Responsabilidade civil. Danos morais. Herdeiro da vítima. Legitimidade ativa ad causam

RECURSO ESPECIAL N.º 577.787/RJ

Rel.: Min. Castro Filho

EMENTA

I Ä Tendo encontrado motivação suficiente para fundar a decisão, não fica o órgão julgador obrigado a responder, um a um, os questionamentos suscitados pelas partes, mormente se notório seu caráter de infringência do julgado.

II Ä Na ação de reparação por danos morais, podem os herdeiros da vítima prosseguirem no pólo ativo da demanda por ele proposta. Precedentes.

III Ä A estipulação do valor da reparação por danos morais pode ser revista por este Tribunal, quando contrariar a lei ou o bom senso, mostrando-se irrisório ou exorbitante, o que não se verifica na hipótese dos autos.

Recurso especial não conhecido.

(STJ/DJU de 20/09/04, pág. 290)

C.A.S. propôs ação em relação a V.A.N. Ltda., objetivando a indenização por danos materiais e reparação por danos morais advindos de lesão corporal sofrida em acidente de trânsito. No transcurso da ação, vindo o autor a falecer, foi sucedido por seu pai, A.B.S.

O pedido inicial foi julgado parcialmente procedente, com a condenação da ré ao pagamento do equivalente a 500 salários mínimos a título de danos morais. O pedido de denunciação da lide à empresa T.M. Ltda. foi julgado procedente, para condená-la a ressarcir a ré por todos os valores pagos ao autor. À C.U.S.G. S/A, por sua vez, também foi denunciada a lide, e condenada a devolver à primeira litisdenunciada as quantias pagas, dentro dos limites contratados.

A Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manteve a sentença, em decisão unânime.

Irresignada, V.A.N. Ltda. interpôs recurso especial, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, apontando como violados os artigos 5º da Lei de Introdução ao Código Civil; 76, parágrafo único, do Código Civil e 127 e 535, II, do Código de Processo Civil.

Em suas razões, alega que o tribunal a quo, apesar de instado por meio de embargos de declaração, deixou de se pronunciar sobre o "recebimento de danos morais, por parte de herdeiros, eis que a vítima faleceu anos após a propositura da ação, por causas que não guardam qualquer relação com o evento danoso".

Aduziu que, em virtude de o direito aos danos morais ser personalíssimo, somente aquele que sofreu diretamente o dano poderia pleitear a respectiva indenização. Assim, a transferência da titularidade da ação ao herdeiro, ainda que necessário, feriria o disposto no artigo 76, parágrafo único, do Código Civil de 1916.

Na instância extraordinária o recurso não foi conhecido pela Terceira Turma do STJ, relator o ministro Castro Filho, com o seguinte voto condutor:

O Exmo. Sr. Ministro Castro Filho (Relator):

Por outro lado, a questão da transmissibilidade ao herdeiro do direito de prosseguir na ação de reparação por danos morais proposta pela vítima não é nova nesta Corte. Sobre o tema, assim me pronunciei, no julgamento do Recurso Especial n.º 602.016/SP, de minha relatoria, julgado em 29/06/2004:

"Conforme reiteradamente citada, a posição doutrinária dominante é no sentido da admissibilidade do pleito. Pontes de Miranda e Yussef Said Cahali sustentam a transmissibilidade, em princípio, da pretensão à indenização do dano moral. Entendeu o primeiro que o Código Civil, no artigo 1526, acolhe a possibilidade, só sendo intransmissível a pretensão por lei especial (Tratado de Direito Privado, Tomo XXII, Editor Borsoi, 3." edição, § 2.723, n.º 4). E o segundo doutrinador invoca, nesse sentido, lição de León Mazeaud, ‘O que se transmite, por direito hereditário, é o direito de se acionar o responsável, é a faculdade de perseguir em juízo o autor do dano, quer material ou moral. Tal direito é de natureza patrimonial e não extrapatrimonial’ (Dano Moral, Ed. Revista dos Tribunais, 2." Ed., págs. 699/700). Seguindo esses ensinamentos, ainda, os professores Carlos Roberto Gonçalves (Responsabilidade Civil, Ed. Saraiva, 7." ed., pág. 552) e Carlos Alberto Bittar (Reparação Civil por danos morais, RT, p. 150).

