Responsabilidade civil. Notícia veiculada em jornal. Elementos inverídicos fornecidos por advogado ao jornalista. Demanda proposta contra ambos. Possibilidade.

“RECURSO ESPECIAL N.º 188.692 – MG

REL.: MIN. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR

EMENTA

I. É parte legitimada, no pólo passivo da lide, respondendo pelos danos morais causados, aquele que presta informações à imprensa ou fornece documentos que não correspondem à realidade, ensejando a divulgação de matéria jornalística inverídica e lesiva à honra da vítima, o qual pode ser demandado escoteiramente, ou em conjunto com o jornalista responsável pela matéria, como in casu ocorreu, e a empresa responsável pelo veículo de comunicação.

II. Revelando-se razoável, até modesto, o valor da indenização imputada pelas instâncias ordinárias ao réu, não se justifica a excepcional intervenção do STJ a respeito, para reduzi-lo a patamar inferior.

III. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” Súmula n.º 7 – STJ.

IV. Recurso especial não conhecido.”

(STJ/DJU de 17/2/03, pág. 281)

Seguindo a jurisprudência firme da Corte, decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Aldir Passarinho Júnior, que a regra do art. 49, parágrafo segundo, da lei de imprensa, desde o advento da constituição de 1988, não comporta interpretação que exclua a legitimação passiva de quem usou as expressões apontadas como ofensivas ao direito do autor, podendo, assim, ser acionado sozinho ou em conjunto com o jornalista e a empresa jornalística.

Consta do voto do relator:

Exmo. sr. ministro Aldir Passarinho Júnior (relator): Trata-se de recurso especial em que o recorrente se insurge contra sua condenação, como co-réu, em ação indenizatória movida por José Luiz de Sá, em razão de matéria veiculada no jornal “O Estado de Minas”, com base em elementos fornecidos pelo ora recorrente ao jornalista, que também figura no pólo passivo da demanda.

O Tribunal estadual assim se pronunciou a respeito (fls. 354/356):

“O pleito indenizatório do apelado, José Luiz de Sá, tem por base o fato de haver sido noticiado com destaque, em página policial do jornal Estado de Minas, edição de 22/4/95, que o mesmo, usando do cargo de delegado de polícia da Delegacia de Repressão ao Furto, Roubo e Desvio de Cargas, após efetuar apreensão de um caminhão, que se achava na posse do cliente do apelante, teria `esquentado’ a documentação respectiva e vendido o veículo a um detetive da mesma delegacia.

A notícia teve por origem informação dada ao repórter pelo apelante e seu cliente, autor de uma medida judicial de busca e apreensão do dito veículo.

Pretende o recorrente ver prevalecido o argumento de que o fato está afeito à Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), donde a responsabilidade civil por danos morais decorrentes de calúnia ou difamação veiculados em órgão de imprensa é da empresa que o sustém e não da pessoa entrevistada.

Essa, induvidosamente, é uma outra questão, mas que foge à hipótese dos autos, onde a pretensão do ofendido (apelado) tem por base a norma geral do Código Civil (art. 159).

Sob essa ótica não há negar que o apelante deu azo à veiculação da notícia ofensiva à honra do apelado.

É óbvio que o apelante, ao conceder entrevista ao repórter, entregando-lhe, inclusive, cópia de documento por ele produzido na ação cautelar de seqüestro, não o fez sem o propósito da divulgação, ou pelo menos ciente de que haveria a publicação.

Ninguém se dispõe a dar entrevista a jornalista, para que este não a faça publicar, guardando-a para si.

Assim, a imputação que o apelante fez na entrevista, atribuindo falsamente ao apelado a prática de crime, teve sem nenhuma dúvida o direcionamento de ofender-lhe a hora.

Em seu depoimento pessoal (fl. 220-TA), o apelante confessa haver prestado as informações ao repórter `ipsis litteris’ de como foi publicado.

Não se acolhe o argumento de que `as conclusões’, no sentido de imputar ao apelado o `esquentamento’ da documentação do caminhão, teriam sido fruto de dedução do próprio redator da matéria, porquanto este ressalvou ter sido do entrevistado, aqui apelante, aquela conclusão:

`O advogado Grandinetti concluiu que os documentos do caminhão foram falsificados e esquentados no Detran pelo delegado José Luiz e o detetive Luiz Henriques’ (sic. fl. 20-TA).

A ação antijurídica, portanto, que deu azo a ofensa à honra do apelado partiu da informação malfundada do apelante, como propósito de vê-la publicada.

E o próprio apelante, na contestação (fl. 55-TA), insiste em demonstrar a veracidade do que deu à publicação.

`O que foi dito ao repórter, e o que consta da reportagem, está absolutamente comprovado por documentos.’ (sic. fl. 55-TA).

Diante disso, não escapa o apelante à responsabilidade civil, estampada no art. 159 do Código, pois que a ninguém é dado o direito de prestar informação a órgão de imprensa, com vistas à divulgação, imputando falsamente a outrem a prática de crime.”

Como visto, a prática do ato danoso foi em parte, e em sua maior parte aliás, atribuída ao advogado autor, de forma fundamentada e calcada na apreciação da matéria fática, cujo reexame recai no óbice da Súmula n.º 7 do STJ.

