Responsabilidade civil. Porta giratória de agência bancária. Cliente exposto a constrangimento e humilhação. Reparação por dano moral. Cabimento.

RECURSO ESPECIAL N.º 551.840/PR

REL.: MIN. CASTRO FILHO

I – Em princípio, em época em que a violência urbana atinge níveis alarmantes, a existência de porta detectora de metais nas agências bancárias é medida que se impõe para a segurança de todos, a fim de prevenir furtos e roubos no interior desses estabelecimentos de crédito. Nesse sentido, as impositivas disposições da Lei n.º 7.102/83.

Por esse aspecto, é normal que ocorram aborrecimentos e até mesmo transtornos causados pelo mau funcionamento do equipamento, que às vezes trava, acusando a presença de não mais que um molho de chaves. E, dissabores dessa natureza, por si só, não ensejam reparação por dano moral.

II – O dano moral poderá advir não do constrangimento acarretado pelo travamento da porta em si, fato que poderá não causar prejuízo a ser reparado a esse título, mas, dos desdobramentos que lhe possam suceder, assim consideradas as iniciativas que a instituição bancária ou seus prepostos venham a tomar no momento, as quais poderão minorar os efeitos da ocorrência, fazendo com que ela assuma contornos de uma mera contrariedade, ou, de outro modo, recrudescê-los, degenerando o que poderia ser um simples contratempo em fonte de vergonha e humilhação, passíveis, estes sim, de reparação.

É o que se verifica na hipótese dos autos, diante dos fatos narrados no aresto hostilizado, em que o preposto da agência bancária, de forma inábil e na presença de várias pessoas, fez com que o ora recorrido tivesse que retirar até mesmo o cinto e as botas, na tentativa de destravar a porta, situação, conforme depoimentos testemunhais acolhidos pelo acórdão, que lhe teria causado profunda vergonha e humilhação.

III – Rever as premissas da conclusão assentada no acórdão na intenção de descaracterizar o dano, demandaria o reexame das circunstâncias fáticas da causa, o que é vedado em sede de especial, em consonância com o que dispõe o enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte.

Recurso especial não conhecido.

(STJ/DJU de 17/11/03, pág. 327)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, Relator o Ministro Castro Filho, que a existência de porta detectora de metais nas agências bancárias e o seu travamento, só por si, não representam nenhum constrangimento a ser reparado por indenização do dano moral.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Castro Filho

Trata-se de ação reparatória por danos morais, tendo em vista os constrangimentos a que fora exposto o ora recorrido ao ser barrado em porta giratória equipada com detector de metais, quando tentou ingressar em agência bancária pertencente ao réu.

Narram os autos que o autor, para conseguir adentrar no interior da agência local do banco réu, teve que se destituir de todos os seus pertences que continham metais, inclusive o cinto e as botas, vez que, por várias vezes em que tentou passar pela porta giratória, ela travava. Tal episódio, segundo prova testemunhal acolhida pelo acórdão recorrido, teria se desenrolado por aproximadamente 20 minutos, na frente de diversas pessoas, causando-lhe profundo constrangimento.

A propósito, em segundo grau, a questão foi enfrentada pela 5.ª Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, aos seguintes fundamentos:

“A culpa do banco apelando emerge indisputável e induvidosamente da prova, nomeadamente daquela de caráter pessoal.

É verdade, pois além do eloqüente depoimento de Marcelo Aparecido Pacini (f. 103) – pondere-se -, incontraditado e ao qual se reporta a sentença guerreada (f. 143, 3.º parágrafo), recadeando ter ficado o autor ‘bastante constrangido’, os demais testemunhos, inclusive aqueles produzidos pelo primeiro apelante (Adamastor Bittencourt, f. 105 e Valdir Nardi, f. 106), igualmente prestados sem contradita, noticiam o estado de nervosismo e vergonha sob o qual se apresentava na ocasião o autor e também o recorrente.

A par desses depoimentos é fato inescondível que só podia apresentar defeito a porta giratória de ingresso no estabelecimento bancário, isto porque exigiu que seu funcionário acionasse o dispositivo privativo dos funcionários (f. 106).

Por conseguinte, o dano moral que sofreu o promovente da ação reparatória é inquestionável e impende seja reconhecido como o reconheceu o Juiz monocrático.

Aliás, essa espécie de dano (…) dispensa a prova de sua ocorrência e o seu reconhecimento, conforme KARL LARENZ, (…), porque ‘não há no dano moral uma indenização propriamente dita, mas apenas uma compensação ou satisfação a ser dada por aquilo que o agente fez ao prejudicado’ (in ‘Derecho de Obligaciones’, t. II, p. 642).”

Em época em que a violência urbana atinge níveis alarmantes, a existência de porta detectora de metais nas agências bancárias é medida que se impõe para a segurança de todos, a fim de prevenir furtos e roubos no interior desses estabelecimentos de crédito. Nesse sentido, as impositivas disposições da citada Lei n.º 7.102/83.

Tendo em vista o escopo maior da lei, que é preservar a segurança da coletividade, algum dissabor ou pequeno prejuízo ao exercício dos direitos individuais relativos à privacidade e ao livre acesso e trânsito deixa de prevalecer em face de um interesse maior da sociedade.

Por esse aspecto, é normal que ocorram aborrecimentos e até mesmo transtornos pelo mau funcionamento do equipamento, que às vezes trava, acusando a presença de não mais que um molho de chaves. Dissabores dessa natureza, por si só, não ensejam reparação por dano moral.

Nessa linha de entendimento, não comungo da tese sustentada no acórdão recorrido de que nesses casos o dano moral existiria “in re ipsa”, como presunção natural decorrente das regras da experiência comum, como ocorre, por exemplo, na linha da jurisprudência sedimentada nesta Corte, diante da inscrição indevida em cadastros de restrição de crédito.

De outro modo, entendo que o dano moral poderá advir, não do constrangimento acarretado pelo travamento da porta em si, fato que poderá não causar prejuízo a ser reparado a esse título, mas, dos desdobramentos que lhe possam suceder, assim consideradas as iniciativas que a instituição bancária ou seus prepostos venham a tomar no momento, as quais poderão minorar os efeitos da ocorrência, fazendo com que ela assuma contornos de uma mera contrariedade, ou, de outro modo, recrudescê-los, degenerando o que poderia ser um simples contratempo em fonte de vergonha e humilhação, passíveis, estes sim, de indenização.

É o que se verifica na hipótese dos autos, diante dos fatos narrados no aresto hostilizado, em que o preposto da agência bancária, de forma inábil e na presença de diversas pessoas, fez com que o ora recorrido tivesse que retirar até mesmo o cinto e as botas, na tentativa de destravar a porta, situação, conforme depoimentos testemunhais acolhidos pelo acórdão, que lhe teria causado profunda vergonha e humilhação.

Forçoso admitir, nesse caso, a existência de culpa pelo dano causado, bem como a existência do nexo de causalidade, a autorizarem a reparação a título de danos morais, pela dimensão que o fato tomou.

Nesse aspecto, rever as premissas da conclusão assentada no tribunal a quo demandariam reexame das circunstâncias fáticas da causa, o que é vedado em sede de especial, em consonância com o enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte.

Ante o exposto, embora presentes os pressupostos de admissibilidade, com a ressalva do meu ponto de vista quanto à terminologia, nego conhecimento ao recurso.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.