RECURSO ESPECIAL N.º 488.310/RJ

REL. MIN. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR

EMENTA

I. Não há omissão, contradição ou obscuridade no acórdão estadual, eis que o mesmo enfrentou, suficientemente, a matéria controvertida, apenas que com conclusões desfavoráveis à parte ré.

II. Inocorrendo o assalto, em que houve vítima fatal, na via pública, porém, sim, dentro da agência bancária onde o cliente sacava valor de caixa eletrônico após o horário do expediente, responde a instituição ré pela indenização respectiva, pelo seu dever de proporcionar segurança adequada no local, que está sob a sua responsabilidade exclusiva.

III. Recurso especial não conhecido.

(STJ/DJU de 22/3/04)

Nesta decisão posta em destaque, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, relator o ministro Aldir Passarinho Júnior, que a falta de o Caixa Eletrônico situar-se em anexo a agência bancária obriga a Instituição Financeira à proteção de seus usuários, respondendo pela indenização em caso de assalto ocorrido no hall eletrônico da instituição bancária.

Consta do voto do relator:

Exmo. Sr. Ministro Aldir Passarinho Júnior: Trata-se de recurso especial interposto, pela letra “a” do autorizador constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado (fl. 157):

“APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – Assalto em Caixa eletrônico – Morte da vítima – Verbas indenizatórias – Honorário advocatício – O fato de o Caixa Eletrônico situar-se em anexo à agência obriga a Instituição Financeira à proteção de seus usuários, consagrado o nexo causal pois de sua omissão é que decorreu o fato e suas conseqüências. – Evidenciando-se relação de consumo, e sendo hipótese de responsabilidade objetiva, está evidenciada a ineficácia do serviço bancário na hipótese, fato este que o Suplicado não conseguiu descaracterizar. – Aplica-se à hipótese a Lei 7.102/83 que obriga as Entidades Financeiras que tenham a guarda de valores e movimento de usuários à constituição de adequado sistema de segurança. – Os danos morais foram criteriosamente estabelecidos em 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos e quanto aos danos materiais pensionado na proporção de 2% (dois por cento) da remuneração percebida até a morte do beneficiário, critério este que na presente hipótese é o mais adequado. – Atento aos critérios do § 3.º do art. 20 do CPC deve-se acrescer à verba honorária 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação sobre o valor dos danos morais arbitrados. – IMPROVIMENTO DO RECURSO DA PARTE RÉ – PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO DA PARTE AUTORA.”

O recorrente aponta ofensa aos arts. 159 do Código Civil e 21, 333, I, 458, II, 535, II, 557 do CPC, e 1.º da Lei n.º 7.102/83.

O eminente relator, Min. Ruy Rosado de Aguiar, não conheceu do recurso, seguindo-se pedido de vista para melhor exame da matéria.

De início, coloco-me de acordo com S. Exa. no tocante à ausência de nulidade no aresto estadual, eis que o mesmo enfrentou, suficientemente, a matéria controvertida, apenas que com conclusões desfavoráveis à parte ré. E não vejo, também, ofensa ao art. 333, I, do CPC, porquanto o fato constitutivo do direito da parte autora calcou-se na prova colhida nos autos.

No tocante ao mérito, discute-se sobre a responsabilidade do Banco Itaú S/A pela morte do esposo da autora, assaltado e morto quando, segundo a inicial, sacava dinheiro em caixa eletrônico situado no interior da agência (fl. 3).

No julgamento do REsp n.º 402.870/SP, proferi o seguinte voto sobre a matéria, verbis:

“Movida ação indenizatória pelos autores, sob alegação de responsabilidade do banco réu pela morte de seu filho, vítima fatal de assalto ocorrido, segundo a exordial, ‘no interior do recinto do Caixa Eletrônico 24 Hrs’ do BRADESCO, foi ela julgada improcedente em 1.º grau, sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

O eminente relator, Min. Ruy Rosado de Aguiar, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, para julgar procedente a ação, julgando a instituição bancária ré responsável pela segurança de seus clientes, inclusive no concernente aos caixas automáticos.

Sem dúvida alguma, em ocorrendo qualquer lesão a cliente ou usuário do banco dentro do estabelecimento, a responsabilidade pela segurança compete à instituição.

O caso dos autos, entretanto, não é exatamente este, daí o pedido de vista.

É que tanto o MM. Juiz de 1.ª instância, como o Tribunal estadual, no exame da prova, afastaram haver o homicídio ocorrido no interior do caixa eletrônico (fls. 213 e 309), mas, sim, firmaram-no como ocorrido na via pública, às 22:30 horas.

Argumentou o acórdão, ainda, que (fl. 309):

‘Geralmente, tais caixas eletrônicos estão situados fora das agências bancárias e no interior de bens públicos de uso comum (Código Civil, art. 66, I), de modo que sua fiscalização deve ficar a cargo dos agentes da segurança pública, nos termos do contido no artigo 144 da Constituição da República e no artigo 139 da Constituição Estadual Paulista’.

‘Verificado o ato delituoso contra o filho dos autores em plena via pública, desvincula-se a instituição bancária de qualquer responsabilidade (fl. 183)’.

