Recurso especial…

Contrato de prestação de serviços advocatícios. Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. Legitimidade do negócio jurídico. Reconhecimento.

RECURSO ESPECIAL N.º 914.105-GO
Rel.: Min. Fernando Gonçalves
EMENTA

1. As normas protetivas dos direitos do consumidor não se prestam a regular as relações derivadas de contrato de prestação de serviços de advocacia, regidas por legislação própria. Precedentes.
2. O contrato foi firmado por pessoa maior e capaz, estando os honorários advocatícios estabelecidos dentro de parâmetros razoáveis, tudo a indicar a validade do negócio jurídico.
3. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ/DJU de 22/9/08)

Por decisão unânime, Relator o Ministro Fernando Gonçalves, decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que a fixação de honorários advocatícios não se submete ao Código de Defesa do Consumidor, eis que regidas por legislação própria.

Ademais, foram os honorários estabelecidos por pessoa maior e capaz, dentro dos parâmetros legais.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator):

Pela mãe do recorrido, na qualidade de sua representante legal, foi firmado contrato de prestação de serviços advocatícios com a recorrente, cabendo a esta promover ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança em face de José Domingos da Silva e Sidneu Lourenço da Silva, recebendo como contraprestação 20% do que coubesse ao menor em razão da herança.

Essa última estipulação foi julgada abusiva pelo Tribunal de origem, acabando por ser anulada com fundamento no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, conforme se verifica do seguinte trecho do voto condutor do aresto recorrido, verbis:

“O valor pactuado no contrato, ante a sua efetiva significação, qual seja, o montante de R$ 443.348,40 (quatrocentos e quarenta e três mil, trezentos e quarenta e oito reais e quarenta centavos), mostra-se assaz desarrazoado, desproporcional, ferindo, inclusive o princípio da harmonia nas relações de consumo, uma vez que impinge ao consumidor um ônus excessivo, propiciando um desenvolvimento econômico astronômico à advogada, valor aquele que exorbita a noção do bom senso, do justo.

(…)

Assim, imperiosa se faz a declaração de nulidade da cláusula contratual, contida no contrato de honorários advocatícios em debate, a qual prevê o pagamento à causídica do montante de 20% (vinte por cento) do total dos bens herdados pelo ora apelante na ação por aquela patrocinada, haja vista a sua abusividade e a ofensa aos princípios basilares que orientam a relação de consumo.

Isto posto, ante a verificada vulnerabilidade da genitora do menor no momento da entabulação do contrato de honorários advocatícios ora em análise, bem como em razão das constatadas ofensas aos princípios da boa-fé objetiva e da harmonia na relação de consumo, com fulcro no art. 51, IV, XV, e §1.º, I e III, do CDC, declaro nula de pleno direito a cláusula segunda do aludido contrato de honorários advocatícios celebrado entre os ora litigantes.” (fls. 462/463)

A jurisprudência desta Corte, porém, vem se firmando no sentido da inaplicabilidade das normas consumeristas para regular as relações derivadas de contrato de prestação de serviços de advocacia, conforme se colhe das seguintes ementas:

“PROCESSUAL – AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – NÃO APLICAÇÃO – CLÁUSULA ABUSIVA – PACTA SUNT SERVANDA.

– Não incide o CDC nos contratos de prestação de serviços advocatícios. Portanto, não se pode considerar, simplesmente, abusiva a cláusula contratual que prevê honorários advocatícios em percentual superior ao usual. Prevalece a regra do pacta sunt servanda.” (REsp 757867/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Terceira Turma, julgado em 21/9/2006, DJ 9/10/2006)

“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PROCESSAMENTO DE INVENTÁRIO E DEFESA DE INTERESSES DO ESPÓLIO EM EXECUÇÕES E AÇÕES TRABALHISTAS. ALEGAÇÃO DE EXCESSO NOS VALORES FIXADOS EM CONTRATOS PROFISSIONAIS. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA DE FATO E CONTRATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS NS. 5 E 7-STJ. INCIDÊNCIA DO CDC SOBRE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. APLICABILIDADE DE LEI ESPECÍFICA. ESTATUTO DA OAB.

I. Não padece de nulidade o acórdão estadual que enfrenta as questões essenciais ao deslinde da controvérsia, apenas que com conclusões desfavoráveis à parte ré.
II. “A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial” -Súmula 5 – STJ.
III. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” – Súmula 7 – STJ.
IV. As relações contratuais entre clientes e advogados são regidas pelo Estatuto da OAB, aprovado pela Lei n.º 8.906/94, a elas não se aplicando o Código de Defesa do Consumidor.
V. Recurso especial não conhecido.” (REsp 539077/MS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, julgado em 26/4/2005, DJ 30/5/2005 p. 383)
“PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE CONHECIMENTO PROPOSTA POR DETENTOR DE TÍTULO EXECUTIVO. ADMISSIBILIDADE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

O detentor de título executivo extrajudicial tem interesse para cobrá-lo pela via ordinária, o que enseja até situação menos gravosa para o devedor, pois dispensada a penhora, além de sua defesa poder ser exercida com maior amplitude.

Não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei n.º´ 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo.

As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados – como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31/§ 1.ª e 34/III e IV, da Lei n.º 8.906/94) – evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo.

Recurso não conhecido.” (REsp 532.377/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, julgado em 21/8/2003, DJ 13/10/2003)

Nesse contexto, não subsistem os fundamentos adotados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás para anular a cláusula contratual em comento.

Cumpre ressaltar, de outro lado, que o contrato foi entabulado por pessoa maior e capaz na defesa dos interesses de seu filho menor, plenamente alcançados com o trabalho da causídica, a quem coube o manejo de diversas medidas para salvaguarda dos direitos do cliente (investigação de paternidade cumulada com petição de herança, nulidade de partilha, alimentos, protesto contra alienação de bens, pedido de tutela antecipada para imissão do recorrido na posse dos bens que lhe couberam na partilha, habilitação, alvará, entre outros).

Não fosse isso, o percentual de 20% sobre o benefício alcançado com o trabalho advocatício não refoge aos padrões usualmente adotados em avenças como a presente, tudo a indicar a validade do negócio jurídico firmado entre as partes.

Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para restabelecer a sentença de primeira instância.

Acompanharam o Relator os Ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1.ª Região).

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.