Responsabilidade Civil. Transação extrajudicial celebrada pela mãe em nome de filha menor absolutamente incapaz. Ato que extrapola a simples gerência e administração do patrimônio. Autorização judicial e intervenção do Ministério Público imprescindíveis.

EMENTA

– ?A transação, por ser negócio jurídico bilateral, que implica concessões recíprocas, não constitui ato de mera administração a autorizar o pai a práticá-la em nome dos filhos menores independentemente de autorização judicial. Realizada nestes moldes não pode a transação ser considerada válida, nem eficaz a quitação geral oferecida, ainda que pelo recebimento de direitos indenizatórios oriundos de atos ilícitos.? (REsp n.º 292.974-SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi.)

– Uniformização da jurisprudência pela C. Segunda Seção: ?São indispensáveis a autorização judicial e a intervenção do Ministério Público em acordo extrajudicial firmado pelos pais dos menores, em nome deles, para fins de receber indenização por ato ilícito.? (EREsp n. 292.974-SP, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.)

Recurso especial conhecido e provido.?

(STJ/DJU de 13/12/04, pág. 362)

Partindo do princípio de que a transação extrajudicial constitui negócio jurídico bilateral, implicando sempre em concessões recíprocas, não pode ser havida como ato de simples gerência e administração de patrimônio. Portanto, são indispensáveis a autorização judicial e a intervenção do Ministério Público em acordo extrajudicial firmada pelos pais dos menores, em nome deles, para fins de receber indenização por ato de ilícito.

Acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Barros Monteiro, com o seguinte voto:

O Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator):

A autora, à época, menor absolutamente incapaz, representada por sua genitora, em conformidade com o recibo constante de fls. 131, celebrou a transação com a ré em torno do acidente havido com o coletivo de propriedade desta última, em virtude do qual o seu pai veio a falecer, dando-lhe plena, geral e irrevogável quitação.

A questão jurídica enfocada neste feito diz com a interpretação do art. 386 do antigo Código Civil e consiste em saber se a transação extrajudicial realizada pela mãe com a ré, em nome da menor, ultrapassou ou não os poderes de simples administração de seu patrimônio.

O tema já passou pelo crivo desta Corte em algumas oportunidades. A Quarta Turma, quando do julgamento do REsp n.º 4.129-MG, de minha relatoria, entendeu ser válida a transação extrajudicial efetivada pela mãe, uma vez que inserida dentre os poderes de administração inerentes ao poder familiar. Todavia, dessa orientação dissentiu a C. Terceira Turma ao apreciar o REsp n.º 292.974-SP, de que foi Relatora a Ministra Nancy Andrighi, em acórdão que porta a seguinte ementa:

?Recurso Especial. Indenização por danos materiais e morais. Transação extrajudicial celebrada pelo pai, em nome dos filhos menores. Recebimento de direitos indenizatórios por atos ilícitos relativos. Quitação geral. Pátrio poder. Poderes de administração dos bens dos filhos. Ato que extrapola a simples gerência e conservação do patrimônio dos menores. Autorização judicial. Imprescindibilidade. Intervenção do Ministério Público. Obrigatoriedade. Art. 82, II, do CPC.

– O Código Civil outorga aos pais amplos poderes de administração sobre os bens dos filhos, mas estes não abrangem os atos que extrapolem a simples gerência e conservação do patrimônio do menor. Não podem, assim, praticar atos de disposição, a não ser nos casos especiais mencionados no art. 386 do CC, mediante as formalidades legais exigidas.

– A transação, por ser negócio jurídico bilateral, que implica concessões recíprocas, não constitui ato de mera administração a autorizar o pai a praticá-la em nome dos filhos menores independentemente de autorização judicial. Realizada nestes moldes não pode a transação ser considerada válida, nem eficaz a quitação geral oferecida, ainda que pelo recebimento de direitos indenizatórios oriundos de atos ilícitos.

