Recurso especial. Processo civil. Iniciativa probatória do Juiz. Determinação EX OFFICIO. Possibilidade. Art. 130 do CPC.

EMENTA

1. No caso dos autos, determinou o Tribunal a quo o retorno dos autos à primeira instância, cassando, por conseguinte, a sentença de improcedência prolatada, na medida em que, tendo admitido expressamente o magistrado singular que as provas colacionadas aos autos não seriam suficientes para verificação da alegada violação de cláusulas contratuais, deveria ter determinado, ex officio, sua realização.

2. ?A experiência mostra que a imparcialidade não resulta comprometida quando, com serenidade e consciência da necessidade de instruir-se para melhor julgar, o juiz supre com iniciativas próprias as deficiências probatórias das partes. Os males de possíveis e excepcionais comportamentos passionais de algum juiz não devem impressionar o sentido de fechar a todos os juízes, de modo absoluto, as portas de um sadio ativismo? (in Instituições de Direito Processual Civil, volume III, 2.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, páginas 52-54, grifos no original).

3. Recurso especial não conhecido.

(STJ/DJU de 23/4/07)

Conforme decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa, pode e deve o juiz, com iniciativa própria, suprir as deficientes probatórias das partes.

Consta do voto:

O exmo. sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa (Relator):

1. A questão em debate diz com os limites da atuação do magistrado no processo civil, máxime no que diz a sua iniciativa probatória.

No caso dos autos, determinou o Tribunal a quo o retorno dos autos à primeira instância, cassando-se, por conseguinte, a sentença de improcedência prolatada, na medida em que, tendo admitido expressamente o magistrado singular que as provas colacionadas aos autos não seriam suficientes para verificação da alegada violação de cláusulas contratuais, deveria ter determinado, ex officio, sua realização.

Sobre o tema, destaco as lições de Cândido Rangel Dinamarco:

?Há situações em que as omissões probatórias das partes seriam capazes de comprometer direitos sobre os quais elas não têm disponibilidade alguma, ou não têm toda disponibilidade. Assim são as relações de direito de família, de modo geral regidas por fundamentos de ordem pública relacionados com as repercussões que os resultados do processo podem projetar na própria estrutura da sociedade. Assim são também as relações de massa, envolvendo comunidades ou grupos mais ou menos amplos, o que também tem por conseqüência as repercussões erga omnes ou ao menos ultra partes daquilo que vier a ser julgado (…).

Além disso, as desigualdades econômicas e culturais são capazes, quando incontroladas, de conduzir o processo à produção de resultados distorcidos em razão de insuficiências probatórias resultantes das desídias daquele que não se defender melhor porque não pôde; e, por expressa determinação legal, o juiz tem o dever de promover o equilíbrio das partes no processo, assegurando aos litigantes a paridade em armas que o princípio da isonomia exige (CPC, art. 125, inc. I). Para esse fim e para a efetividade da garantia constitucional da ampla defesa, há situações em que a intervenção do juiz na busca e produção de meios de prova se mostra vital. Sua intervenção é importante, ainda, quando as partes se valem do processo com o objetivo de obter resultados ilegais (art. 17, inc. III), como a fraude à lei ou embuste a terceiros.

Acima de todas essas razões paira ainda a consciência de que no Estado moderno a jurisdição é uma função pública por excelência, voltada a escopos associados ao interesse da sociedade como um todo (escopos sociais, políticos, jurídico): aos juízes não cumpre atuar como meros homologadores de condutas dos particulares. Há situações em que a própria função jurisdicional ficaria desmerecida e desviada de seus rumos, quando o juiz fosse obrigado a conformar-se e afinal, como Pôncio Pilatos, lamentar a injustiça mas permitir que prevalecesse?.

Por fim, mas não menos importante, afirma o processualista que:

?A experiência mostra que a imparcialidade não resulta comprometida quando, com serenidade e consciência da necessidade de instruir-se para melhor julgar, o juiz supre com iniciativas próprias as deficiências probatórias das partes. Os males de possíveis e excepcionais comportamentos passionais de algum juiz não devem impressionar o sentido de fechar a todos os juízes, de modo absoluto, as portas de um sadio ativismo? (in Instituições de Direito Processual Civil, volume III, 2.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, páginas 52-54, grifos no original).

A propósito dessa última afirmação, o caso em análise parece mostrar perfeita identidade, na medida em que afirmou o magistrado que, acaso produzida a perícia, o resultado da demanda poderia ter sido outro; in ipsis verbis:

?A ação deve ser julgada improcedente porque a autora foi instada a produzir a prova pericial para averiguar se o cálculo das prestações estão corretos ou não. Por diversas vezes foi instada a efetuar a referida prova, mas não o fez. O requerido na contestação alega que os cálculos estão corretos?

No mérito, a pretensão da autora de ser aplicado o Plano de Equivalência Salarial – PES, como aliás, determina o art. 9.º do Decreto-lei 2.164/84, encontra conforto na pacificada jurisprudência, mas era necessário que o cálculos fossem refeitos (…)? (fl. 87).

2. Essa, aliás, tem sido a orientação adotada nesta Corte Superior:

?PROCESSO CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ. PERÍCIA DETERMINADA DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DEMANDA. PRECEDENTES.

– Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC.

– A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, é amplíssima, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça.

Agravo no recurso especial improvido?. (AgRg no REsp 738.576/DF, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 12/9/2005);

Do julgado, destaco o seguinte excerto:

?(…)

Assim, sobre a questão levantada pelo agravante sobre os limites dos poderes instrutórios do magistrado, cabe lembrar que a prova pericial é do juízo e pode ser ordenada de ofício, quando o magistrado necessidade de informações técnicas ou quando se tratar de direito indisponível, sem a prova definitiva do direito reclamado.

Isso porque, como se sabe, ?A faculdade de atuação do juiz, na fase probatória, é amplíssima. Quaisquer provas, inclusive depoimentos, requisições de documentos, perícias, etc., podem ser determinadas pelo juiz, a requerimento da parte ou ex officio, em qualquer fase do processo, até a prolação da sentença final.

Isso não importa dizer que se está retirando das partes os ônus de trazerem aos autos do processo os elementos de prova que julguem oportuno. A tanto vai o direito das parte.

O que se que, com o art. 130, é não excluir a faculdade que tem o juiz de tomas as providências e ordenar as diligências que lhe parecerem necessárias ou úteis à decisão da causa e à formação livre de sua convicção.

Em verdade, o interesse público melhor estará preservado se os juízes proferirem sentenças fundadas em verdades verdadeiras, mesmo que contra a vontade de uma ou de ambas as partes, do que em meias verdades, ou em falsas verdades, encobertas pelo silêncio intencional ou pelo engodo consentido do litigante aproveitador.

Não é esse – o da meio verdade – o fim que se persegue com o processo, na solução de um caso concreto. Passando por cima de fatos ponderáveis, omitindo circunstâncias relevantes ao deslinde da controvérsia e aproveitando talvez a inércia ou a boa-fé do litigante contrário, a parte poder-se-ia beneficiar se o juiz que a tudo contemplasse, devesse ficar inerte e indiferente a essa tentativa de encontrar a verdade? (Sérgio Sahione Fadel, Código de Processo Civil Comentado, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 179 – grifado e destacado)?.

3. Dessarte, Não conheço do recurso especial.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Massami Uyeda, César Asfor Rocha e Aldir Passarinho Júnior.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.