Responsabilidade Civil. Médico. Cirurgia estética. Insucesso de lipoaspiração. Dano moral e dano estético. Possibilidade de cumulação.

“RECURSO ESPECIAL N.º 457.312-SP

REL.: MIN. RUY ROSADO DE AGUIAR

EMENTA – Para indenização do dano extrapatrimonial que resulta do insucesso de lipoaspiração, é possível cumular as parcelas indenizatórias correspondentes ao dano moral em sentido estrito e ao dano estético.

– Exclusão do dote (art. 1.538, parágrafo 2.º do C. Civil) e da multa (art. 538 do CPC).

Recurso conhecido em parte e provido.”

(STJ/DJU de 16/12/02, pág. 347)

Consoante entendimento já consolidado na Corte, reconheceu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar, em hipótese de dano extrapatrimonial, a possibilidade de serem cumuladas as indenizações referentes ao dano moral e ao dano estético.

Consta do voto do relator:

O ministro Ruy Rosado de Aguiar (relator):

1. O tema relacionado com o defeito que teria ocorrido no julgamento da apelação, quando se deferiu indenização por fundamento de fato não constante da inicial, não pode ser aqui examinado por falta de prequestionamento. Na apelação, nada foi dito sobre isso; nos embargos declaratórios, o réu não suscitou ofensa aos arts. 128, 282 e 459 do CPC, que permaneceram sem enfrentamento.

De qualquer forma, a autora descreveu de modo suficiente o fato do qual decorre o seu alegado direito e afirmou que o resultado alcançado foi desastroso, sem o sucesso prometido. Logo, segundo a petição inicial, em vez de esclarecimentos sobre as conseqüências da intervenção e possibilidades de êxito e de fracasso, houve apenas promessa de sucesso. Com isso, podia o juiz deferir indenização pelo mau resultado e pela falta de informação, sabendo-se que o consentimento informado é indispensável na relação médico-paciente, especialmente quando o que se pretende é apenas a melhoria da aparência, com risco de insucesso.

2. A nossa jurisprudência admite a cumulação, a título de indenização de dano extrapatrimonial, do dano moral em sentido estrito com o dano estético. Aquele corresponde ao sentimento íntimo de dor que se abateu sobre a autora em virtude do fracasso da intervenção médica, “à contrariedade, à decepção e à frustração sofridas”, como referido na sentença. Este é o dano estético, que, no caso, corresponde à grave deformidade corporal retratada nos autos, uma vez que a vítima, ao pretender eliminar os “culotes” que lhe enfeiavam as pernas, resultou com manchas, irregularidades na pele e assimetria dos quadris, piorando a sua aparência. Esse dano se acrescenta e aumenta consideravelmente àquela dor, e por isso deve ser considerado como parcela autônoma para o fim de se calcular o valor da indenização que corresponda à necessidade de justa reparação.

Além disso, no caso dos autos, o acréscimo deferido a título de indenização por dano estético também servirá para o tratamento que se fizer necessário: “O valor ora fixado permitirá à autora diligenciar uma outra cirurgia corretiva e até mesmo efetuar algum outro tratamento de natureza vascular ou específico para melhorar o local atingido” (sentença, fl. 442).

Cito os precedentes que permitem a cumulação:

“Possibilidade de cumulação da indenização devida pelo dano estético com a do dano moral” (REsp n.º 219807/SP, 4.ª Turma, de minha relatoria, DJ 25/10/99).

“A amputação traumática das duas pernas causa dano estético que deve ser indenizado cumulativamente com o dano moral, neste considerados os demais danos à pessoa, resultantes do mesmo fato ilícito” (REsp n.º 65.393/RJ, 4.ª Turma, de minha relatoria, DJ 18/12/95).

“Nos termos em que veio a orientar-se a jurisprudência das Turmas que integram a Seção de Direito Privado deste Tribunal, as indenizações pelos danos moral e estético podem ser cumuladas, mesmo quando derivadas do mesmo fato, se inconfundíveis suas causas e passíveis de apuração em separado” (REsp n.º 289885/RJ, 4.ª Turma, rel. o em. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 02/04/2001).

