Responsabilidade Civil. Adultério. Cônjuge enganado. Direito à indenização.

“RECURSO ESPECIAL N.º 412.684-SP

REL.: MIN. RUY ROSADO AGUIAR

EMENTA: A mulher não está obrigada a restituir ao marido os alimentos por ele pagos em favor da criança que, depois se soube, era filha de outro homem.

A intervenção do Tribunal para rever o valor da indenização pelo dano moral somente ocorre quando evidente o equívoco, o que não acontece no caso dos autos”

(STJ/DJU de 25/11/02, pág. 240).

A.L.B. ajuizou ação de indenização por dano material e moral contra sua ex-mulher, em razão de reconhecido adultério dela, que teve um filho de terceiro na constância do casamento. Pleiteou, então, o ressarcimento das despesas que teve, desde o nascimento até o pensionamento, feito à filha do casal, posteriormente evidenciado que era filha de outro homem, com o qual a mulher mantinha relacionamento amoroso. E, também, indenização pelo dano moral advindo do adultério confessado e praticado pela mulher, que concebeu de outro homem na constância do casamento.

Em 1.º grau a ação foi julgada improcedente. Interposto o apelo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão de que foi relator o desembargador Octávio Helene, deu provimento parcial ao recurso para reconhecer o direito à indenização pelo dano moral decorrente do adultério. Quanto a pretensão da restituição das despesas havidas com a criança o recurso foi improvido.

Da decisão recorrida, podem ser extraídos os seguintes trechos:

A questão de fundo cuidada nesta apelação é interessantíssima e, quando se sabia, inédita entre nós. O que se indaga é se o adultério, sendo uma grave violação dos deveres conjugais, enseja a reparação civil, ainda mais se desse comportamento resultou na concepção e nascimento de uma criança.

Segundo o entendimento de Aguiar Dias, “não se pode senão sustentar a afirmativa. Sem cogitar do dano moral que incontestavelmente acarreta, o adultério pode produzir dano material e, em presença dele, a admissibilidade da ação reparatória não pode sofrer objeção, ainda por parte dos que se negam a reconhecer a reparabilidade do dano moral” (“Da Responsabilidade Civil, referência doutrinária encontrada em `Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial, de Rui Stoco, Editora Revista dos Tribunais, 1994, pág. 216).

Sobre o tema, o E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já se manifestou, sendo oportuna a seguinte passagem do acórdão: `Na França a jurisprudência deste século, anterior à Segunda Guerra Mundial, paulatinamente foi firmando entendimento no sentido de que o cônjuge vítima de dano em virtude de descumprimento de deveres conjugais tem o direito de, além de pleitear o divórcio propriamente, pleitear indenização pelos danos sofridos, desde que esses danos não sejam decorrência do divórcio em si mesmo. Posteriormente, alguns acórdãos da Corte de Cassação, mais avançados foram além, admitindo a indenização do dono pela injúria mesma decorrente do descumprimento de obrigações conjugais. Isto está bem exposto no `Traité Elementaire’, de Planiol, Ripert e Boulanger. Posteriormente, a Lei de 02.04.41, convalidada pela Ordenança de 12.04.45, estabeleceu que, independentemente de todas as demais reparações devidas pelo esposo contra o qual foi pronunciado o divórcio, o juiz pode conceder ao cônjuge inocente as perdas e danos pelo prejuízo material e moral e ele causado pela dissolução do matrimônio. Tal é o que se lê em Louis Josserand, Derecho Civil, ed. Buenos Aires, 1952. T. I. vol. 2/319 e 320. Verifica-se o mesmo ensinamento em René Svatier, `Cours de Droit Civil’, Paris, 1947, 2.ª Ed. t. 1.º/163. A Lei Francesa, ora em vigor naquele país, manteve a regra que se achava originalmente no art. 301, 2, da Lei de 1941. É o que se verifica em Jean Claud Groslère, Lá Reforme du Divorce, ed. de 1976, pág. 140. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 1.ª Câmara Civil, Apel. Cível n.º 36.016, voto vencedor do Des. Túlio Medina Martins, RT 560/178-186).

Na hipótese em exame, o que se tem é que o marido, depois da separação consensual, tomou conhecimento de que sua ex-mulher tivera um relacionamento amoroso e desse relacionamento concebera uma filha que foi registrada pela presunção do Código Civil, pelo marido, admitida a paternidade. Posteriormente, veio a prova do adultério e da paternidade; esta, admitida por prova pericial e aquele, em decorrência de tal atitude, pela mulher. Observe-se que, no caso, esse fato não teria sido o que determinou a separação, já que esta foi consensual. Então, sob esse enfoque, não há amparo para que se admita como sanção pecuniária pelo dano sofrido pelo cônjuge inocente, a condenação do encargo alimentar, até porque, esse encargo ficou para o apelante, quando da separação.

Então, parece plausível, assim postos os fatos, admitir-se que o apelante sofreu um dano moral, quer com o adultério confirmado pela conduta da ex-mulher, quer pelo fato de ter assumido a paternidade de uma filha que não era sua, em decorrência da conduta da mulher. O seu pleito tem suporte no art. 159, do Código Civil. A pretensão do apelante é de indenização pelo dano material e moral. Aquele, a ser indenizado com as despesas devidas desde a gravidez até o nascimento da filha; honorários pagos em razão do processo de separação judicial e no acordo judicial nos autos da ação de separação consesual; despesas com o exame DNA e pensões alimentícias pagas à menina (item 14, da inicial).

As despesas que devem vir ressarcidas, são as referidas nos itens I e II, 14 (fls. 10/11), que serão apuradas em liquidação de sentença, feita a prova documental de tais gastos. A correção monetária incidirá de cada desembolso e os juros sobre o montante, da citação. Indevido o ressarcimento pelos honorários advocatícios pagos em virtude do processo de separação e os gastos, pela mesma razão, referidos no item IV, de fl. 11. São devidas as despesas pelo exame de DNA, desde que o recorrente prove o gasto, indevido, de outro lado, o pedido de repetição das pensões alimentícias. O débito alimentar não admite, por sua própria natureza, a repetição do indébito.

Houve recurso especial que não foi conhecido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, com o seguinte voto condutor:

O ministro Ruy Rosado de Aguiar (relator):

Duas são as questões: a restituição do que foi pago a título de alimentos para a subsistência da filha Bianca e a elevação da indenização pelo dano extrapatrimonial.

O que se paga a título de alimentos não se repete, segundo preceito pacificamente aceito no nosso direito, embora não previsto na lei:

“A jurisprudência e a doutrina assentaram entendimento no sentido de que os valores atinentes à pensão alimentícia são incompensáveis e irrepetíveis” (Resp. 25.730/SP, 3.ª Turma, rel. min. Waldemar Zveiter).

Ainda no caso de casamento nulo, a obrigação permanece (Pontes de Miranda, Tratado, v. IX, p. 209).

O merecidamente prestigiado Yussef Said Cahali acentua o caráter da irrepetibilidade dos alimentos, que deve ser mantida ainda que o seu pagamento tenha resultado de erro, ao mesmo tempo em que afasta a tese de que o alimentante poderia haver o ressarcimento de quem era realmente o obrigado (Dos Alimentos, 3.º ed., p. 136).

No caso dos autos, as despesas foram feitas em favor da filha, e a rigor seria ela a legitimada passiva a responder pela pretensão restitutória do suposto pai. Essa é a primeira dificuldade que se antepõe ao pedido do autor, ora recorrente.

Além disso, a nossa legislação não tem dispositivo, no âmbito do direito alimentar, sobre o efeito retroativo da sentença que reconhece o fato da filiação adulterina. No caso dos autos, sequer existe sentença nesse sentido, apenas a prova genética colhida no processo. Lembro o art. 9.º da Lei 883, de 21/10/49, que reza: “O filho havido fora do casamento e reconhecido pode ser privado da herança nos casos dos arts. 1595 e 1744 do CCivil”. Permite-se, portanto, a exclusão da herança e a deserdação, mas nada se diz sobre o dever de restituir o recebido para a sua criação. A Lei 8560, de 29.12.92, ao regular a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, determinou ao juiz fixar alimentos em favor do reconhecido, mas também nada dispôs sobre a retroação desse julgado para ordenar a repetição do que fora pago por outrem, até ali havido como devedor dos alimentos.

Ainda que por erro, o autor exerceu a guarda da criança enquanto esteve em sua companhia, e dessa situação lhe decorria a obrigação de prestar assistência à infante, nos termos do art. 33 da Lei 8069/90 (ECA), sem previsão do reembolso das despesas assim feitas.

As pensões pagas depois da separação do casal, o foram em virtude de acordo homologado judicialmente, o qual deveria ser desfeito pela via própria, não em ação indenizatória promovida contra a mulher.

Tenho, portanto, que não pode ser acolhida a pretensão do ex-marido de obter da mulher a devolução do que ele pagou a título de alimentos em favor de filha havida na constância do casamento, por ele amparada enquanto se manteve a convivência familiar, e a quem pagou pensão alimentícia depois da separação, por força de acordo homologado.

Inexiste violação ao disposto nos arts. 396 do CC e 2.º da Lei 5478/68, uma vez que a obrigação alimentar persiste ainda em caso de erro sobre a situação de fato que serve de suporte para a incidência daqueles dispositivos, e tem por fundamento o fato da convivência e guarda, enquanto casados e desfrutando do mesmo teto, e o acordo celebrado quando da separação do casal.

Tocante ao valor da indenização, lembro que substancialmente se cuida de matéria de fato, que permite a intervenção deste Tribunal nos casos de evidente equívoco, para mais ou menos, o que não acontece na espécie, na qual devem ser ponderadas as especialíssimas circunstâncias do fato e as condições sociais e econômicas das partes envolvidas. Não há parâmetro legal que deva ser obedecido para esse arbitramento. Se fosse redimencionar a verba indenizatória, não haveria condições de aferir; sem revolver fatos, que valor melhor se ajustaria ao caso, especialmente por não ter sido esclarecido nas instâncias ordinárias se a ré teria ou não condições de suportar condenação em quantia mais elevada. O autor referiu o fato do adultério para solicitara reparação moral, sem acentuar a perda afetiva que sofreu ao tomar conhecimento de que a criança não era sua filha, o que eventualmente poderia ser mais um elemento a considerar para a elevação da verba deferida.

Por fim, observo que não está posta a questão da responsabilidade civil pelo dano moral por descumprimento de regra de conduta determinada pelo direito de família. Observo, lateralmente, que toda ofensa à dignidade da pessoa, por constituir um fato ilícito, pode ser objeto de responsabilização do agressor, não importando o ramo do direito em que tal relação seja regulada, no direito das obrigações ou no de família no direito privado ou no direito público. Mesmo o direito de família não é infenso à indenização por descumprimento de seus preceitos, como acontece no caso do dote (art. 1538 e 1548 do CCivil).

Posto isso, porque não encontro violação à lei e inexiste precedente assemelhado, não conheço do recurso.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Aldir Passarinho Júnior, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e César Asfor Rocha.

Processual Penal. Habeas Corpus. Ausência de razões de apelação. Nulidade absoluta.

“HABEAS CORPUS N.º 21.633-ES

REL.: MIN. VICENTE LEAL

EMENTA – Interposta apelação, constitui nulidade absoluta a ausência das razões pelo defensor constituído, ainda que intimado.

– Para a efetiva aplicação das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, a doutrina e jurisprudência tem se orientado no sentido de não-aplicação da regra contida no artigo 601 do Código de Processo Penal, na medida em que, não sendo apresentadas as razões de apelação pelo patrono constituído, seja o réu intimado para substituí-lo ou, havendo indiferença do acusado, lhe seja nomeado defensor dativo pelo magistrado.

Habeas corpus concedido.”

(STJ/DJU de 2/9/02, pág. 250)

Na linha de diversos precedentes, decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Vicente Leal que ausência de razões ao recurso de apelação é causa de nulidade absoluta. No caso de não apresentação das razões de apelação pelo patrono constituído, deve o réu ser intimado para substituí-lo, não o fazendo, deve ser nomeado defensor dativo para ofertá-las. Sem as razões é que o processo não pode ficar.

Consta do voto do relator:

Exmo. sr. ministro Vicente Leal (relator): como salientado no relatório, alega o impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal sofrido pelo paciente, em face da violação explícita ao princípio constitucional da ampla defesa, configurada na ausência das razões de apelação da defesa.

