HABEAS CORPUS N.º 48.175-SP

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Rel.: Min. Laurita Vaz

EMENTA

1. A falta de motivação apresentada pelo julgador, ao exercer o juízo de convicção, quanto à admissibilidade das qualificadoras descritas na denúncia, constitui causa de nulidade da sentença de pronúncia.

2. Não é possível olvidar que, em caso de incerteza sobre a situação de fato – ocorrência ou não das qualificadoras – a questão deverá ser dirimida pelo o Tribunal do Júri, todavia, o simples juízo de cognição destas, proferido na sentença de pronúncia, deverá ser demonstrado e exteriorizado com a exposição de elementos concretos contidos nos autos, aptos a justificarem a convicção do magistrado quanto à sua admissibilidade.

3. Precedentes do STJ.

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4. Ordem concedida para anular a sentença de pronúncia ora atacada e determinar que o juízo processante proceda à necessária fundamentação, em sede de nova pronúncia, relativamente às qualificadoras descritas na denúncia.

(STJ/DJU de 8/5/06)

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Conforme decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relatora Ministra Laurita Vaz, o juiz, na sentença de pronúncia deve manifestar, em relação às qualificadoras, um juízo concreto de admissibilidade, obrigatoriamente fundamentando nos limites próprios da provisional.

Consta do voto do Relator:

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

A impetração merece acolhida.

Infere-se dos autos que a sentença de pronúncia, proferida pelo Juízo de Direito da 1.ª Vara do Júri da Comarca de São Paulo, restou, na parte que interessa, fundamentada nos seguintes termos:

?(…) é que além dessa narrativa, há notícia de que havia desentendimento entre o réu e ofendido antes dos fatos e, no dia anterior, teria o réu adquirido álcool com a finalidade de matá-lo, não podendo ser descartada a hipótese de que pretendia incinerar o cadáver e, com isso, dificultar fosse descoberta a autoria do crime. E mais, como já anotado, há indícios de que houve enforcamento com uso do objeto mencionado na denúncia, em face das escoriações constadas na mão do réu.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 408 do Código de Processo Penal PRONUNCIO ANTONIO DOS SANTOS (RG n.º 35.707.255), filho de José Anacleto dos Santos e de Jovelina de Jesus, a fim de que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do artigo 121, § 2.º, incisos III e IV e artigo 211, todos do Código Penal.? (fl. 71)

Observa-se, inicialmente, da leitura da sentença de pronúncia, a falta de motivação apresentada pelo julgador, ao exercer o juízo de convicção, pois não houve a explicitação judicial dos indícios suficientes da configuração, no caso, das qualificadoras descritas na denúncia.

Ora, se o magistrado entendeu, em juízo de cognição sumária, que os fatos descritos e apurados no judicium accusationis demonstraram a configuração das qualificadoras, deveria ter manifestado sobre elas um juízo concreto de admissibilidade, obrigatoriamente fundamentado, nos limites próprios da sentença de pronúncia.

Não é possível olvidar que, em caso de incerteza sobre a situação de fato – ocorrência ou não das qualificadoras – a questão deverá ser dirimida pelo o Tribunal do Júri, todavia, o simples juízo de cognição destas, proferido na sentença de pronúncia, deverá ser demonstrado e exteriorizado com a exposição de elementos concretos contidos nos autos, aptos a justificarem a convicção do magistrado quanto à sua admissibilidade.

Nesse contexto, trago à colação o lapidar voto proferido pelo ilustre Min. FELIX FISCHER, quando do julgamento do HC n.º 16.374/SP, que, em hipótese semelhante, assim asseverou:

?(…)

Ao pronunciar o réu, deve o juiz se manifestar, não só sobre o tipo básico, mas, também, se for o caso, sobre a qualificadora que entender admissível. De acordo com o art. 408 do CPP, ao final da primeira fase procedimental, o magistrado prolata um juízo de admissibilidade da acusação (iudicium accusationis) e este juízo, nestes limites, do plausível, tem que ser fundamentado. Nem mais, nem menos. Se a imputação versa sobre homicídio simples, o magistrado, ao pronunciar, deve dizer das razões da admissibilidade do crime e da autoria. Se a imputação versa sobre homicídio qualificado, a motivação da admissibilidade deve ser, também, sobre a qualificadora que integra o delito. Para tanto, em regra, no que se refere às qualificadoras do homicídio, basta que existam indícios daquilo que, como tal, consta da imputação. Existindo, a pronúncia tem que ser ampla; não existindo os indícios, então, a qualificadora, atribuída precipitada ou erroneamente, não pode integrar o juízo de pronúncia. Tem que ser afastada. Da mesma forma, a equivocada valoração jurídica, o lapso de adequação, tudo isto, pode ensejar, já na pronúncia, o afastamento de uma qualificadora. Portanto, se, por um lado, bastam os indícios para o iudicium accusationis acerca da qualificadora, por outro, é indispensável que eles, de fato, existam e que o magistrado, de forma concisa, se manifeste. O art. 93, IX, 2.ª parte da Lex Fundamentalis, para evitar abusos, deixa claro que os atos judiciais relevantes devem ser fundamentados nos limites de sua incidência. No iudicium accusationis, a fundamentação é indispensável mas não deve, e não pode, ir além da mera admissibilidade. Caso contrário, a pronúncia não retrataria uma admissibilidade da acusação mas, sem nenhum sentido, seria uma simples homologação de toda e qualquer denúncia. E, este entendimento está alicerçado em aresto do Colendo Supremo Tribunal Federal, a saber:

