Responsabilidade civil. Acidente com veículo em razão de animal morto na pista. Responsabilidade da concessionária. Relação de consumo. Competência determinada pelo domicílio do autor.

RECURSO ESPECIAL N.º 467.883 – RJ

REL.: MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO

EMENTA – 1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor, pela própria natureza do serviço. No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranqüilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do Código de Defesa do Consumidor.

2. Recurso especial não conhecido.

(STJ/DJU de 1/9/03, pág. 281)

Tendo sido a ação proposta no foro do domicílio do autor, a Concessionária manejou agravo de instrumento contra a decisão que rejeitou a exceção de incompetência suscitada, argumentando que não poderia ser aplicado ao caso o Código de Defesa do Consumidor, porque de fato não existe uma relação de consumo nos moldes previstos na legislação consumerista, posto que a Concessionária não se encontra na posição de fornecedora de serviço, pois o valor do pedágio de forma alguma se insere na categoria de preço.

Diversamente, porém, entendeu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, com o seguinte voto condutor:

O Exmo. Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito:

A empresa recorrente interpôs agravo de instrumento contra decisão que rejeitou exceção de incompetência.

A decisão agravada afirma que a concessionária está sendo processada por cidadão que utilizou os serviços concedidos na Rodovia Presidente Dutra, aplicando o disposto no art. 101, I, do Código de Defesa do Consumidor.

No agravo a recorrente sustenta que a ação tem por objeto a reparação de danos suportados pela excepta, decorrente de acidente sofrido por sua filha quando trafegava pela Rodovia Presidente Dutra; que sendo ação promovida contra pessoa jurídica, a competência está prevista no art. 100, IV, a), do Código de Processo Civil , sendo competente o foro da sede.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou provimento ao agravo, porque entendeu presente relação de consumo, nos termos do art. 3.º, § 2.º, do Código de Defesa do Consumidor. Para o Tribunal de origem, as “concessionárias de rodovia cobram, em contraprestação aos seus serviços, pedágios dos veículos que por ali trafegam. Desta forma, são remuneradas pelos serviços prestados”.

A ação foi ajuizada considerando o acidente sofrido pela filha da autora que, trafegando com seu veículo na rodovia, colidiu com animal de grande porte, morto na pista.

Tenho que correta a decisão agravada. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor. Existe, sim, relação de consumo evidente. Entender de modo contrário causa conflito com a própria natureza do serviço de concessão, mediante o qual aquela que se investe como concessionária do serviço público tem a obrigação de responder pelos atos ilícitos que decorrem da má prestação do serviço. No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranqüilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do Código de Defesa do Consumidor, tal e qual fez a decisão atacada, mantida pelo Acórdão recorrido.

Eu não conheço do especial.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Castro Filho e Ari Pargendler.

Processual Penal. Recurso Exclusivo da acusação. “Reformatio in Mellius”. Possibilidade.

“RECURSO ESPECIAL N.º 299.405/SP

REL.: MIN. FERNANDO GONÇALVES

EMENTA

1. Em recurso exclusivo da acusação, é possível, a título de reformatio in mellius, que o Tribunal, ao julgar a apelação, constatando flagrante ilegalidade contra o réu, determine, de ofício, a alteração da sentença. Na espécie, o acórdão determina a alteração do regime inicial de cumprimento da pena, de fechado para aberto, haja vista fundar-se a sentença, neste particular, apenas na gravidade do delito, em afronta, aliás, à jurisprudência desta Corte.

2. O delito de roubo se consuma quando o agente, mediante grave ameaça, efetivamente tem a posse da coisa, não importando tenha sido ela turbada em virtude da perseguição. Precedentes do STF.

3. Recurso conhecido e parcialmente provido.”

(STJ/DJU de 25/8/03)

Decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Fernando Gonçalves, que, em recurso exclusivo da acusação, é possível que o Tribunal modifique a sentença em favor do réu. O que não se admite é a “reformatiko in pejus”, não a “reformatio in mellius”.

Consta do voto do relator:

Exmo. Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator):

De início, em recurso exclusivo da acusação, é possível, a título de reformatio in mellius, que o Tribunal, ao julgar a apelação, constatando flagrante ilegalidade contra o réu, determine, de ofício, a alteração da sentença.

A propósito:

“PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA APELAÇÃO. REFORMATIO IN MELIUS. POSSIBILIDADE. CPP, ART. 617.

– Em sede de recurso exclusivo da acusação, o Tribunal não está impedido de, ao constatar patente erro na condenação, corrigir a sentença amenizando a situação do réu, dada a relevância que a Justiça deve conferir à liberdade humana.

– O que é vedado no sistema processual penal é a reformatio in pejus como inscrito no art. 617, do CPP, sendo admitida a reformatio in melius, o que ocorre na hipótese em que o Tribunal, ao julgar recurso da acusação, amplia o efeito devolutivo para reformar a sentença em favor do réu.