Com efeito, nessa matéria, temos três correntes doutrinárias com repercussões no direito brasileiro. A primeira, majoritária, liderada entre outros por Aguiar Dias, é a mais liberal. Admite amplamente a substituição, com a morte do ofendido; a segunda tem em Pontes de Miranda seu principal baluarte. É mais restritiva, só admitindo a substituição processual, no caso de morte da vítima direta, o ofendido, se este dera início ao processo ou se, ao menos, de forma concreta, manifestara interesse na propositura da demanda, tendo, por exemplo, já contratado advogado para fazê-lo; a terceira é totalmente impeditiva. Por se tratar a reparação por dano moral de um direito indisponível e, portanto, personalíssimo, seria inadmissível a propositura da demanda ou seu prosseguimento por quem quer que seja que não o próprio ofendido. A tese era ardorosamente defendida pelo francês Georges Ripert. No Brasil, entre os poucos que assim pensam, encontra-se Antônio Lindberg.

A última corrente, na minha compreensão, sob o ponto de vista técnico, é a mais acertada. Afinal, se o dano moral é uma ofensa ao patrimônio interior da pessoa, ninguém, além do ofendido, seria capaz de avaliar ou de mensurar, a existência e extensão dessa dor. Além do mais, se o dano for de tal forma grave, que possa refletir seus efeitos em terceiras pessoas, configurando aquilo que Sérgio Severo denomina dano por ricochete, nada impede que o atingido indireto busque também a reparação.

Não obstante esse entendimento, tenho defendido, por achá-la mais razoável, a posição do grande Pontes de Miranda. De sorte que, como no caso, já proposta a demanda pelo ofendido direto, na sua morte, ficam os sucessores autorizados a darem sequência ao processo. Por quê? Porque, nesse caso, o objeto mediato não será a reparação dos herdeiros pela ofensa moral; seu interesse será a indenização pelo fato que, com a morte do antecessor, poderá vir em seu proveito, enriquecendo seu patrimônio material.

Como antes afirmado, porém, a questão não nos é estranha; este Sodalício já se manifestou sobre a matéria em inúmeros precedentes, dentre os quais destaco: RESP n.º 469.191/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ de 23/06/2003; RESP n. 219.619/RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 03/04/00; RESP 440.626/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 19/12/2002, e RESP n.º 343.654/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 01/07/2002, este último assim ementado:

‘Responsabilidade civil. Ação de indenização em decorrência de acidente sofrido pelo ‘de cujus’. Legitimidade ativa do espólio.

1. Dotado o espólio de capacidade processual (art. 12, V, do Código de Processo Civil), tem legitimidade ativa para postular em Juízo a reparação de dano sofrido pelo ‘de cujus’, direito que se transmite com a herança (art. 1.526 do Código Civil).

2. Recurso especial conhecido e provido.’."

Pelo exposto, presentes todos os pressupostos do recurso, seria de se lhe conhecer, para negar-lhe provimento. Todavia, feita a ressalva tantas vezes, repetida, seguindo a terminologia do Tribunal, dele não conheço.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Humberto Gomes de Barros, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura

Agravo regimental. Decisão Monocrática. Falta de publicação do precedente que serviu de fundamento. Possibilidade.

AgRg no RECURSO ESPECIAL N.º 576.791/MG

Rel.: Min. Antônio de Pádua Ribeiro

EMENTA

I – O fato de não ter sido ainda publicado o acórdão referido na decisão agravada, não lhe retira o poder de servir de fundamento para que o relator conheça do recurso especial e lhe dê provimento com base no art. 557, § 1.º-A, do CPC, sobretudo quando a mesma matéria é discutida em diversos recursos, com pleno conhecimento da parte agravante.