“Possível a cumulação dos danos material, estético e moral, ainda que decorrentes de um mesmo sinistro, se possível a identificação das condições justificadoras de cada espécie” (REsp n.º 40100/MG, 4.ª Turma, rel. o em. min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 05/03/2001).

“Permite-se a cumulação de valdres autônomos, um fixado a título de dano moral e outro a título de dano estético, derivados do mesmo fato, quando forem passíveis de apuração em separado, com causas inconfundíveis. Hipótese em que do acidente decorreram seqüelas psíquicas por si bastantes para reconhecer-se existente o dano moral; e a deformação sofrida em razão da mão do recorrido ter sido traumaticamente amputada, por ação corto-contundente, quando do acidente, ainda que posteriormente reimplantada, é causa bastante para reconhecimento do dano estético” (REsp 210351/RJ, 4.ª Turma, rel. o em. min. César Asfor Rocha, DJ 25/09/2000).

“Civil. Danos moral e estético. Cumulação. A indenização do dano moral e a indenização do dano estético podem ser cumuladas, desde que um dano e outro sejam reconhecidos autonomamente. Recurso especial não conhecido” (REsp n.º 193880/DF, 3.ª Turma, rel. o em. min. Ari Pargendler, DJ 17/09/2001).

3. O recorrente tem razão em dois pontos:

a) não havia motivo para impor multa quando dos declaratórios, uma vez que a suscitação da dúvida, embora injustificada, não significou manifestação de intuito protelatório, dada a complexidade das questões em exame;

b) a parcela correspondente ao dote se inclui aqui na indenização deferida a título de dano extrapatrimonial, uma vez que a diminuição de sua possibilidade de matrimônio decorre do dano que se recompensou com o deferimento daquela quantia.

Com a exclusão desse valor, não me parece que ainda deva ser reduzida a indenização imposta na condenação, uma vez que está dentro dos parâmetros observados por esta Turma, e seus valores não alcançam números abusivos que mereçam a intervenção deste Tribunal. Segundo constou do r. acórdão, a indenização deferida (antes da redução que é feita com a exclusão do dote) correspondia a aproximadamente 26 salários da autora, o que certamente não é um exagero.

Posto isso, conheço do recurso, em parte, por ofensa aos arts. 538 do CPC e 1.538, § 2.º, do Civil, e dou-lhe provimento, para excluir da condenação a multa do art. 538 e a parcela deferida a título de dote.

É o voto.

Decisão por unanimidade, votando com o relator os ministros Aldir Passarinho Júnior, Barros Monteiro e César Asfor Rocha.

Duplo homicídio qualificado – Prisão em flagrante mantida pela pronúncia – Indeferimento de liberdade provisória – Carência de fundamentação

“Recurso Ordinário em Habeas Corpus n.º 12.841-PR

Rel.: min. Felix Fischer

EMENTA

O indeferimento do pedido de liberdade feito em favor de quem foi detido em flagrante deve ser, em regra, concretamente fundamentado. A qualificação do crime como hediondo não dispensa a exigência de fundamentação concreta para a denegação da liberdade provisória. (Precedentes).

Recurso provido para conceder a liberdade provisória ao recorrente, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de prisão preventiva devidamente fundamentada.”

(STJ/DJU de 21/10/02, pág. 374).

Seja em despacho inicial, seja por ocasião da sentença de pronúncia, sempre será necessária a fundamentação concreta para a denegação da liberdade provisória, conforme consta do presente julgado da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Felix Fischer, com o seguinte voto condutor:

O Exmo. sr. ministro Felix Fischer: no que tange ao pedido de liberdade provisória formulado pelo recorrente, o juízo de primeiro grau indeferiu o pleito nos seguintes termos, in verbis:

