Responsabilidade civil. Queda em supermercado. Piso escorregadio. Dano moral. Cabimento.

RECURSO ESPECIAL N.º 496.528/SP

REL.: MIN. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

EMENTA

I – A prova do dano moral se satisfaz, na espécie, com a demonstração do fato que o ensejou e pela experiência comum. Não há negar, no caso, o desconforto, o aborrecimento, o incômodo causado pela própria queda, sem contar a alteração na rotina da autora, representada pela obrigatoriedade de comparecimento às sessões fisioterápicas.

II – A indenização por danos morais, como se tem salientado, deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros.

III – Certo é que o ocorrido não representou perturbação de maior monta. E que não se deve deferir a indenização por dano moral por qualquer contrariedade. Todavia, não menos certo igualmente é que não se pode deixar de atribuir à empresa-ré o mau serviço prestado, e a negligência com que se houve, em detrimento dos que freqüentam suas dependências.

(STJ/DJU de 23/06/03)

A recorrente T.M.N. ajuizou ação de indenização por danos morais, por ter escorregado e caído enquanto fazia compras no estabelecimento do recorrido, em razão de óleo de comida derramado no piso. O pedido foi julgado procedente em sentença, tendo sido fixada a condenação em R$ 46.000,00 (quarenta e seis mil reais).

O Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao recurso do réu, julgando prejudicada a apelação da seguradora, ao fundamento de que, a despeito da queda sofrida, não restaram comprovados os danos morais, em acórdão com a seguinte ementa:

“Apelação com revisão. Indenização por danos morais julgada procedente. I – Não comprovação dos danos morais sofridos pela autora, em decorrência de queda sofrida em supermercado. Indenização não devida. II – Preliminares prejudicadas em razão do resultado do julgamento. Recursos acolhidos para se julgar improcedente a ação, fixando os honorários da parte vencida em R$ 4.000,00”.

Em sede de recurso especial, apontou a recorrente contrariedade ao art. 159 do Código Civil de 1916, sob o argumento de que a simples ocorrência do fato danoso já seria suficiente a ensejar a indenização.

Admitindo o recurso, veio a ser provido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, com o seguinte voto condutor:

Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Relator):

1. O acórdão impugnado não negou a culpa do recorrido, ao afirmar:

“Não existe dúvida no que diz respeito à responsabilidade da apelante quanto ao acidente ocorrido no interior de uma de suas lojas.

Mesmo que tivesse o mais perfeito esquema de limpeza do mundo a solução seria a mesma, porque o fato só poderia ocorrer em conseqüência de alguma falha desse sistema.

Não se trata de culpa objetiva, mas ‘in eligendo’ e ‘in vigilando’ no tocante aos empregados encarregados da fiscalização e limpeza da loja em questão.

Também sem nenhuma consistência a intenção de transferir a culpa exclusivamente à autora. Esta fazendo compras, situação em que, como anotado por seu patrono, se anda com os olhos fixos nas gôndolas onde estão expostos os produtos à venda, até porque estes são arrumados e embalados de forma a que os consumidores se fixem neles”.

Todavia, embora tivesse concluído pela culpa do supermercado, entendeu o Tribunal de origem ausente os danos morais, nestes termos:

“O reconhecimento da culpa leva à responsabilidade de indenizar. Mas indenizar o que? Os danos patrimoniais e morais efetivamente sofridos.

No caso dos autos, o pedido está limitado aos danos morais decorrentes, segundo a inicial, de ter a autora:

1 – sido exposta a situação constrangedora e ao ridículo, porque o fato teria ocorrido em horário de grande afluxo de clientes;

2 – sofrido, em conseqüência dos ferimentos e suas seqüelas, considerável repercussão na sua aptidão laborativa, de profundo reflexo em sua vida espiritual

(…)

Nenhuma prova dos tratamentos a que estaria obrigada a se submeter, muito menos da insegurança e dos medos que atormentariam a autora em razão do acidente e, finalmente, nem do vexame da queda, sendo de consignar-se que a testemunha de fls. 257, contraria a assertiva da inicial, pois afirma que a loja estava vazia quando dos fatos”.

2. Como se vê do acórdão impugnado, não se discute a culpa do supermercado réu pela queda, mas tão somente a existência, ou não, de danos morais oriundos desse fato. Em outras palavras, a controvérsia cinge-se em decidir se a queda da autora, por culpa do réu, seria suficiente a ensejar a indenização por danos morais.

3. É da jurisprudência deste Tribunal ser dispensável “a prova de prejuízo para demonstrar a ofensa ao moral humano, já que o dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da pessoa, por vez é de difícil constatação, haja vista os reflexos atingirem parte muito própria do indivíduo – o seu interior” (REsp n. 85.019-RJ, DJ 18.12.1998). Ou seja, a prova do dano moral se satisfaz com a demonstração do fato que o ensejou e pela experiência comum.

No caso, não há negar o desconforto, o aborrecimento, o incômodo causado pela própria queda, sem contar a alteração na rotina da autora, representada pela obrigatoriedade de comparecimento às sessões fisioterápicas.

Por outro lado, como afirmou o Juiz sentenciante, “além do notório vexame pelo qual passou a autora, caindo ao chão num lugar público, por ter escorregado no piso carregado de óleo, o que, por si só, já seria motivo para uma reparação moral, teve ela, como seqüela da grave lesão sofrida, comprometido seu patrimônio físico, como atestou o laudo do IMESC”. Adiante, acrescentou o Magistrado que “o comprometimento físico da autora, retro mencionado, vem obrigando-a a se submeter a sempre incômodas e desagradáveis sessões de fisioterapia, em momento que poderia estar fazendo algo mais prazeroso, ou simplesmente não fazendo nada”.

4. Destarte, não se trata de reexame de fatos e provas, mas apenas de valoração dos pontos fixados pelas instâncias ordinárias. Assim, admitida a reparação, resta examinar o quantum indenizatório, aplicando o direito à espécie, nos termos do art. 257, RISTJ.

Certo é que a indenização por danos morais, como tenho salientado em diversas oportunidades, deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte financeiro das partes, orientando-se o julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.

Certo também é que o ocorrido não representou desconforto ou perturbação de maior monta. E que não se deve deferir a indenização por dano moral por qualquer contrariedade. Todavia, não menos certo igualmente é que não se pode deixar de atribuir à empresa-ré o mau serviço prestado e negligência com que se houve, em detrimento dos que freqüentam suas dependências.

A par destas considerações, e observando que a indenização também tem natureza sancionadora, tenho por razoável na espécie o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de dano moral, a ser atualizado a partir da data deste julgamento.

Em conseqüência do acolhimento do pedido, as despesas processuais ficam a cargo da ré, fixado o percentual de 20%(vinte por cento) dos honorários sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 3º, CPC.

5. À vista do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para fixar a condenação dos danos morais em R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser atualizada a partir da data deste julgamento, arbitrados os ônus da sucumbência nos termos supra.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Ruy Rosado de Aguiar, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Júnior.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.