– Recurso especial conhecido e desprovido.” (REsp n.º 178.327/PR, Rel. Min. VICENTE LEAL, DJ de 20/9/99)

“PROCESSO PENAL – RECURSO EXCLUSIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – POSSIBILIDADE DE REFORMATIO IN MELLIUS.

– Nada há que impeça a reformatio in mellius em face de recurso exclusivo do Ministério Público. Isto porque a impugnação do Ministério Público não guarda em seu bojo limitações ao poder do juízo ad quem. Tanto é que o mesmo Ministério Público que acusa pode, ante a fatos novos, pleitear a absolvição. Se o tribunal pode conceder habeas corpus ex officio, nada impede que, ante a recurso exclusivo da acusação, abrande-se a situação do acusado.

– Recurso desprovido.” (REsp n.º 168.557/RS, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ de 18/12/2000)

Na espécie, o acórdão determinou a alteração do regime inicial de cumprimento da pena, de fechado para aberto, haja vista fundar-se a sentença, neste particular, somente na gravidade do delito.

Nesse sentido, inclusive, há inúmeros precedentes desta Corte:

“PROCESSUAL PENAL. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA MAIS GRAVE (FECHADO). IMPOSSIBILIDADE.

1 – Se o paciente, além de réu primário, tem a seu favor a pena-base fixada no mínimo legal, em razão de as circunstâncias judiciais lhe serem todas favoráveis, não há razão para a imposição de regime inicial de cumprimento da reprimenda mais rigoroso (fechado), ainda que fundado na gravidade do delito, sob pena de não se levar em conta as balizas do art. 33, §2º, do Código Penal, que, conjugadas sistematicamente com os critérios do art. 59, do CP, resultam nas diretrizes a serem seguidas. Fixar a pena-base no mínimo legal e agravar o regime inicial da sanção penal são fundamentos incompatíveis. Precedentes da Sexta Turma.

2 – Ordem concedida.” (HC n.º 18.343/SP, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ de 2/9/2002)

No mais, decidiu o julgado combatido:

“Segundo os depoimentos prestados pelos policiais militares Humberto Mozart Calixto e Valdir Flauzino, passavam eles, em patrulhamento de rotina, pelo local dos fatos, quando populares os informaram que estava ocorrendo um roubo no interior do supermercado. Acrescentaram que viram três indivíduos saindo correndo do citado estabelecimento, tomado cada um deles uma direção diferente. Seguiram o ora apelante, em razão de estar ele portando uma arma de grosso calibre, logrando detê-lo e apreendendo, em poder do mesmo, a totalidade do bem subtraído, ou seja, a quantia de R$ 300,00 (trezentos reais).

Conclui-se, pois, que, nem sequer por um curto espaço de tempo, teve o réu a posse mansa e tranqüila do bem subtraído, pois, tão logo saiu do estabelecimento da vítima, foi perseguido e preso pelos agentes da lei, que apreenderam em seu poder a quantia em dinheiro furtada.” (fls.113)

A consumação do roubo, na espécie, é patente, porquanto, como visto, o recorrido, após o emprego de grave ameaça, efetivamente teve a posse da coisa, não importando tenha sido ela turbada em virtude da perseguição.

Assim já decidiu o STF:

“Roubo. Momento de sua consumação.

– O roubo se consuma no instante em que o ladrão se torna possuidor da coisa móvel alheia subtraída mediante grave ameaça ou violência.

– Para que o ladrão se torne possuidor, não é preciso, em nosso direito, que ele saia da esfera de vigilância do antigo possuidor, mas, ao contrário, basta que cesse a clandestinidade ou a violência, para que o poder de fato sobre a coisa se transforme de detenção em posse, ainda que seja possível ao antigo possuidor retomá-la pela violência, por si ou por terceiro, em virtude de perseguição imediata. Alias, a fuga com a coisa em seu poder traduz inequivocamente a existência de posse. E a perseguição – não fosse a legitimidade do desforço imediato – seria ato de turbação (ameaça) à posse do ladrão. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RECR n.º 102490-9/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 16/8/91)

Habeas corpus. Improcedência da alegação de que, no caso, não houve roubo consumado, mas tentativa de roubo. – Ao julgar o HC 69753, que versava hipótese análoga à presente, em que também não houvera sequer perseguição, esta Primeira Turma, sendo relator o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, assim decidiu: “Roubo. Consumação. A Jurisprudência do STF, desde o RE 102.390, 17.9.87, Moreira Alves, dispensa, para a consumação do roubo, o critério de saída da coisa da chamada `esfera de vigilância da vítima’ e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da `res furtiva’, ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata; com mais razão, está consumado o crime se, como assentado no caso, não houve perseguição, resultando a prisão dos agentes, pouco depois da subtração da coisa, a circunstância acidental de o veículo, em que se retiravam do local do fato, ter apresentado defeito técnico”. Habeas corpus indeferido.” (HC n.º 74.376/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 7/3/97)

Ante o exposto conheço do recurso para, dando-lhe parcial provimento, afastar da pena a incidência do art. 14, II do CP.

Decisão por maioria, votando com o Relator os Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Fontes de Alencar e Vicente Leal.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.