“Quanto ao pedido de liberdade provisória, em que pese o respeito devido aos argumentos expostos em sua petição inicial em sentido contrário, entendo que o preceito legal da Lei n.º 8.072/90, que veda a concessão do benefício da liberdade provisória, não é inconstitucional. O réu entende ser inconstitucional por violar o art. 5.º, LXIII, da Constituição Federal. Ocorre, no entanto, que a norma contida em outro inciso do mesmo artigo, a saber, inc. LXVI, estabelece que “ninguém será levado a prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Ora, interpretando-se esse dispositivo a contrário sendo, constata-se que o texto constitucional admite, ao determinar que ninguém será preso, quando a lei admitir a liberdade provisória, que a própria lei vede sua concessão, como o fez no art. 2.º da lei dos crimes hediondos.

O Superior Tribunal de Justiça, após o advento da lei de crimes hediondos pronunciou-se, em mais de uma oportunidade, no sentido aqui exposto, conforme ementas a seguir transcritas:

“A impossibilidade de liberdade provisória decorre da imposição inserida no art. 2.º, II, da Lei 8.072/90, que trata de crimes hediondos. Recurso a que se nega provimento”. (STJ – RHC – Rel. Fláquer Scartezzini – RT 693/406).

“A lei recusa liberdade provisória a acusado de crime hediondo. Recurso conhecido mas improvido”. (STJ – RHC – Rel. Edson Vidigal – RT 698/422).

O Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte de Justiça de nosso País, competente para dar a última palavra em matéria constitucional, analisando hipótese semelhante, assim se pronunciou:

“A Lei 8.072/90, de 25.7.90, proíbe, nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na linha da disposição constitucional inscrita no inc. XLIII do art. 5.º da CF, a liberdade provisória (STF – HC 68.514-5 – Relator eminente ministro Carlos Velloso, publicado na RTJ 140/838).

Assim, por todo o exposto, outra não pode ser a solução, que não o indeferimento do pleito. Isto posto, INDEFIRO o pedido, mantendo a prisão do postulante.” (Fls. 79/81).

O juízo singular, quando do julgamento dos embargos declaratórios opostos da decisão de pronúncia, assim se pronunciou quando instado a se manifestar acerca do direito do recorrente a responder o processo em liberdade:

“O réu postulou fosse lhe concedido o benefício da liberdade provisória, sendo seu pleito indeferido (decisão de fls. 35/39 dos autos n.º 519/01). As mesmas razões que levaram ao indeferimento de seu pleito ainda justificam a necessidade de permanecer preso, razão pela qual as utilizo como motivos para mantê-lo provisoriamente preso até o seu julgamento.

(…)

Pelo que foi exposto, acolho o pedido de declaração e, em conseqüência, suprindo a omissão, determino que o réu, pelas razões constantes na decisão que indeferiu seu pedido de liberdade provisória (autos 519/01 – apenso a este), aguarde seu julgamento preso, permanecendo, no mais, a sentença em todos os seus termos.” (Fls. 103/104).

Em observância ao princípio da presunção de inocência, toda e qualquer restrição à liberdade do acusado, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, deve ter caráter excepcional. Neste esteio, reza o parágrafo único do artigo 310, do Código de Processo Penal, que será concedida liberdade provisória quando o juiz verificar a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Se o magistrado tem o dever de conceder, de ofício, a liberdade provisória nas hipóteses cabíveis, tem o acusado direito subjetivo a tal benefício quando preencher as condições para a sua concessão.

Logo, a decisão que indefere a liberdade provisória deve obrigatoriamente demonstrar a ocorrência concreta dos requisitos da custódia cautelar. Neste sentido já se pronunciou o colendo Supremo Tribunal Federal:

“O parágrafo único do art. 310 do Código de Processo Penal não impõe ao juiz, ao exarar de ofício, despacho fundamentado de toda e qualquer prisão que lhe seja comunicada, se entender configurado qualquer dos pressupostos da prisão preventiva. Todavia, cabe-lhe a obrigação de fundamentar a decisão sempre a liberdade provisória é postulada e denegada.” (RTJ 105/131).

In casu

, observa-se que o indeferimento do pedido de liberdade provisória formulado pelo ora recorrente se deu única e exclusivamente em face do disposto no art. 2.º. inciso II, da Lei n.º 8.072/90. Entretanto, o único fato de ter o recorrente sido preso, denunciado e pronunciado pela prática de crime hediondo não pode, por si só, dar ensejo à manutenção da medida constritiva, impedindo-se a concessão de liberdade provisória. O indeferimento do pedido de liberdade provisória exige fundamentação adequada, devendo exsurgir de fatos concretos, o que não ocorreu no decisum de fls. 77/91 e nem foi corrigido na decisão de pronúncia.

Aliás, este tem sido o entendimento manifestado por esta Corte Superior, conforme se depreende dos seguintes precedentes:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. FUNDAMENTAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO.

I – O eventual excesso de prazo provocado pela própria defesa não constitui constrangimento ilegal (Súmula n.º 64-STJ).

II – Mesmo em sede de crimes hediondos, o indeferimento da liberdade provisória não pode ser genérico, calcado em mera repetição de texto legal ou, então, na gravidade do delito. (Precedentes).

Habeas corpus concedido.”

(STJ, HC 15.176-RJ, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJU de 13/8/2001).

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIME HEDIONDO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO E REQUISITOS. PROVAS ILÍCITAS.

1. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

2. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada.

3. A circunstância de o delito em apuração se tratar de crime hediondo, não impede, por si só, o deferimento de liberdade provisória.

4. Não se mostrando na luz da evidência, primus ictus oculi, a apontada ilicitude das provas colhidas no curso do inquérito policial, a apreciação da questão deve ser reservada para o momento adequado, qual seja, o da prolação da sentença.

5. Ordem concedida.”

(STJ, HC 14.119-SP, 6.ª Turma, rel. min. Hamilton Carvalhido, DJU de 25/6/2001).

“RHC. PRISÃO PREVENTIVA. CRIME HEDIONDO. FUNDAMENTAÇÃO.

1. A simples invocação da Lei n.º 8.072/90, mesmo em se tratando de infração ao art. 12, da Lei n.º 6.368/76, de acordo com o entendimento pretoriano, não autoriza a negativa de liberdade provisória, se reunidos os requisitos à obtenção do<%0> benefício legal.

É mister a demonstração da necessidade concreta da medida restritiva. Esta necessidade, por outro lado, se avulta quando, no seio do próprio STJ, reina divergência acerca da tipificação legal da introdução de “lança-perfume”, adquirido na Argentina, no território nacional. Uma Turma entendendo tratar-se de infração ao art. 12 da Lei n.º 6.368/76 e outra de simples maltrato à letra do art. 334 do Código Penal.

2. Recurso provido.”

(STJ, RHC 8.644-PR, 6.ª Turma, rel. min. Fernando Gonçalves, DJU de 23/8/99).

“PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PRETENSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. DENEGATÓRIA DESMOTIVADA. CPP, ART. 310, PARÁGRAFO ÚNICO.

Segundo o comando expresso no parágrafo único do art. 310, do Código de Processo Penal, o juiz concederá liberdade provisória ao réu preso em flagrante se constatar a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva.

A decisão que nega a liberdade provisória ao preso em flagrante deve ser fundamentada, com indicação objetiva de fatos concretos susceptíveis de causar prejuízo à ordem pública ou à instrução criminal, bem como pôr em risco a aplicação da lei penal, situando-se na mesma linha daquela que decreta a prisão preventiva.

A circunstância única de ter sido o réu preso em flagrante por tráfico de droga não impede a concessão de liberdade provisória, em face do princípio constitucional da presunção de inocência.

Recurso ordinário provido. “Habeas corpus” concedido.”

(STJ, RHC 7.834-RS, 6.ª Turma, rel. min. Vicente Leal, DJU de 26/10/98).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso a fim de que seja concedida liberdade provisória ao recorrente, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de prisão preventiva devidamente fundamentada.

É o voto.

Decisão por unanimidade, votando com o relator os ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.