esta pressupõe, também, a competência para o julgamento do feito. Concluo, pois, que o DD. Juízo da Auditoria Militar possui competência para prolatar a sentença de mérito.

Diante dessas considerações, denego a ordem. Por conseguinte, revogo a medida liminar anteriormente deferida (fls. 156/157).

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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