II – A possível modificação nos embargos de declaração ocorre quando há no julgado erro material, não se constituindo os declaratórios a via especial para reexame de questões jurídicas já apreciadas.

III – Matéria Constitucional não é apreciada na via do recurso especial.

IV – Agravo regimental desprovido.

(STJ/DJU de 20/09/04, pág. 290)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, pela sua Terceira Turma, relator o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, que a existência de precedente autoriza o julgamento de imediato de causas que versam sobre o mesmo tema, ainda que o acórdão proferido não tenha sido publicado, ou transitado em julgado.

O Exmo. Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro: Ainda que entenda o inconformismo do ora agravante, não há como acolher os pedidos formulados no presente agravo regimental.

Examino, primeiramente, a alegação de não servir o acórdão citado na decisão agravada como fundamento por não ter sido ainda publicado. A propósito, é de ter-se em conta que tal fato não impede que o acórdão sirva de fundamento para que o relator conheça do recurso especial e lhe dê provimento com base no art. 557, § 1.º – A, do CPC, sobretudo quando a mesma matéria é discutida em diversos recursos, com pleno conhecimento da parte agravante. Esse entendimento está em harmonia com decisões do Supremo Tribunal Federal, como se pode ver das seguintes ementas:

"CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: JULGAMENTO PELO RELATOR. CPC, art. 557, § 1.º-A. JULGAMENTO PELO PLENÁRIO: ‘LEADING CASE’: POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO DE OUTRAS CAUSAS, EM QUE VERSADO O MESMO TEMA, PELOS RELATORES OU PELAS TURMAS. SALÁRIO EDUCAÇÃO: LEGITIMIDADE DE SUA COBRANÇA ANTES E APÓS À CF/88.

(…)

II. – A existência de precedente firmado pelo Plenário do STF autoriza o julgamento imediato de causas que versem o mesmo tema (RI/STF, art. 101), ainda que o acórdão do ‘leading case’, proferido pelo Plenário, não tenha sido publicado, ou, caso já publicado, ainda não haja transitado em julgado. Precedente do STF: RE 216.259 (AgRg)-CE, Celso de Mello, "DJ" de 19.5.2000…" (AgRgRE n.º 328.646/PR, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 23/8/02).

"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. REITERAÇÕES DAS RAZÕES DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALTA DE PUBLICAÇÃO DO PRECEDENTE QUE SERVIU DE FUNDAMENTO: CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE O RELATOR DE NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

1. A simples reiteração das razões do agravo de instrumento não infirmam os fundamentos da decisão que negou trânsito ao recurso extraordinário.

2. A circunstância de não haver sido publicado o precedente referido na decisão agravada não impede que o relator negue seguimento ao recurso extraordinário, com maior razão se constar a síntese dos respectivos fundamentos, permitindo-se o exercício de defesa à parte agravante. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRgAI n.º 329.967/DF, Segunda Turma, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 25/9/01).

No mesmo sentido, acórdão proferido no AgRg no AG 483.208 – RS, de minha relatoria, em cujo voto está assentado:

"O fato de o acórdão citado na decisão agravada não ter sido ainda publicado, não lhe retira o poder de servir de base para negar seguimento ou admitir recurso com fundamento no art. 557 do CPC." (3." Turma, unânime, DJ de 1.º/9/03)

A possibilidade de modificação dos embargos de declaração ocorre quando há erro material, não sendo cabível o reexame de questões jurídicas já devidamente apreciadas.

O julgamento da ação revocatória em 1.º grau não serve para estancar os recursos especiais já nesta Corte. Primeiro, por não ser ainda a sentença definitiva; segundo, por envolver tema diverso do discutido nos presentes autos.

Quanto à matéria constitucional, é a via do recurso especial imprópria para o exame de eventual contrariedade aos dispositivos citados, pelo que não pode ser apreciada.

Saliente-se que caso idêntico já foi julgado por esta egrégia Turma que desproveu, por unanimidade, o agravo regimental interposto.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Humberto Gomes de Barros, Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho.