“RECURSO ESPECIAL N.º 392.099-DF

REL.: MIN. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR

EMENTA I. Achando-se o menor púbere legalmente habilitado à condução de veículo automotor de sua propriedade, os danos por ele provocados a terceiros em acidente no qual também perdeu a vida não devem ser suportados pelos pais, eis que o dever de vigilância inerente ao exercício do pátrio poder não se estende sobre atos para os quais o filho se achava apto a praticar de forma absolutamente autônoma.

II. Conquanto possível, ainda assim, em hipóteses excepcionais, atribuir-se aos pais responsabilidade civil pelo comportamento do filho menor púbere, quando, sendo de seu conhecimento que ele padece de vício (alcoolismo, drogas, etc.), doença ou tratamento que lhe retira reflexo ou capacidade de discernimento para dirigir, se omitem na tomada das providências necessárias, tais situações não se verificam no caso dos autos.

III. Recurso especial conhecido e provido, extinto o processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI, da lei adjetiva civil”. (STJ/DJU de 15/4/2002, pág. 231)

Forte na lição de Wilson Melo da Silva (“Da Responsabilidade Civil Automobilística”, Editora Saraiva, São Paulo, 1988, 5.ª edição, p. 153/154), a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Aldir Passarinho Júnior, decidiu que a conduta do filho maior de 18 e menor de 21 anos (estudante de medicina), na direção de veículo causador de acidente, desde que habilitado, não obriga os pais a reparar o dano, salvo em situações excepcionais em que se impõe o dever de vigilância (doença, alcoolismo, toxicomania).

O referido autor observa com propriedade:

O pai, ou tutor, do motorista maior de 18 e menor de 21 anos, no caso (tirante a hipótese de uma possível preposição), não participaria da responsabilidade do filho pelo acidente. E não participaria pela razão muito simples de que, tendo sido ele considerado apto para a direção de veículos por parte do Poder Público, que, em favor dele, fez expedir a competente carteira de habilitação, teria feito cessar, ipso facto, o dever de vigilância paterna, pelo menos quanto à responsabilidade civil automobilística.

Em verdade, legalmente habilitado o menor púbere como motorista, pelo Poder Público, a vigilância paterna quanto a ele (mormente por um pai não motorista) seria, na espécie, utópica, senão, mesmo, absurda.

Se, no entanto, ocorrer que esse filho, mesmo devidamente habilitado pelo Poder Público, para o exercício do mister de condutor de veículos (amador ou profissional), venha a se tornar um toxicômano, um ébrio inveterado ou vítima de alguns determinados tipos de moléstia (da epilepsia, por exemplo), aí, sim, caberia a seu pai ou tutor tomar as devidas providências, sob pena de responsabilidade solidária pelos possíveis acidentes do motorista, para que o filho ou tutelado não continuasse à testa de nenhum veículo.

Não se trataria, aqui, de vigilância quanto a uma capacidade técnica, sem sentido em face da caderneta de motorista, mas de uma incapacidade de ordem bem diversa, com relação à qual teria cabimento o dever de vigilância do responsável por tal motorista, ainda que menor púbere.

Consta do voto do relator:

A responsabilidade dos pais decorrente do pátrio poder vai, evidentemente, até os limites em que a lei lhes atribui o ônus do dever de educação, orientação e vigilância sobre os atos dos filhos menores impúberes ou púberes. Nesta última situação, do menor púbere, caso dos autos, em que o causador do acidente era estudante de medicina e tinha dezenove anos ao falecer, achando-se legalmente habilitado para dirigir veículo de passeio, não se pode, apenas por isso, pretender como responsáveis seus pais. Para a prática daquele ato, qual seja, a condução de automóvel particular, ele era considerado apto pelo Poder Público, por ser maior de dezoito anos e aprovado nos exames pertinentes – prático, teórico e psicotécnico. Quanto a isso ele era independente dos pais. Não há que se exigir o exercício do pátrio poder além desses limites, salvo, é claro, as exceções exemplificadas acima, em que notório um comportamento incompatível do filho sob a guarda dos pais, como alcoólatra, drogado, sob tratamento médico com administração de soníferos, etc., ainda assim eles se eximissem de adotar providência para resguardar a sua segurança e a de terceiros. Mas não são essas as hipóteses. O acórdão recorrido não relata uma situação dessa natureza, registrando-se que também não pode ser apenas eventual a atitude.

A se admitir a argumentação do acórdão a quo, então, seriam os pais responsáveis, por exemplo, pela sua presença em boates, ou ingestão de bebida alcoólica, mesmo quando autorizado por lei seu ingresso e consumo.

Em suma, afora circunstâncias excepcionais, a serem aferidas caso a caso, não se pode, em princípio, imputar omissão no exercício do pátrio poder aos pais, se o ato praticado pelo menor púbere se achava, em tese, autorizado pela legislação pertinente à espécie.

É raro que se o veículo causador do acidente fosse de propriedade dos recorrentes, pais do de cujus, haveria responsabilidade por culpa in eligendo, por confiarem a condução do mesmo a pessoa que, mesmo habilitada, se revelou imprudente. Mas, da mesma forma que no precedente enfrentado pela 3.ª Turma, aqui também o automóvel não era de propriedade dos réus. Ele pertencia ao próprio motorista (fl. 25).

Destarte, a ação teria de ser movida contra o Espólio do motorista extinto, não contra os pais deste, a menos que já se tenha processado o inventário e recebido o seu quinhão, pelo qual responderão até tal limite. E observo que se o automóvel era do de cujus, o valor pago pelo seguro, ou recebido pelo que dele restou, é patrimônio que responde pelo pagamento da indenização, além de outros bens que porventura tivesse em seu nome, inobstante ainda fosse bastante jovem.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento, para julgar extinto o processo com base no art. 267, VI, do CPC, condenando as autoras ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado da causa, pagamento, todavia, que fica suspenso, nos termos do art. 12 da Lei n.º 1.060/50.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, César Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.

Responsabilidade Civil ?Furto de veículo estacionado em posto de gasolina. Dever de indenizar.

AGRG NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 336.298 ? SP

REL.: MIN. ARI PARGENDLER

EMENTA ? Furto de veículo estacionado em posto de abastecimento. Dever de guarda e vigilância.

Agravo regimental não provido”.

(STJ/DJU de 25/3/02, pág. 279)

Já é conhecida a posição do Superior Tribunal de Justiça em relação aos furtos de automóveis ocorridos em estacionamentos de Supermercados.

Agora, nessa mesma linha, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua terceira Turma, Relator o Ministro Ari Pargendler que também o Posto de Gasolina, que permitiu ao seu freguês, por cortesia, que deixasse o veículo ali estacionado, tem o dever de indenizá-lo, caso o carro venha a ser furtado.

Consta do breve voto do relator:

Exmo. Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator):

O Tribunal a quo decidiu pela responsabilidade do agravante pelo furto ocorrido no seu estabelecimento com base no dever de guarda e vigilância, fundamentado na circunstância de que:

“A gratuidade é apenas aparente e não tem o condão de afastar sua responsabilidade. A finalidade da cortesia era a de agradar e manter um freguês que habitualmente abastecia o veículo no posto (outro fato incontroverso), proporcionando vantagem indireta, consistente no lucro gerado pela compra de produtos combustíveis” (fl. 25).

A irresignação, primeiro, no recurso especial, depois, no agravo de instrumento, está fundada na inexistência do contrato de depósito.

No acórdão, todavia, está explicitado que o dever de guardare vigilância independe do reconhecimento do contrato de depósito, in verbis:

“Na verdade, a ré descurou do dever de guarda e vigilância, sendo inafastável a obrigação de indenizar, ainda que, ad argumentandum, não se considere …………. a figura típica do contrato de depósito” (fl. 25).

Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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