– O Ministério Público atua para proteger interesses indisponíveis. No rol destes estão os relacionados à patria potestas. É de interesse do Estado assegurar a proteção da relação que envolve pais e filhos. Neste diapasão, quaisquer questões relativas aos direitos de ordem patrimonial dos filhos, assim como, aqueles que concernem ao usufruto e administração pelos pais sobre seus bens, transcendem a órbita do direito privado e justificam a atuação do Ministério Público na causa concernente, com arrimo art. 82, inciso II, do CPC.

– Com vistas a impedir atos fraudulentos ou o propiciar de perdas desvantajosas para o menor, competirá ao Ministério Público, nestes casos, coadjuvar seu representante na defesa dos interesses que estão afetos ao incapaz, bem como, fiscalizar os negócios por ele praticados que impliquem vedada disposição de bens. Tal participação é obrigatória, sob pena de nulidade.

– Recurso especial a que se nega provimento.?

A Ministra Relatora, em seu douto voto, destacou o aspecto de que a norma do art. 386 do Código Civil/1916 é de cunho cogente e, por estar diretamente ligada ao interesse do menor, não pode ser derrogada por convenção das partes. Ademais, assinalou que ?a transação extrajudicial, negócio jurídico bilateral, implica sempre em concessões recíprocas; não constitui ato de mera administração a autorizar o pai a praticá-la independentemente de autorização judicial?.

Portanto, tal diretriz veio a prevalecer no seio da C. Segunda Seção, por maioria de votos. Foram levados a exame daquele órgão julgador os Embargos de Divergência no REsp 292.974-SP, sob a relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, restando assim assentado em verdadeira uniformização jurisprudencial que:

?CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DISSÍDIO CONFIGURADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL INTERESSE DE MENOR. VALIDADE. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL E ANUÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OBRIGATORIEDADE. CÓDIGO CIVIL, ART. 386. DECLARAÇÃO DE QUITAÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRECEDENTES. EMBARGOS DESPROVIDOS.

I – São indispensáveis a autorização judicial e a intervenção do Ministério Público em acordo extrajudicial firmado pelos pais dos menores, em nome deles, para fins de receber indenização por ato ilícito.

II – A transação firmada sem observância desses requisitos não impedirá o ajuizamento da ação correspondente, ressalvando-se, no entanto, a dedução, a final, do valor pago no acordo, para evitar o enriquecimento sem causa.

III – A jurisprudência deste Tribunal, mesmo nos casos em que não haja interesse de menor, tem decidido que a declaração de plena e geral quitação deve ser interpretada modus in rebus, limitando-se ao valor nela registrado. Em outras palavras, "o recibo fornecido pelo lesado deve ser interpretado restritivamente, significando apenas a quitação dos valores a que refere, sem obstar a propositura de ação para alcançar a integral reparação dos danos sofridos com o acidente".

Nesses termos, diante do que restou decidido pelo órgão incumbido de uniformizar a jurisprudência no âmbito desta Corte, dúvida não paira de que a transação extrajudicial, realizada pela genitora em nome da menor, por importar em disposição de direitos indenizatórios do incapaz, extrapola sobremaneira os denominados atos de simples administração, razão por que a conseqüência inexorável é o decreto de sua invalidade.

Releva notar que este órgão fracionário do Tribunal, há poucos dias, julgou o REsp n.º 171.918-MG, Relator Ministro Fernando Gonçalves, mas nele o acordo impugnado teve a assistência do Ministério Público.

Em suma, o acórdão recorrido não somente malferiu a regra do art. 386 do CC/1916, como ainda dissentiu do aresto carreado como paradigma pela recorrente.

Isso posto, conheço do recurso por ambas as alíneas do admissor constitucional e dou-lhe provimento, a fim de que, afastada a extinção do processo sem conhecimento do mérito, os autos retornem ao 1.º grau para prosseguimento, na forma da lei.

É o meu voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros César Asfor Rocha, Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzini.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.