De outro lado, entendimento aqui consagrado é o de que a ação por danos morais advindos de matéria jornalística pode ser deflagrada, individualmente ou concomitantemente, à escolha do autor, tanto contra a empresa titular do veículo de comunicação, como ao jornalista diretamente responsável pela matéria, como contra aquele que a tanto deu margem, fornecendo à imprensa os elementos que, vindo servir de base à notícia lesiva, se verificaram inconsistentes, não verídicos.

No julgamento do RESp n.º 244.729/PR, assim me pronunciei em hipótese semelhante, verbis:

`Cuida-se de ação indenizatória movida a advogado, R.L.H., que constituído para a defesa dos interesses de cliente sua, cujo falecido esposo possuía negócios conjuntos com o ora autor, deu entrevista à revista “Panorama”, em abril de 1995, de terror considerado ofensivo à honra e integridade moral do recorrido.

Sustenta-se, no recurso especial, ofensa ao art. 49, parágrafo 2.º, da Lei n.º 5.250/67, e divergência com paradigmas do STJ, a respeito da ilegitimidade passiva ad causam daquele que concedeu a entrevista, atribuindo-se a responsabilidade à revista que divulgou.

O prequestionamento, na situação, correu.

A jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça encampa a solução preconizada no aresto a quo, como se infere dos seguintes precedentes:

`Dano moral. Legitimidade passiva. Lei de Imprensa. Precedente da corte.

1. Mantendo a linha de precedente da Corte, a regra do art. 49, parágrafo 2.º, da lei de imprensa, com o advento da constituição de 1988, não comporta interpretação que exclua a legitimação passiva daquele que, diretamente, usou as expressões apontadas como violadoras do direito fundamental do autor. Assim, identificado o autor da ofensa, pode o ofendido acioná-lo diretamente, não colhendo fruto a alegada ilegitimidade passiva.

2. Recurso especial conhecido, mas improvido.’

(3.ª Turma, Resp n.º 96.690 – SP, rel. min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 4/5/98)

`Ofensas cometidas pela imprensa. Interpretação dos artigos 12, 49 e 50 da Lei 5.250/67.

Possibilidade de o ofendido obter reparação de quem fez as declarações ao jornal ou concedeu a entrevista, não estando adstrito a buscá-la exclusivamente junto a quem as divulgou.’

De efeito, a Lei de Imprensa, ao dispor, no art. 49, sobre a responsabilidade da pessoa física ou jurídica titular do meio de comunicação em que veiculada a notícia, não é excludente da responsabilidade das pessoas que narraram os fatos e fizeram as acusações desfundamentadas.

Nesse sentido, apenas que, naquele caso, houvera a denunciação à lide da editora e da jornalista responsável pela entrevista, foi a decisão desta Turma no REsp n.º 261.802/MG, assim ementado:

`Civil e processual. Ação de indenização. Dano moral. Publicação em jornal de entrevista considerada ofensiva a membros de comissão de licitação. Demanda movida contatar o entrevistado. Legitimidade passiva ad causam. Denunciação à lide da empresa titular do veículo de comunicação e do repórter responsável pela notícia. CPC, art. 70. Lei de imprensa, art. 49, § 2.º.Súmula n.º 212 – STJ.

I. Se a ofensa à moral dos autores decorreu de notícia divulgada em jornal a respeito de fraude em licitação pública internacional, originada de declarações dadas à reportagem por representante de empresa vencida na concorrência, tem-se configurada a responsabilidade prevista no art. 49, parágrafo 2.º, da Lei n.º 5.250/67, cabendo a denunciação à lide da repórter que produziu a matéria e a pessoa jurídica titular do diário que a publicou.

II. Manutenção, todavia, no pólo passivo, do entrevistado, que forneceu as declarações ofensivas que embasaram a matéria lesiva.

III. Recurso especial conhecido e provido em parte.’

(Rel. min. Aldir Passarinho Júnior, unânime, DJU de 11.12.200).’

A situação descrita nos autos pelo aresto estadual leva à mesma conclusão, não havendo falar-se, pois, em ilegitimidade passiva para a causa do 1.º réu, pelo que não se identifica ofensa aos arts. 267, VI, 515, parágrafo 1.º, do CPC, e 49, parágrafo 2.º, da Lei n.º 5.250/67.

No tocante ao quantum indenizatório, afirmou-se ofensa ao art. 131 do CPC, que se limita a dizer que o juiz pode livremente apreciar a prova, e isso foi feito pelas instâncias ordinárias, de modo que não identifico ofensa, na espécie.

Não fora isso, o ressarcimento foi fixado em 1.º grau em 4<%2>00 salários mínimos, assim mantidos, por maioria, na apelação. Em embargos infringentes, também por maioria, a verba foi reduzida a 80 (oitenta) salários mínimos, e não vejo razão alguma para diminuí-la ainda mais, já que não se revela absolutamente excessiva – é até modesta -, e ainda é para ser fracionada pelos dois réus. A lesão foi grave, pela dimensão da notícia, e há possibilidade de com ela arcar o recorrente, segundo a análise feita pe<%0>lo acórdão à fl. 356.

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.