Tenho que pretende prosperar a irresignação do impetrante.

A propósito, merece registro as considerações expendidas no parecer da douta subprocuradoria-geral da República, que bem analisou a hipótese sob julgamento, verbis:

“É certo que há julgados de Tribunais Estaduais e mesmo desse Eg. Superior Tribunal de Justiça entendendo que o conhecimento e julgamento da apelação, sem as razões recursais, tendo em vista o dispositivo referido, não viola a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório, dependendo a declaração de eventual nulidade da demonstração do prejuízo.

De outra parte, há aqueles que entendem tratar-se de nulidade absoluta, sem indagar do prejuízo, sustentando a vulneração daquelas garantias.

Ressalvadas as divergências, penso que a razão está com estes últimos. Interposta a apelação, constitui nulidade absoluta a ausência das razões pelo defensor constituído, embora intimado.

E tal entendimento encontra forte amparo na doutrina e jurisprudência pátrias. Ensinam Ada Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho, in nulidades no Processo Penal, 4.ª edição, que a infringência a norma constitucional com conteúdo de garantia acarreta a nulidade absoluta:

“Toda vez que houver infringência a princípio ou norma constitucional-processual que desempenhe função de garantia, a ineficácia do ato praticado em violação à Lei Maior será a conseqüência que surgirá da própria Constituição ou dos princípios gerais do ordenamento”.

Acrescentam, ainda, que haverá nulidade absoluta quando for afetada a defesa como um todo e cita como precedentes inúmeros julgados que, sem indagar do prejuízo, reconhecem a nulidade em casos como: inépcia da denúncia ou queixa, colidência de defesas e falta de razões de recurso.

No mesmo sentido é a doutrina do ilustre Processualista Júlio Fabbrini Mirabete, in Código de Processo Penal Interpetado, 7.ª edição, ao afirmar que:

“(…) interposta a apelação pelo próprio réu e não arrazoada por seu defensor constituído, embora intimado, não é o caso de se fazer subir os autos à instância superior, pois é preciso seja o condenado cientificado da desídia de seu patrono para que, se assim o desejar, constitua outro e, na impossibilidade de fazê-lo, lhe seja nomeado pelo juiz defensor dativo para a apresentação das razões do recurso”.

Para a efetiva aplicação das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não cabe a adesão à simplista regra do artigo 601, CPP. A desídia do advogado constituído, que deixou da apresentar a razões do recurso, não poderá subtrair ao réu do direito de ofertá-las, demonstrando os motivos porque a sentença que lhe causou sucumbência deve ser reformada, tanto mais quando se trata da liberdade física, potencialmente ameaçada pelo processo penal.

(…)

Assim, substanciando as razões do apelante, por força do ordenamento constitucional, elemento essencial ao efetivo exercício da ampla defesa, bem como do contraditório, na medida em que asegura o réu “os meios e recursos inerentes”, penso que a ordem deve ser concedida para, anulando o acórdão guerreado, garantir ao réu o direito de apresentá-las, através de seu defensor constituído, o ora impetrante.”

Correto, o pronunciamento ministerial, o qual incorporo a este voto e adoto como razão de decidir.

Com efeito, as razões ao recurso de apelação, diante do nosso ordenamento constitucional, constituem instrumento essencial ao efetivo exercício da ampla defea, na medida que assegura ao réu “os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5.º, inc. LV). Sua ausência, portanto, consubstancia causa bastante a determinar a nulidade do acórdão estadual, diante de evidente prejuízo causado ao acusado, ora paciente.

Em casos tais, a doutrina e jurisprudência têm se orientado no sentido de interpretar o art. 601 do Código de Processo Penal de modo a possibilitar que, em não sendo apresentadas as razões de apelação pelo patrono constituído, seja o réu intimado para substituí-lo ou lhe seja nomeado defensor dativo pelo magistrado.

Isto posto, concedo o habeas-corpus para anular o v. acórdão da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, determinando-se a nomeação de defensor dativo para a apresentação das razões ao recurso de apelação.

Decisão por unanimidade.

Votando com o relator os ministros Fernando Gonçalves, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Fontes de Alencar.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.