?A fundamentação dos atos decisórios qualifica-se como pressuposto constitucional de validade e eficácia das decisões emanadas do Poder Judiciário. A inobservância do dever imposto pelo art. 93, IX, da Carta Política, precisamente por traduzir grave transgressão de natureza constitucional, afeta a legitimidade jurídica do ato decisório e gera, de maneira irremissível, a conseqüente nulidade do pronunciamento judicial. Precedentes.

A SENTENÇA DE PRONÚNCIA DEVE ANALISAR AS QUALIFICADORAS IMPUTADAS AO RÉU.

A inclusão da circunstância qualificadora na sentença de pronúncia exige, ainda que sucintamente motivado, um juízo positivo do magistrado pronunciante, que deve, em conseqüência, proclamar, sempre com fundamento em prova idônea, a existência da qualificadora. É por tal razão que o juiz, nesse ato sentencial – que constitui a própria fonte do libelo -, deve analisar, ainda que com um mínimo de fundamentação, as circunstâncias qualificadoras que foram imputadas pelo Ministério Público em sua peça acusatória. Precedentes. Doutrina.?

(STF, 1.ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 13/12/96, p. 50166)

E esta Turma, no REsp 29.272-8/CE (Relator Ministro Flaquer Scartezzini), já anteriormente, orientava no sentido de que, pelo menos indícios deveriam existir para que se pudesse admitir, na pronúncia, uma qualificadora. É o que se lê do seguinte trecho:

…?Havendo indícios de que o delito foi praticado nas condições previstas nas qualificadoras referidas na denúncia, recomenda a jurisprudência que é de bom alvitre não excluí-las da sentença de pronúncia, deixando-se tal oportunidade ao Tribunal do Júri que, como juiz natural do processo, dirá sobre a incidência, ou não de cada uma delas.?

(STJ, Rel. Min. Flaquer Scartezzini, DJU 31/05/95).

Na mesma linha: a) REsp 84.729-DF, 5.ª Turma-STJ, j. 18/2/97, DJU de 17/3/97; b) REsp 171.627-GO, 5.ª Turma-STJ, j. 21/9/99, DJU de 18/10/99.

In casu, na pronúncia, consta apenas: ?No tocante às qualificadoras por motivo fútil e motivo cruel, pela prova carreada aos autos, não se manifestam absolutamente improcedentes, devendo ser apreciadas pelo júri popular, pois do contexto não podem ser afastadas de plano.? (fls. 673).

Não há, vê-se de pronto, qualquer afirmação sucinta acerca da admissibilidade concreta das qualificadoras em relação ao paciente. Ainda que, de rigor, é de se imaginar que delitos como o descrito na proemial acusatória sejam efetuados de tocaia, ainda assim, o iudicium accusationis, sem extrapolação, sem excessos, deve apontar vinculadamente a referida admissibilidade.

Conseqüentemente, é nula a pronúncia por ausência de fundamentação concreta (nos limites próprios do referido ato judicial) quanto às qualificadoras.

Dessarte, voto no sentido de ser concedida a ordem, anulando-se a r. decisão de pronúncia, por falta de motivação acerca da admissibilidade das qualificadoras.?

Nesse sentido, confira-se:

?Ementa: CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO DE PRAZO NA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO EM RSE. EVENTUAL DEMORA QUE NÃO CONFIGURA, DE PRONTO, CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGILIZAÇÃO RECOMENDADA. PRONÚNCIA. QUALIFICADORAS. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, COM RECOMENDAÇÃO.

Por aplicação do Princípio da Razoabilidade, considera-se razoável, até certo ponto, eventual demora na publicação de acórdão proferido em Recurso em Sentido Estrito, não só em função do normal acúmulo de processos nas Secretarias dos Tribunais, mas também porque a referida decisão foi proferida há quase 01 ano e 06 meses da impetração do presente writ, não havendo qualquer demonstração de prejuízo na demora da publicação ora requerida.

Eventual retardamento não configura, de pronto, constrangimento ilegal.

O simples juízo de admissibilidade das qualificadoras não supre a necessidade de fundamentação, ainda que suscinta e objetiva, por parte do d. Julgador monocrático.

Ordem parcialmente concedida para, cassando o acórdão recorrido, determinar que o d. Juízo monocrático apresente a necessária fundamentação para incluir ou afastar as qualificadoras na pronúncia, com a recomendação, ao e. Tribunal a quo, de maior celeridade na publicação do julgamento do recurso em sentido estrito interposto pela defesa.? (HC n.º 16.275/PE, rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 29/10/2001)

Ante o exposto, CONCEDO a ordem para anular a sentença de pronúncia ora atacada e DETERMINAR que o juízo processante proceda à necessária fundamentação, em sede de nova pronúncia, relativamente às qualificadoras descritas na denúncia.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer e Gilson Dipp.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.