Em tais circunstâncias, assim delineada a matéria fática, que não pode ser reexaminada pelo STJ, o que teria forçosamente de acontecer para que se pudesse chegar a conclusão contrária, tenho que o recurso especial esbarra no óbice da Súmula n.º 7.

Aliás, a rigor, também incidiria, na espécie, a Súmula nº. 126, porquanto o acórdão também excluiu a responsabilidade do banco réu com base no art. 144 da Carta Política, por cometido o assassinato na via pública e não em prédio particular, cabendo ao Estado, então, o ônus da segurança.

Cabe observar que o dispositivo invocado no recurso especial pelos autores – arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 7.102/83 – não se referem a caixas eletrônicos, como inclusive reconhecido pelo ilustre relator, e, de toda sorte e fundamentalmente, o evento ocorreu na via pública, como assentado pelas duas instâncias ordinárias.”

Efetivamente, como assentado acima, estou em que não há responsabilidade da instituição bancária se o ato lesivo ocorreu na via pública, eis que cabe ao Estado e não ao particular a segurança da área, inexistindo norma legal que estenda, ao último, tal ônus.

Mas a situação em comento se me afigura distinta daquela que então identifiquei no precedente acima transcrito, o que me leva a solução diversa.

Na espécie sob exame, disse a sentença de 1.º grau, na interpretação da prova (fls. 90/92):

“No caso em tela, discute-se, ante a negativa da ré, se o fato ocorreu no interior ou não de sua agência bancária, ou mais precisamente, no chamado hall eletrônico, onde ficam guarnecidos os caixas eletrônicos. Neste aspecto, tenho que a prova documental e mesmo a oral mostram-se suficientes para a demonstração positiva deste fato. Com efeito, o registro policial elaborado na ocasião, com base em informação do policial que veio a prestar socorro à vítima, consigna de forma peremptória, que o fato se deu no interior do caixa eletrônico do Banco Itaú, sito à Av. Mal. Floriano, n.º 471, nesta Cidade. Esta informação, existente no registro policial, recebeu respaldo e corroboração, através da oitiva da testemunha ouvida, em que pese a qualidade de informante em que se colheu seu depoimento. Nos termos do artigo 405, parágrafo 4.º do Código de Processo Civil, admite-se a oitiva das testemunhas consideradas impedidas e suspeitas, devendo o julgador atribuir o valor que possam merecer. No caso em tela, mesmo se declarando amigo da vítima e de sua genitora, a testemunha ouvida, trouxe informações tão-somente acerca da dinâmica do assalto ocorrido por ocasião da tentativa de saque. A forma em que o depoimento foi prestado, revelou ao magistrado bastante sinceridade, simplicidade e veracidade com o teor do fato descrito pela testemunha. Mesmo considerando-se o impedimento existente em função da lei, não vê este magistrado qualquer empecilho de outorgar credibilidade ao teor do depoimento, até porque se refere a fato em que também a testemunha foi vítima. Daí porque, tenho como inconteste pelo fato ocorrido no chamado hall eletrônico da instituição bancária, portanto, em área em que a instituição bancária deveria adotar medidas de segurança destinadas a proteção dos clientes do banco, além de seu próprio patrimônio. A propósito, quanto as condições da porta de acesso ao interior do caixa eletrônico, mencionados pela testemunha, este próprio magistrado, que em algumas oportunidades costuma fazer saques eletrônicos no local, já constatou, que a referida porta apresenta-se freqüentemente aberta ao público, sem qualquer trancamento adequado. Tal circunstância ocorre inclusive, em dias que compõem o final de semana, isto é, sem horário de atendimento ao público. O local efetivamente hoje é amplo ali existindo inúmeros terminais eletrônicos. Daí porque, como afirmou a testemunha, os melientes, tiveram total facilidade de penetrarem no interior do caixa eletrônico, em razão do presumido defeito na porta de acesso, que até hoje não se apresenta adequadamente fechada. Trata-se aqui da incidência das chamadas regras de experiências, que a lei adjetiva permite, que o magistrado leve em conta, por ocasião da apreciação da demanda. Pelo que se apurou, não como se conceber a chamada CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA, ou até mesmo do AGRAVAMENTO DO RISCO, até porque, em se tratando de excludente do dever de indenizar, tal prova, à luz da regra que disciplina a distribuição do ônus da prova competiria à ré, por incidência da regra do art. 333, II, do Código de Processo Civil. A prova dos autos, em momento algum, autoriza à conclusão de que a vítima, com o seu comportamento, tenha dado causa ao resultado de sua própria morte. A propósito, a quebra do cartão magnético se deu não com aquele pertencente à vítima mas sim com o seu companheiro.”

Verifica-se, portanto, que o assalto se desenrolou dentro do estabelecimento bancário, ainda que fora do horário do expediente, mas, pelas instalações internas e segurança dos usuários responde o réu, sem dúvida. Não foi na via pública, circunstância que me levaria, em princípio, salvo alguma peculiaridade, a decidir diferentemente. Por igual restou firmado que não houve culpa concorrente da vítima.

Como consabido, não pode o STJ revolver fatos, o que seria necessário para, eventualmente, chegar-se a outra compreensão.

Ante o exposto, acompanho o ilustrado relator, porém por fundamentos, em parte, distintos.

É como voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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