Responsabilidade Civil. Interrupção de serviço telefônico. Mero dissabor que não configura dano moral.

RECURSO ESPECIAL N.º 606.382/MS

Rel.: Min. César Asfor Rocha

EMENTA

O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige.

Recurso especial conhecido e provido.

(STJ/DJU de 17/05/04, pág. 238)

Nesta decisão posta em destaque, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, Relator o Ministro César Asfor Rocha, considerou que o mero dissabor decorrente da interrupção de serviço telefônico não configura o dano moral indenizável, que exige a dor, o vexame, o sofrimento ou humilhação, interferido intensamente no comportamento psicológico do indivíduo.

Consta do voto do Relator:

Exmo. Sr. Ministro César Asfor Rocha (Relator): A recorrente sustenta infringência dos arts. 159 do Código Civil de 1916 e 4.º e 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil, afirmando que a simples interrupção do serviço telefônico não enseja dano moral. Alega, ainda, dissídio com acórdão dessa egrégia Quarta Turma, assim ementado:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. INTERRUPÇÃO DOS SERVIÇOS TELEFÔNICOS. PROVA DOS PREJUÍZOS. ACÓRDÃO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA.

Os embargos de declaração visam à integração e correção do julgado, objetivos que não se descortinam no caso.

O tão-só fato da interrupção dos serviços telefônicos não é o bastante para automaticamente inferir-se a ocorrência do alegado dano moral à pessoa jurídica. Recurso especial não conhecido.” (REsp 299.282/RJ, relator para o acórdão o eminente Ministro Barros Monteiro, DJ 05/08/2002).

Na ocasião, esta egrégia Quarta Turma refutou a ocorrência de dano moral à pessoa jurídica, ante a inexistência de prejuízo à imagem e à honra subjetiva da empresa.

Naquela oportunidade, asseverei, acompanhando o r. voto condutor:

“Não houve nenhuma ofensa à honra subjetiva nem mesmo à imagem da empresa pela interrupção dos serviços telefônicos. Até diria mais, pois, embora a matéria não seja objeto de discussão, não consigo vislumbrar sequer dano moral para a pessoa física. O aborrecimento que uma pessoa possa ter porque o telefone não funciona, não induz, na minha concepção, com o devido respeito, a que se tenha por ofensa moral.”

É certo que o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige.

Lembro, aqui, a lição de Sérgio Cavalieri Filho, em seu “Programa de Responsabilidade Civil” (Malheiros Editores Ltda., 1996, p. 76), citando Antunes Varela, pela qual “a gravidade do dano há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”, e “o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”.

Por isso é que, “nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente ao comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral”.

Apoiado nessas premissas, tenho que o desgaste que os recorridos alegam terem sofrido em virtude de interrupção, em duas oportunidades, do serviço de telefonia está mais próximo do mero aborrecimento do que propriamente de gravame à sua honra.

Apesar da obrigação da recorrente de prestar o serviço com continuidade, sem paralisações injustificadas, o desgosto pelo não funcionamento do telefone não induz, automaticamente, a configuração de ofensa moral.

Ante o exposto, conheço do recurso por ambas as alíneas e dou-lhe provimento, para excluir a condenação por danos morais, arcando os autores, ora recorridos, com as custas e com os honorários advocatícios, que fixo em R$ 680,00.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho e Barros Monteiro.

Processual penal. “Habeas corpus”. Recolhimento à prisão para apelar. Necessidade de fundamentação.

HABEAS CORPUS N.º 84.087-6 – RJ

Rel.: Min. Joaquim Barbosa

EMENTA

1. O art. 594 do Código de Processo Penal não implica o recolhimento compulsório do apelante. Ao contrário, cuida de modalidade de prisão cautelar, razão por que deve ser interpretado em conjunto com o art. 312 do mesmo diploma.

2. A sentença condenatória, no que tange à prisão do paciente, funda-se na gravidade abstrata do crime por que foi ele condenado.

3. Ordem concedida, para que o paciente aguarde o julgamento da apelação em liberdade.”

(STF/DJU de 6/8/04, pág. 42)

Também no Supremo Tribunal Federal começa a vigorar o entendimento do que o acusado que respondeu o processo em liberdade, somente pode ser recolhido à prisão para apelar (art. 594 do CPP) por força de decisão fundamentada, observados os requisitos de necessidade do art. 312 do Código de Processo Penal.

É o que se vê desta decisão da Primeira Turma, relator o ministro Joaquim Barbosa, com o seguinte voto vencedor.

O senhor ministro Joaquim Barbosa (relator): O presente habeas corpus discute a questão para apelar, nos termos do art. 594 do Código de Processo Penal.

A sentença condenatória que decretou a prisão preventiva do paciente e dos demais co-réus, para fins de recurso, está vazada nos seguintes termos (fls. 33):

“Tratando-se de delitos graves, onde quatro réus praticaram extorsão, na qualidade de policiais, estando associados a outros dois elementos que portavam armas de fogo e táxi `pirata’, situações incompatíveis com a mantença do `status’ de policiais civis (…), bem como para garantia da aplicação da lei penal e da ordem pública, não sendo possível as suas mantenças em liberdade onde persistirão na prática delituosa, acreditando na impunidade, decreto a custódia preventiva dos seis acusados.”

A Constituição Federal, acerca da temática da prisão preventiva, fixa duas importantes regras. A primeira é a de que a decisão que determina a prisão do acusado deve ser escrita e motivada. A segunda é a que firma o chamado princípio da não-culpabilidade, à luz do qual a prisão anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória assume caráter excepcional e somente pode ter índole cautelar.

Assim, o art. 594 não pode ser visto como empecilho ao recebimento de recurso de apelação nem como forma de execução provisória da pena. Por ocasião da sentença, é possível decretar a prisão do réu, desde que preenchidos os seus requisitos autorizadores, quais sejam, os previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. Embora a questão ainda não esteja pacificada na Corte, creio que a Turma se tem inclinado a esse entendimento (precedentes: HC 82.909 e HC 83.128, ambos relatados pelo ministro Marco Aurélio, e HC 83.592, de minha relatoria).

Para fins de apelação em liberdade, o fato de não ser o paciente primário ou o de no ter ele bons antecedentes são meros indicativos de periculum liberatis, devendo ocorrer, todavia, uma análise conjunta com o art. 312 do Código de Processo Penal. O que não se pode afirmar é que a prisão para apelar seja compulsória no caso de reincidência ou maus antecedentes. Há precedentes nesse sentido: HC 82.250 (rel. min. Ellen Gracie) e HC 82.821 (rel. min. Maurício Corrêa).

A decisão prolatada pelo Juízo de primeiro grau não apresenta suficiente fundamentação, uma vez que dela não se extraem elementos mínimos que preencham os requisitos legitimadores da prisão cautelar. Pelo contrário, seus fundamentos são a gravidade dos crimes imputados ao paciente e a profissão deste (policial civil). Assim, a custódia preventiva do paciente, para fins de recurso, faz-se desnecessária e, conseqüentemente, é ilegal.

Do exposto, concedo a ordem, para que o paciente possa recorrer em liberdade.

Decisão por maioria, votando com o relator os ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.